O presidente da Comissão de Cultura da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), André Mussalem, afirmou, nesta quarta-feira (18), na Câmara dos Deputados, que o Brasil vive um contexto de censura multifacetada.
“Se engana quem acha que a censura se manifesta através de um departamento de censura, com uma pessoa ligada ao Estado fazendo leitura prévia daquilo que efetivamente pode não ser divulgado. A censura se modifica. Ela se manifesta de muitas formas, como dotações orçamentárias e revogações de contrato. É preciso começar a alertar a sociedade sobre como ela vem acontecendo hoje”, defendeu, durante o seminário “Artigo 5º: censura nunca mais”, organizado conjuntamente por seis comissões legislativas da Casa.
O evento, que reuniu representantes da sociedade civil organizada, sela o fortalecimento da pauta do combate à censura no âmbito do Congresso Nacional -- e surge a partir da mobilização conjunta entre parlamentares de oposição e segmentos populares para tentar frear a agenda conservadora.
O ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) Ricardo Galvão destacou que o momento atual é marcado “por um negacionismo, principalmente quando se trata de questões de ciência”. Exonerado pelo governo no início de agosto, o pesquisador esteve no centro da crise ambiental que atinge a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que chegou a desacreditar os dados sobre desmatamento e queimadas apresentados pelo instituto no final de julho.
“Se atacam os dados, se atacam os mensageiros. No meio científico, dizer, ainda mais diante da imprensa internacional, que um cientista está mentindo, é uma acusação gravíssima. Isso é uma forma de censura”, atribuiu Galvão, que é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
Censura multifacetada
O tema do cerceamento às liberdades tem como pano de fundo diferentes episódios recentes ocorridos no país. Além do caso do Inpe, somam-se ao cenário, por exemplo: o Projeto de Lei Escola sem Partido; a censura do prefeito Marcelo Crivella a uma HQ no Rio de Janeiro por conta de uma gravura com beijo gay; as limitações impostas à produção da Agência Nacional do Cinema (Ancine); o veto do governo Bolsonaro a expressões como “igualdade de gênero” em documentos da ONU, entre outros.
O debate também permeia a esfera da comunicação. Como consequência da prática de censura, a categoria dos jornalistas é apontada como uma das mais prejudicadas pelo cenário de escalada conservadora. Trabalhador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e coordenador-geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, Gésio Passos destacou que a situação da estatal é emblemática no atual contexto.
O sindicalista lembrou ainda que a autonomia da empresa passou a ser duramente questionada no contexto do governo Temer e que o cenário tem se agravado na gestão Bolsonaro.
“Esse desmonte hoje é sentido diariamente pelos jornalistas, que são empregados públicos da EBC. Com a fusão da TV Brasil com a TV NBR, por exemplo, a maior parte do seu conteúdo é produzido para o governo. Isso não existia na história da EBC. Claramente, se criou uma televisão do Bolsonaro”, criticou Passos, acrescentando que a união das duas emissoras carece de respaldo legal.
Ele argumentou que a Constituição Federal prevê a complementariedade entre os sistemas público, estatal e privado de comunicação, que aponta para a necessidade de isenção das emissoras públicas no país, assim como ocorre em outros países do mundo democrático. No caso das emissoras em questão, a NBR tem origem estatal, enquanto a EBC foi criada para atender à demanda da comunicação pública.
Os ataques a jornalistas da mídia privada também têm destaque no contexto, como é o caso do que ocorre atualmente com a equipe do site The Intercept Brasil, que vem publicando a série de reportagens apelidada de “Vaza Jato”. Entre outras coisas, os profissionais do veículo têm denunciado que vêm sofrendo diferentes ameaças. O caso também foi lembrado no seminário desta quarta.
A deputada Áurea Carolina, 2ª vice-presidenta da Comissão de Cultura da Câmara, ressaltou que o país tem sido marcado também pelo uso de mecanismos institucionais que promovem diferentes tipos de censura. Durante o seminário, ela se queixou, por exemplo, da falta de transmissão do evento pela TV Câmara como um exemplo desse cenário: “Isso não é comum e estamos apurando o porquê dessa situação inusitada, atípica”. Depois, o evento entrou no ar.
Edição: Rodrigo Chagas