A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs uma forte derrota à Lava Jato nesta quinta-feira (26), ao julgar um caso sobre a nulidade de condenações em que há réus delatados e delatores no mesmo processo. A decisão final, entretanto, não foi proferida e sua aplicação não foi definida. O tema deve ser novamente incluído na próxima sessão da Corte, prevista para quarta-feira (2).
A discussão se dá em torno das chamadas alegações finais. Em um processo penal, após os interrogatórios e outras formas de produção de provas, cada uma das partes -- acusação e defesa -- se manifesta uma última vez antes do juiz de primeira instância proferir sua decisão.
Pela lei, os advogados apresentam as chamadas alegações finais após o Ministério Público, responsável pela acusação. Quando há diversos réus no mesmo processo, o prazo para que suas defesas se manifestem nesta etapa é igual para todos os acusados. A discussão travada no STF diz respeito a processos em que, existindo vários réus, parte deles decide fechar acordos de delação premiada.
A dúvida, portanto, é se réus delatores devem ser tratados como os outros, se manifestando no mesmo momento que os não delatores ou se, ao contrário, por terem colaborado com a acusação devem se manifestar antes dos réus que não colaboraram
Não há uma regra explícita sobre o tema no Código de Processo Penal. Duas teses divergentes estiveram em análise. De um lado, o entendimento de que todos os réus – delatores ou não – deveriam ser considerados formalmente iguais e se manifestar no mesmo prazo. Do outro lado, a interpretação de que, ao delatar, o réu deve ser qualitativamente classificado como parte da acusação, que legalmente deve se manifestar antes da defesa.
O tema começou a ser avaliado pelo conjunto da Corte nesta quarta-feira (25), no julgamento de um habeas corpus com repercussão geral -- cuja interpretação pelos ministros pode guiar decisões para outros casos semelhantes.
Após o voto do ministro relator do caso Edson Fachin, que foi antecedido por manifestações da defesa e da Procuradoria-Geral da República, o julgamento foi suspenso para ter continuidade nesta quinta-feira (26).
Caso semelhante já havia sido avaliado pela Segunda Turma do Supremo. A sentença condenatória contra Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, foi anulada no fim de agosto pela maioria daquele colegiado por conta dos mesmos argumentos avaliados nesta quarta-feira (25).
Após o caso de Bendine, Edson Fachin levou o habeas corpus de Márcio Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras, para apreciação do plenário. A questão foi classificada como de repercussão geral, ou seja, a decisão do plenário deve ser observada daqui para frente não só pelo próprio Supremo como pelo conjunto do Judiciário.
Advogado de Ferreira, Marcos Vidigal de Freitas afirmou que durante o processo, na fase de interrogatórios, os réus que optaram pela delação foram entrevistados em primeiro lugar, o que deveria ter sido repetido no momento das alegações finais.
“A defesa acredita que há aqui uma grave violação à Constituição. Os réus não colaboradores devem falar após os réus que firmaram acordo com a acusação. O réu colaborador não é defesa, é acusação. Ele está ali por obrigação legal de incriminar”, disse na tribuna do Supremo.
Procurador-Geral da República interino, Alcides Martins se manifestou no sentido que a legislação processual penal não distingue delatores e não delatores em relação ao prazo para apresentar alegações finais.
“O CPP [Código de Processo Penal] não prevê qualquer diferenciação na ordem de apresentação das alegações finais por réus colaboradores ou não. Na norma referida [anteriormente], o instituto da delação premiada já estava instituído em diversas leis. O legislador ordinário não diferenciou”, posicionou-se.
Martins, entretanto, concordou com a possibilidade de nulidade na hipótese de os delatores apresentarem fatos novos nas alegações finais.
Votos
Relator do caso, Edson Fachin iniciou seu voto questionando se a definição de prazo igual para todos réus, não havendo regra expressa sobre o caso, poderia ser qualificada como atitude ilegal ou abuso de poder – requisitos para concessão de habeas corpus. Além disso, utilizou como argumento o fato de que as delações não são provas, o que, em tese, não alteraria o processo por si só no momento das alegações finais.
Fachin foi acompanhado por Luis Roberto Barroso e Luiz Fux. Alexandre de Moraes abriu divergência, seguida por Rosa Weber, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Os quatro entenderam que, apesar da classificação formal, delatores cumprem função acusatória.
Carmén Lúcia reconheceu a possibilidade de anulação, desde que verificado prejuízo concreto e que a defesa tenha apontado o vício no primeiro momento possível. Assim, apesar de reconhecer a possibilidade em geral, a ministra não reconheceu esses critérios no caso do habeas corpus em especifico.
Dias Toffoli não votou formalmente, mas indicou que seguirá pelo mesmo caminho de Lúcia. O presidente da Corte afirmou que votará na próxima sessão do STF, oportunidade em que Marco Aurélio Mello, que estava ausente, também poderá se manifestar.
Edição: Rodrigo Chagas