Representantes de comunidades quilombolas residentes em Alcântara (MA) estão intensificando as articulações na capital federal para tentar barrar o chamado “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas” entre Brasil e Estados Unidos. Na atual fase do conflito, as lideranças buscam evitar a aceleração do protocolo, que foi assinado em março deste ano pelos presidentes dos dois países, Jair Bolsonaro (PSL) e Donald Trump, e aprovado no último dia 21 pela Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Câmara dos Deputados.
A tramitação da proposta, chamada tecnicamente de Mensagem Nº 208/2019, vem sendo articulada especialmente pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do chefe do Executivo. O parlamentar e seus aliados tentam aprovar um requerimento de urgência para a apreciação do acordo, que ainda precisa passar por duas comissões legislativas, mas pode ir direto para votação no plenário, caso a articulação do governo tenha êxito.
Na contramão da ofensiva, as lideranças populares percorrem a Câmara durante esta semana na tentativa de ampliar o diálogo com parlamentares sobre o tema e angariar novos apoios. O trabalho, no entanto, tem sido árduo para as comunidades, que relatam grande dificuldade no trânsito com deputados.
"Os milhões estão falando mais alto do que a identidade e as raízes de um povo. Para nós, é uma decepção muito grande porque hoje eles estão aqui, mas eleitos por nós. E o que estamos tendo como resposta pelo nosso voto de confiança neles é [a constatação de] que em muitos a gente votou errado”, desabafa Lourença Vieira, da Associação dos Moradores do Quilombo de Mamona, entidade filiada à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
A trabalhadora sublinha, no entanto, que acredita na possibilidade de aumentar o leque de apoios, ainda restrito a parlamentares de algumas legendas, como PT e Psol.
“A gente está aqui reivindicando nossos direitos como quilombolas. É muito importante a gente ter esperança. Eu ainda tenho fé de que podemos virar esse jogo”, afirma. A base de Alcântara é considerada um dos melhores locais do mundo para lançamento de satélites.
As lideranças populares argumentam que o acordo fere a soberania nacional e pedem uma popularização do debate sobre a pauta, o que ficaria prejudicado em caso de aceleração da medida. Eles também apontam a ausência de um estudo de impacto ambiental sobre a iniciativa.
O assessor jurídico das comunidades, Danilo Serejo, integrante do Movimento dos Atingidos pela Base Especial de Alcântara (MABE), destaca que as duas primeiras fases do empreendimento, na década de 1980, afetaram diretamente 312 famílias de 23 povoados da região. Hoje, o avanço do projeto pode comprometer a moradia de 800 famílias.
Segundo ele, o grupo aglutina cerca de 2 mil pessoas que vivem no litoral de Alcântara, mas a extensão do impacto pode chegar a toda a população do município, que tem cerca de 21 mil habitantes. O assessor pontua que um eventual remanejamento das famílias tende a trazer prejuízos em diversas frentes.
“Um dos principais é o impacto econômico, porque essas famílias estão todas no litoral e o que movimenta a economia de Alcântara é a pescaria e a agricultura familiar. Na medida em que saem do litoral, elas vão sofrer uma queda significativa nas suas economias. Em função disso, vem também a questão da insegurança alimentar”, lembra.
Os representantes populares sublinham ainda que não houve consulta prévia às comunidades que devem ser atingidas pelo projeto, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sem canal de diálogo e em meio ao contexto de avanço conservador do país, os moradores da região vivem em clima permanente de apreensão.
É o que conta a diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara, Valdirene Mendonça. “É um sentimento difícil, ruim. As pessoas de 60, 70 anos, pra terem que recomeçar, é muito difícil. É você matar essa pessoa de uma vez só, tirando ela da sua terra de origem. É um impacto muito grande, doloroso”, relata.
Legislativo
A pauta do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas ressurgiu com força este ano em meio à aproximação entre Brasil e Estados Unidos, estimulada pela chegada de Bolsonaro ao poder. A medida se alinha a outras iniciativas do governo do PSL, como é o caso da possível indicação oficial de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador em Washington.
Anunciada por Jair Bolsonaro em julho, a intenção já recebeu aval de Trump e, assim como o protocolo de Alcântara, tem como pano de fundo político o avanço estadunidense sobre os territórios e recursos naturais brasileiros.
Edição: Daniel Giovanaz