Lucas Vinícius de Lima, do Programa Mais Médicos, foi recebido com festa nesta quarta-feira (18) por trabalhadores e usuários da Unidade Básica de Saúde (UBS) Dr. José de Barros Magaldi, no bairro Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo.
Ele é um dos 37 médicos que retornaram ao seu posto de trabalho, após decisão da Justiça Federal determinando a prorrogação por mais seis meses do convênio do Programa Mais Médicos, firmado entre a Prefeitura de São Paulo e o Ministério da Saúde.
“Gosto muito do programa, de trabalhar pelo programa, com toda a repercussão que ele tem. Gosto de estar na periferia e da maneira que os pacientes nos acolhem”, afirmou o médico da UBS Magaldi, que foi recebido por trabalhadores e usuários com um lanche coletivo.
O acolhimento oferecido pelos profissionais é o ponto alto destacado por usuários que foram atendidos por médicos do programa federal.
"O doutor Lucas é fundamental para nós na UBS. Ele tem um excelente relacionamento com as pessoas que atende, o vínculo dele com os pacientes é muito grande e a gente percebe claramente a adesão [dos pacientes] a tratamentos. O retorno de todos os pacientes acontece nas datas programadas. Ele chega cedo e não tem hora para ir embora. Já peguei situações dele lá [UBS] com agenda lotada [de atendimentos] e com duas emergências na sala de medicação e ele se dividindo entre os atendimentos e as emergências", relata Joyce Néia, usuária e conselheira gestora da UBS Dr. José de Barros Magaldi, ativista na luta pela manutenção do convênio do Mais Médicos desde o ano passado.
Qualidade do serviço oferecido
A decisão do juiz da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo, Paulo Cezar Duran, foi publicada na tarde de terça-feira (17) e se baseia no fato de o encerramento do convênio ter ocorrido antes do Estado oferecer solução ao atendimento público.
“O prazo de seis meses é suficiente para que as partes encontrem uma alternativa para o atendimento à população”, afirma o juiz em seu despacho.
O contrato dos profissionais do Edital 12 do acordo de cooperação expirou no domingo (15), sem que o Ministério da Saúde atendesse ao pedido dos médicos, dos parlamentares, do prefeito Bruno Covas (PSDB) e do secretário municipal de Saúde Edson Aparecido.
No convênio, implementado para suprir em parte a demanda por atendimento nas regiões onde faltam profissionais, a prefeitura repassa ao governo federal os recursos para o pagamento de salários, mas não pode contratar diretamente.
O magistrado acolheu parcialmente o pedido na ação civil pública ajuizada pela Central dos Movimentos Populares (CMP), pelo Movimento pelo Direito à Moradia (MDM) e pela Associação Cidadania e Saúde, que congrega os movimentos de saúde da capital. Os usuários haviam pedido a prorrogação de 36 meses dos contratos para 43 médicos, que faziam parte do Edital 12.
“Brasileiros que se formaram no exterior correspondem a 37 profissionais dessa segunda fase [do Edital 12]”, explica o advogado Patrick Mariano, um dos autores da ação ajuizada.
Há três anos sem a realização do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira) no país, todos os médicos do programa em São Paulo não possuem o número do CRM (Conselho Regional de Medicina). Isso impede a Prefeitura de contratar esses médicos diretamente. O edital do Ministério da Saúde, entretanto, permitia que eles atuassem sem a licença.
A falta de registro profissional é utilizada como argumento pelo governo de Bolsonaro para antecipar o fim do programa na capital paulista. Este argumento foi respondido com a qualidade do serviço oferecido.
“Destaco que tais profissionais já exercem suas funções no atendimento à saúde da população há tempo relevante sem qualquer notícia de problemas”, avalia o juiz que também argumenta que, se realmente fosse um empecilho intransponível, o convênio não teria sido gerado pela União.
A sentença expedida foi em caráter imediato. Embora as assessorias de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde e Ministério da Saúde não tenham respondido até o fechamento da matéria, alguns médicos informaram que já voltaram a trabalhar nesta quarta-feira (18).
Não-retrocesso
Luciene de Souza Santos é usuária da UBS Vila Santa Catarina, na região Sudeste da capital há dez anos. Ela lamenta não ter mais a presença da médica Eline Ethel, que teve seu contrato encerrado em junho, e com isso a descontinuidade do atendimento que tinha mensalmente com a médica.
“Gostei muito do atendimento dela. Ela não foi só uma médica, no que se refere a consulta e exames [tradicionais], mas eu estava passando por uma situação não muito boa [emocional] e ela conversou muito comigo, sendo que não era nem obrigação dela. E vou te falar: é difícil encontrar uma médica assim, porque geralmente a maioria dos médicos quando você entra na sala, eles mal olham na sua cara”.
O advogado Patrick Mariano avalia que o juiz demonstrou bastante sensibilidade com a questão da interrupção abrupta da assistência médica. Na ação, os representantes argumentaram em favor de o Estado garantir o princípio do não-retrocesso. “Isso significa que uma vez atingido um patamar mínimo de proteção social, você não pode simplesmente eliminá-lo”, acrescenta.
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que criou o Programa Mais Médicos quando ministro do governo Dilma, comemorou a sentença. Ele parabenizou a mobilização realizada no dia 12 de setembro feita por usuários e médicos em favor da manutenção do contrato.
“O ministério da Saúde vinha negando essa prorrogação, mas a Justiça deu parecer favorável, por pelo menos mais seis meses o contrato desses médicos e médicas. São médicos brasileiros que estão dando um show de atendimento na periferia de São Paulo”, disse Padilha.
MP 890
O ex-ministro também informou, por meio de sua assessoria, que foi pedido vistas ao relatório da Comissão Mista (Senado e Câmara) de autoria do senador relator Confúcio Moura (MDB-RO) sobre o Programa Médicos pelo Brasil (Medida Provisória 890/2019).
A previsão é de que o relatório sobre a MP do Médicos pelo Brasil seja votado pela Comissão Mista na próxima semana e em outubro o texto entre na pauta da Câmara dos Deputados.
O programa, anunciado em 1º de agosto pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) como substitutivo ao Mais Médicos, suprime o provimento nas periferias das grandes cidades, propõe a criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) e o desmonte da residência em Medicina de Família e Comunidade, conforme interpretam parlamentares de oposição e coletivos como a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, que protocolaram em agosto emendas ao projeto.
Edição: Katarine Flor