Na última semana, o PSDB abriu as portas para o mais novo opositor de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional, o deputado federal Alexandre Frota, ex-PSL e um dos articuladores da eleição do ex-militar à presidência.
A filiação foi conduzida pelo governador paulista João Dória (PSDB), que também trabalhou para eleger Bolsonaro em 2018, mas agora se apresenta como seu potencial adversário em 2022.
A movimentação tem a ver com a rápida queda de popularidade do presidente. Em poucos meses, a avaliação positiva de seu governo foi de 49% para 32%, enquanto a negativa subiu de 11% para os mesmos 32%, segundo o Ibope. Em julho, levantamento Datafolha mostrou que 58% dos entrevistados não conseguem citar algo de bom que Bolsonaro tenha feito desde a posse.
O derretimento prematuro de Bolsonaro estimula Doria e outras figuras da direta, como o apresentador Luciano Huck, a se posicionarem já para 2022 como alternativas do campo da direita, porém com perfil mais “civilizado”.
“O Dória percebeu que ele pode aparecer em 2022 como o verdadeiro Bolsonaro, um Bolsonaro que sabe falar francês, não agride as pessoas, embora ela tenha um discurso preconceituoso e agressivo com Lula e o PT, falando que o Lula não trabalha, essas bobagens”, analisa o cientista político Jairo Nicolau, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em entrevista ao Brasil de Fato.
Segundo Nicolau, Dória tentará passar para a sociedade a ideia de que ela “comprou o Bolsonaro errado”, referindo-se ao fato de o ex-capitão ter se apresentado durante a campanha como um outsider, alguém de fora da política.
Mas o pesquisador prevê dificuldades na estratégia. “Depois da experiência do Bolsonaro, que não era um outsider, mas que se vendeu e foi comprado pelo eleitor como tal, é muito difícil o cenário para um outro outsider”, diz.
Para ele, a disputa central em 2022 será novamente entre direita e esquerda, com vantagem para candidatos com perfil mais tradicional, ao contrário do que ocorreu em 2018.
“Mais um com esse perfil [de outsider] não é possível”, conclui
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: No processo eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro conseguiu construir uma hegemonia no campo da direita para a sua eleição?
Jairo Nicolau: Até 2014, a linguagem da política brasileira era outra, falávamos de petismo e antipetismo, não falávamos da direita. Políticos que não eram petistas, que eram de outro campo, se identificavam como forças liberais e antipetistas. A presença de uma direita mais ou menos organizada na opinião pública é uma novidade, que se traduziu na vitória do Bolsonaro. O Bolsonaro não inventou a roda. Quando observamos o padrão de votação dele, tem muita semelhança com o padrão do PSDB no segundo turno. O que aconteceu é que o Bolsonaro aprofundou uma tendência de crescimento que o PSDB já vinha apresentando, seja nas grandes cidades, sobretudo nos seguimentos de renda média e alta. Ele radicaliza essa tendência que já existia em termos eleitorais e traz para a política uma linguagem diferente, em que as pessoas no campo antipetista passam a se identificar como “direita”. Esse é o fenômeno. Não é que a direita não existia, mas ela não se assumia como tal. Os bolsonaristas não gostam de ser chamados de “extrema-direita”. A gente não pode negar que ele é, em termos ideológicos, diferente do PSDB. Mas eleitoralmente ele não é, ele não partiu do zero, a vitória dele é um aprofundamento dos territórios tucanos. O Bolsonaro veio com um estilo que eu imaginava que amedrontaria e não conquistaria o eleitor tucano, mas conquistou.
A eleição de Bolsonaro desorganizou a política nacional?
A desorganização política começa durante a crise no período da Dilma Rousseff. Antes de 2014, isso não aparecia, mesmo com os movimentos de 2013, que demonstraram muita insatisfação com a política. O que aconteceu entre 2014 e 2018, além da crise política global, foi a Lava Jato. A Lava Jato é o principal fator da desorganização política. Ela desorganiza com as investigações o trio de partidos que eram os grandes operadores do sistema político brasileiro: PT, PSDB e o MDB. Com exceção do PT, ancorado com a força do Nordeste e o bom desempenho do Haddad [nas eleições presidenciais], os outros dois afinaram politicamente. A grande questão do Brasil é o declínio do centro. PSDB e MDB vêm perdendo espaço, paulatinamente, desde o governo de Fernando Henrique, tanto para partidos de esquerda como para pequenas legendas. A desorganização começa antes da eleição. A eleição só confirma a desorganização.
João Dória tem capitaneado uma tentativa de mudança do PSDB. Onde esse novo PSDB se encaixará no espectro político?
O PSDB precisava se renovar, era inevitável. Os principais líderes, fundadores, estão envelhecendo, se desgastando e saindo de cena. O partido precisava viver uma renovação, precisava no sentido de uma necessidade demográfica, porque as pessoas estavam saindo. O Geraldo Alckmin, derrotado; o Fernando Henrique, aposentado; o Serra, em final de carreira; e o Aécio, totalmente desmoralizado. Então, o partido não tem mais grandes nomes. A partir de São Paulo, o Dória está num processo aceleradíssimo de renovação do partido, ao formato dele, que se não existisse o [partido] Novo, eu diria que ele quer fazer um partido Novo, com um discurso mais liberal, com técnicas de comunicação mais eficiente e modernas. Ele quis dar um tratamento gerencial, deslocando o partido mais para a direita. Me parece muito difícil pará-lo. O PSDB tem um jovem promissor que é o governador do Rio Grande do Sul [Eduardo Leite], mas que não deve incomodar o Dória, pois participa pouco da política nacional. O Dória percebeu que ele pode aparecer em 2022 como o verdadeiro Bolsonaro, um Bolsonaro que sabe falar francês, não agride as pessoas, embora ela tenha um discurso preconceituoso e agressivo com Lula e o PT, falando que o Lula não trabalha, essas bobagens. A minha impressão é que ele quer passar uma imagem de “vocês compraram o Bolsonaro porque não tinha alguém como eu, agora estou chegando. Não tem risco democrático, eu sou um sujeito que respeita as regras, respeita a democracia, os direitos humanos, gosto de conviver com a universidade, com pessoas do mundo das artes. Vocês compraram o Bolsonaro errado”. Ele quer ocupar um espaço que não é o núcleo de extrema direita que o Bolsonaro ocupou antes da campanha. O Dória quer o antigo eleitor do PSDB, agora reformatado, em um país que mudou, que é menos pobre, mais escolarizado e com uma elite menos branca. O Brasil mudou e o Dória quer falar com eleitores com um discurso diferente. Ele vai tentar e acho difícil que o PSDB não se renda ao dorismo em 2022.
Bolsonaro vem perdendo apoio de políticos e movimentos, como o próprio MBL. Há um movimento na direita de tentar se descolar de Bolsonaro?
Sem dúvida. Vão deslocar placas do bolsonarismo. Esse é o custo do destemperamento, das agressões e das ineficiências das políticas públicas. Essas pessoas apostaram alto, elas radicalizaram retoricamente, radicalizaram com agressões nas redes sociais, elas ajudaram e foram partícipes de um movimento que tomou o país pela direita. Mas agora é isso, a sobrevivência de alguns desses grupos está ameaçada, porque o bolsonarismo começa a perder parte do apoio, não do bolsonarismo de raiz, esse é quase de torcida organizada, cego pela adesão ao Bolsonaro desde o primeiro momento. Eu não sei bem o que está movimentando o MBL, se é um balanço interno, mas são muitas pessoas pulando fora do bolsonarismo, do Gustavo Bebiano (ex-ministro) ao Paulo Marinho (deputado federal), que estiveram ali no núcleo eleitoral e na estrutura de campanha. Esse negócio do Alexandre Frota (deputado federal) parece uma brincadeira, mas o Frota foi simbólico, em um certo momento que o Bolsonaro era um cavaleiro solitário andando pelo Brasil, quando aparecia um artista aqui, outro acolá. Quando o Frota pula fora, são 150 mil votos, pelo menos, partindo, isso é simbólico. O Bolsonaro poderia ter formado uma potência no campo da direita, mas ele não conseguiu.
O que você espera das eleições de 2022? Luciano Huck, Jair Bolsonaro e João Dória vão disputar o voto da direita?
A esquerda tem sido sempre uma presença no segundo turno. Ela ainda tem, por inércia ou por organização, um pedaço expressivo da opinião pública brasileira. O que vemos depois da eleição, são sinais de crise no PT, mas os outros partidos se aproximaram e estão se aglutinando e estabelecendo uma agenda comum para combater o bolsonarismo. Porém, é cedo para descartar um cenário em que a esquerda tenha um único candidato, competitivo. O PT pode abrir mão de encabeçar uma chapa em nome de alguém que não sabemos ainda quem é. O governador do Maranhão, o Flávio Dino, é um bom nome. Agora, pelo que sei e ouço falar de pessoas que se encontram com ele, o Luciano Huck é candidato e já quer influenciar a eleição municipal no Rio de Janeiro. Ele vai ter uma guerra com o Dória, pois vai concorrer na mesma faixa. A possibilidade dele não ter um partido relevante vai dificultar a entrada dele no sistema. Ele precisa encontrar uma legenda para competir. Depois da experiência do Bolsonaro, que não era um outsider, mas que se vendeu e foi comprado pelo eleitor como tal, é muito difícil o cenário para um outro outsider. O eleitor deve pensar que agora é o momento para alguém que já tenha sido governador e que conhece o riscado, pois mais um com esse perfil não é possível.
Edição: João Paulo Soares