Sancionada em agosto de 2010 pelo ex-presidente Lula (PT), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) previa eliminar os lixões a céu aberto no país, aumentar os índices de reaproveitamento dos resíduos recicláveis e responsabilizar os grandes produtores de lixo. Nove anos depois, nenhuma das metas foi cumprida, e a situação do manejo do lixo no país segue precária.
Segundo relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40% das 71,6 milhões de toneladas de lixo geradas no país em 2017 foram destinadas a aterros controlados ou a um dos 3 mil lixões a céu aberto que ainda existem no Brasil -- apesar da previsão legal de extingui-los ainda em 2014.
Mesmo a capital que mais recicla seus resíduos, Florianópolis (SC), tem uma taxa de reaproveitamento de apenas 6%. Cidades como São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) têm taxas inferiores a 3%.
“Se nós olhamos pelas alternativas que existem disponíveis, hoje fica muito difícil entender porque não caminhamos para avançar no manejo de resíduos sólidos nos 5.570 municípios brasileiros”, analisa a especialista Elisabeth Grimberg, coordenadora de resíduos sólidos do Instituto Polis.
Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe, defende que o tema “nunca foi prioridade do governo federal nesses nove anos”. Para ele, um exemplo emblemático é o fato de que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, previsto para até 180 dias após a promulgação da PNRS, nunca saiu do papel, emperrando a efetivação das metas da Lei.
“O Plano Nacional de Resíduos Sólidos não foi decretado. Muitos dos acordos setoriais não saíram do papel, e as ações de incentivo que a lei prevê sequer tiveram suas negociações iniciadas”, argumenta.
O ambientalista e deputado federal Nilto Tatto (PT) defende a lei aprovada em 2010, em especial por conta do “grande debate na sociedade” que a precedeu. Ele relembra que “uma das ferramentas da Lei são os acordos setoriais, onde toda a cadeia de produção, distribuição, comercialização, e até o consumidor final, passando pelo poder público, teriam responsabilidades na destinação dos resíduos”.
Para Tatto, os esforços para implementação da Lei sofreram um revés após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016: “O Ministério do Meio Ambiente anuncia a destruição das políticas para o campo, dizendo que vai priorizar a pauta urbana, mas desde que Bolsonaro e [ministro Ricardo] Salles assumiram, a gente não viu nenhuma medida no sentido da implementação dessa política”.
Alternativas e viabilidade econômica
Os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato são unânimes ao apontar a responsabilização dos grandes geradores de lixo como uma das maneiras eficazes de solucionar a questão dos resíduos sólidos no país. O problema seria a indisposição do governo e a resistência das empresas em arcar com os custos de geração de seus resíduos.
“A Lei prevê a responsabilidade do setor privado, dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de custear a coleta seletiva dos recicláveis e do rejeito. E quem custearia a coleta seletiva dos orgânicos seriam as prefeituras”, diz Grimberg.
“Entretanto, no final de 2015, foi feito um acordo setorial entre o governo e o setor privado que desresponsabilizou as empresas da prestação deste serviço“, relembra ela. “Essas empresas, que no Brasil não assumem responsabilidade -- como Coca-Cola, Danone, Nestlé, Unilever, etc -- fazem isso na Europa”, lembra.
“Como qualquer outro serviço público, para se avançar na gestão de resíduos no Brasil, nós precisamos de um sistema de remuneração pelo usuário. Todos aqueles que fazem uso da limpeza urbana, todos aqueles que de alguma forma se valem desse serviço, tem que remunerar esse serviço na proporção que o adotam”, afirma o presidente da Abrelpe.
“Isso já acontece em vários países, e nós precisamos dar esse passo aqui no Brasil. Se não a gente vai ficar mais cinco ou dez anos falando da Política Nacional de Resíduos Sólidos que não saiu do papel”, acrescenta.
A Abrelpe calcula que, se a PNRS for tirada do papel e começar a ser implementada, R$ 15 bilhões por ano seriam movimentados na economia brasileira. Ao mesmo tempo, o Estado deixaria aplicar em torno de R$ 3 bilhões com tratamentos de saúde às pessoas afetadas pela má-gestão de resíduos.
Caminho mais fácil
Em abril deste ano, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou o lançamento do Programa Lixão Zero. O programa regulamenta a incineração de resíduos como forma de atenuar os problemas gerados pela destinação incorreta dos resíduos sólidos no país. O objetivo é zerar o número de lixões a céu aberto ainda existentes no território nacional.
“O problema é que essa tecnologia emite nanopartículas de oxinas e furanos, substâncias cancerígenas que entram pelo nosso sistema respiratório e têm uma série de impactos, inclusive nas mulheres gestantes” afirma Grimberg, que se diz preocupada com a adoção da medida.
O lançamento do programa gerou protestos de ambientalistas e catadores de lixo. “Além de nos onerar -- porque somos nós que pagamos o orçamento público municipal --, vai destruir materiais que poderiam voltar para a cadeia produtiva da compostagem e da reciclagem”, argumenta a especialista.
Edição: Daniel Giovanaz