Sabe quando você faz uma compra e a vendedora pergunta se quer colocar o Cadastro de Pessoa Física (CPF) na nota? Ou quando quer abrir uma pequena empresa e precisa emitir um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ)? Quando compra um carro e, no documento, ele possui um número de Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam)? Quando aqueles que pagam imposto de renda enviam suas declarações para a receita federal por meio de um sistema baixado na internet? Ou ainda quando se pretende viajar para fora do país e precisa tirar um passaporte?
Essas situações, presentes no cotidiano de todas as pessoas, têm em comum a tecnologia e o trabalho dos que fazem o Serviço Federal de Processamento de Dados, o Serpro. Uma empresa pública, que desenvolve tecnologia e sistemas de informação para todos os órgãos públicos e até para empresa privadas, como é o caso do recente contrato fechado com a Uber. Em agosto, a estatal foi considerada a melhor empresa no setor de indústria digital e recebeu o Prêmio Melhores e Maiores 2019, concedido pela Revista Exame. Segundo informações em seu site, o Serpro encerrou o ano de 2018 com lucro líquido de R$ 459,70 milhões, um aumento de 273,41% em comparação a 2017.
Essa gigante da tecnologia da informação está entre as empresas ameaçadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que, em meados de agosto, anunciou um plano de privatização para 17 estatais. Embora não haja informações claras sobre como será esse processo, o governo federal possui até uma Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados que funciona dentro do Ministério da Economia, do ministro Paulo Guedes para acompanhar as privatizações.
Promessa de campanha, a venda das estatais é justificada por Bolsonaro pela necessidade de reduzir os gastos públicos. Entretanto, trabalhadores do Serpro questionam a iniciativa, por se tratar uma estatal lucrativa, temem por seus trabalhos e pelos dados dos brasileiros. Daniel Fernandes, empregado público que atua na área de segurança da informação, afirmou que “o clima entre os empregados é de apreensão e preocupação. Além do risco de perda de empregos e das condições de trabalho, há, ainda, o risco de termos os nossos dados, de todos os brasileiros, sob gestão privada, na lógica do lucro”.
Para Fábio Rosa, empregado público do Serpro e diretor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado do Ceará (Sindpd), a privatização trará riscos incalculáveis para a soberania nacional. “Os mais importantes, sigilosos, privados e estratégicos dados da população brasileira e do Estado estão armazenados nas bases de dados do Serpro e da Dataprev. Tem declarações de renda de 15 anos para cá, pelo menos. Você tem quanto recebe, de quem recebe, quais são dívidas e bens. Também como é o fluxo financeiro dentro do Estado brasileiro. As regras e critérios das fiscalizações. Os sistemas são construídos para identificar desvios no padrão de contabilidade das empresas. Isso nas mãos de empresas privadas pode favorecer ações sonegação, fraudes e vendas de informações”, argumentou Rosa.
Ameaça antiga
Não é a primeira vez que tentam privatizar o Serpro. Quando Fernando Henrique Cardoso (1995-2003/PSDB) foi presidente, a estatal esteve entre as elencadas para venda a iniciativa privada, mas o processo encontrou muitas resistências e não avançou. Diferente da mineradora Vale do Rio Doce e a Empresa de Telecomunicações do Brasil, a Telebrás, que foi fatiada em doze empresas leiloadas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Essas antigas estatais estão entre as multinacionais mais lucrativas do país, segundo ranking publicado pela Revista Exame no mês de agosto.
Ivandro Claudino, analista de sistemas no Serpro compara os tempos de FHC com as gestões dos presidentes Lula (PT) e Dilma (PT) e afirma a importância do investimento público no desenvolvimento de tecnologia. “Antes era muito sucateada, quando os governos do Partido dos Trabalhadores assumiram, houve uma mudança brutal, eles reconstruíram a empresa, mudou desde a relação com os funcionários até nos equipamentos e em tudo, a reestruturaram ao ponto dela se tornar a potência que é hoje”, comentou Claudino.
Dataprev
Junto com o Serpro, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social, Dataprev também está entre as listadas para privatização por Bolsonaro. Já no governo Temer (MDB), a empresa teve alguns escritórios fechados no Brasil, que passaram a funcionar na mesma estrutura do Serpro, como é o caso do Ceará. Ela é responsável pelos dados de pagamentos de benefícios, de empréstimos consignados, pelo histórico de locais por onde os trabalhadores passaram entre outros dados. Sua privatização é contestada por especialistas em segurança da informação pelos mesmos argumentos relacionados aos dados do Serpro.
Edição: Monyse Ravena