O prazer de enviar e receber cartas pelos correios parece um pouco perdido no meio do mundo digital, não é mesmo? Mas, apesar do avanço no uso das redes sociais e dos e-mails, a troca de correspondência não morreu no Brasil. Aquela sensação boa, misto de curiosidade e ansiedade, pela espera do amigo carteiro ainda vive em muita gente – que recebe muito mais do que boletos. O professor Edmar Cialdine, 39, morador da cidade do Crato/CE, desde que se entendeu como leitor sempre usou os serviços dos Correios: seja assinando revistas, comprando livros ou trocando cartas, prática que mantém inclusive nos dias atuais. Para ele a experiência de seguir trocando cartas nos dias de hoje tem sido engrandecedora, e conta também que ficou surpreso quando a atendente da agência em que envia suas correspondências disse que a prática ainda é comum apesar do que muitos pensam.
“As pessoas se entregam mais por meio das cartas. Não raro me vejo emocionado, quase às lágrimas, quando leio uma carta. Isso é algo que nem e-mail, nem redes sociais ou ligações telefônicas me fizeram sentir”, conta Edmar que troca cartas com pessoas dentro e fora do Brasil. Quando pensa na possibilidade da privatização dos Correios, Edmar se preocupa com o aumento das tarifas. Atualmente o preço da tarifa de carta no Brasil é uma das menores no mundo, benefício ameaçado caso haja privatização da empresa que é 100% estatal. “Havendo uma privatização dos correios isso [envio de cartas] vai se tornar inviável, pois são muitas cartas que eu escrevo no meu dia a dia, a acessibilidade nesse processo é fundamental, escrever cartas e enviar passa pela peneira financeira infelizmente”, afirma o professor.
Os Correios têm sua origem no Brasil no ano de 1663 e, desde então, garante o direito de serviço postal ao povo brasileiro. A empresa estatal está presente em 100% do território nacional e é autossustentável, ou seja, o Tesouro Nacional não precisa colocar recursos para que a instituição funcione. No ano de 2018, os Correios tiveram 161 milhões de reais em lucro. A empresa estatal mantém inclusive agências em pequenas localidades do país que podem não dar lucro para a empresa, mas que garante o direito de muitos brasileiros de ter acesso ao serviço postal.
Em mais de 2000 municípios brasileiros onde não existem correspondentes bancários são também os Correios quem garante esse direito. Os Correios geram mais de 100 mil empregos diretos e garante, com o menor custo e maior segurança, a entrega de itens essenciais como livros didáticos para escolas e vacinas e remédios para os postos de saúde de todos os municípios do Brasil. No Ceará são 198 agências em funcionamento.
Privatizações pelo mundo
Com o anúncio do pacote de privatização do governo federal, onde os Correios estão inclusos, estão ameaçados, além do bom funcionamento da empresa, os direitos do povo brasileiro. A partir de outras experiências de privatização dos serviços de correio ao redor do mundo, como são exemplo países como Portugal e Alemanha, é possível prever que caso a empresa brasileira seja privatizada haverá demissão de trabalhadores – mesmo os que entraram através de concurso público não tem garantia –, aumento no custo dos serviços, e fechamento das agências que não dão lucro, deixando assim milhões de brasileiros e brasileiras sem acesso ao serviço postal e também serviços bancários.
Em Portugal, os Correios foram privatizados entre os anos de 2013 e 2014, e logo foi possível notar a piora no serviço. “A primeira coisa que todo mundo sentiu foi que eles fecharam várias agências. No bairro que eu morava em Coimbra a população era muito idosa e a agência de lá fechou, e eles tinham que se deslocar até o centro para utilizar uma outra agência que ficou com muitas filas”, conta a historiadora brasileira Débora Dias, 38, que vive em Portugal desde 2011.
Relações
Para o carteiro Robério Gomes, 41, trabalhador dos Correios desde 2002, a empresa estatal é parte fundamental do dia a dia do povo, além do serviço prestado, os trabalhadores desenvolvem também uma relação afetiva nas regiões em que atuam. “Tem pessoas que a gente conhece que é como se fosse da família, pessoas que vimos crescer, estamos todos os dias na casa das pessoas”, conta o carteiro. Robério lembra ainda que manter o serviço postal e o correio aéreo nacional é tarefa do Estado brasileiro previsto na Constituição Federal, no artigo 21.
Um outro segmento que pode ser afetado de forma negativa com a privatização dos correios são os microempreendedores que comercializam pela internet e enviam seus produtos através dos Correios. “Muitos microempreendedores dependem dos Correios hoje. Temos umas das taxas mais baixas do mercado. Quem vende pela internet vai sofrer se o preço for elevado e o consumidor final também”, alerta Robério.
Mobilização
O Sindicato dos Trabalhadores em Correios, Telégrafos e Similares do Estado do Ceará (Sintect CE) tem se mobilizado para alertar a população e cobrar os parlamentares do Ceará através de audiências públicas e tribunas livres que vem ocorrendo em todo o estado desde junho. Maria de Lourdes Paz Félix, 63, é trabalhadora dos Correios desde 1977 e atualmente ocupa a função de coordenadora geral do Sintect CE, e faz o alerta para os desmontes que os Correios vem sofrendo como uma tentativa de justificar a proposta da privatização. “Já foram fechadas 161 agências em todo o Brasil, dentre essas oito no Ceará. Isso vem acontecendo desde o governo Temer e agora se intensificou. O serviço do Banco Postal, por exemplo, está diminuindo e a tendência é acabar”, afirma a coordenadora.
Outro alerta feito pelo sindicato é sobre os projetos de lei que visam enfraquecer a empresa estatal, como o PL 7488/2017, de autoria de Eduardo Bolsonaro (PSC/SP) que quer retirar a exclusividade dos Correios na entrega de cartas, contas e faturas. Em contraponto, está se formando uma Frente Parlamentar pela Soberania Nacional que se posiciona contra as privatizações e em defesa do patrimônio nacional. “A nossa soma é que vai dar nossa vitória”, afirma Maria de Lourdes.
Edição: Monyse Ravena