Em resposta aos ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o cacique Raoni Metuktire pediu, nesta quarta-feira (25), na Câmara dos Deputados, a saída do chefe do Executivo do cargo.
“Quero falar pra vocês que meu pensamento é tranquilo, é pela paz. O Bolsonaro falou que eu não sou uma liderança, mas ele é que não é uma liderança e tem que sair. Antes que algo de muito ruim aconteça, ele tem que sair, para o bem de todos”, defendeu.
No pronunciamento feito na ONU na terça (24), o presidente criticou ambientalistas, lideranças indígenas e questionou a representatividade do cacique para falar em nome dos povos tradicionais. “A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes, alguns desses líderes, como o Cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”, disse o presidente.
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A declaração tem como pano de fundo as disputas travadas entre o grande capital e comunidades tradicionais pelos territórios indígenas. Apesar de histórico, o confronto se acirrou nos últimos anos, com o fortalecimento do agronegócio predatório, endossado pela chegada de Michel Temer (MDB) ao poder, em 2016. O conflito chegou ao ápice após a eleição de Bolsonaro.
Conhecido pelos ataques frequentes a indígenas e quilombolas, o presidente conta, em seu governo, com o apoio oficial da bancada ruralista, tradicionalmente interessada nas terras em questão. Como consequência, a disputa tem provocado também um aumento dos ataques a indígenas, como é o caso de Raoni, conhecido internacionalmente pela luta em defesa da Amazônia.
“Minha fala é para o bem viver, é tranquila e não ofendo ninguém. [Quero] que todo mundo viva com saúde e tranquilidade. Minha luta é pela preservação do meio ambiente e hoje todo mundo está com olhos voltados para a destruição do meio ambiente. Meu trabalho é pra fortalecer o meio ambiente, para preservá-lo para todos”, reforçou o cacique nesta quarta, acrescentando que sua luta é pelos povos indígenas, pela sobrevivência de seus descendentes e dos territórios.
“É exatamente por isso que reconhecemos ele tanto como avô quanto como uma liderança do nosso povo e do Brasil”, acrescentou Maial Kayapó, neta do cacique, que traduziu o conteúdo da fala do líder para a imprensa.
Raoni chegou à Câmara acompanhado de diferentes apoiadores, entre indígenas e parceiros da sociedade civil organizada. Entoando o mantra “Raoni sim, Bolsonaro não”, eles foram recebidos por deputados das siglas PT, PCdoB, PSB, Psol e Rede.
“Esta é a mais clara demonstração de que o Congresso Nacional pensa exatamente o contrário do que disse o presidente da República perante o mundo inteiro. O cacique Raoni é um orgulho pra todos nós e não poderia ter recepção maior do que esta”, disse o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Nos bastidores de Brasília, a leitura é de que o ataque do presidente ao líder ajuda a projetar ainda mais a defesa da luta indígena e também a candidatura de Raoni ao Prêmio Nobel da Paz de 2020, para o qual foi recentemente indicado por ambientalistas e antropólogos por conta do trabalho em defesa da Amazônia.
“Bolsonaro promoveu meu tio. Ele vai continuar defendendo indígenas, defendendo a Amazônia, e eu estou junto com ele. Nós aqui estamos juntos com o cacique”, bradou Megaron Kaiapó, sobrinho do líder.
Na ONU, Bolsonaro também afirmou à comunidade internacional que o país não irá mais demarcar territórios tradicionais. "Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse", disse.
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) classificou a atitude do presidente como um “desserviço para o povo brasileiro”.
“É inadmissível. Colocaram a gente numa situação de vulnerabilidade porque é o chefe de Estado que está dizendo que não vai demarcar terras e está colocando em risco a vida dos povos indígenas. Tem que colocar um limite nesse descontrole do presidente”, defendeu.
Durante a coletiva, a liderança da minoria na Câmara anunciou que a oposição prepara para o próximo dia 17 um ato em defesa da Amazônia. Articulado em parceria com o Fórum Pela Amazônia, o protesto será em Marabá, no Pará, e tem o objetivo de potencializar, dentro e fora do Brasil, a campanha pela preservação da floresta. A manifestação tende a ser mais um capítulo da crise que cerca o governo Bolsonaro por conta de questões ambientais.
Edição: Rodrigo Chagas