Com o retorno dos trabalhos legislativos em Brasília nesta semana, o Congresso Nacional deve colocar em pauta, durante o semestre, um arsenal de medidas que tendem a protagonizar o jogo político e mobilizar com mais força deputados de oposição e entidades do campo popular.
Mais uma vez, a locomotiva deverá a ser a pauta econômica, que mantém sob os holofotes, neste primeiro momento, a reforma da Previdência. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6, que instaura a medida, tem previsão de ser votada em segundo turno no plenário da Câmara nesta semana e, caso seja aprovada, seguirá para uma avaliação no Senado, onde também precisa ser votada em dois turnos distintos.
Cereja do bolo da cartilha neoliberal do governo Bolsonaro, a pauta deverá dividir as atenções com a reforma tributária, uma das prioridades do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em um aceno a diferentes grupos de interesse, como é o caso do grande empresariado e do agronegócio, o mandatário deve acelerar a medida.
Pelo menos três propostas com esse teor podem constar nesse debate – uma tramita na Câmara, outra no Senado e uma terceira deverá ser apresentada pelo próprio governo. De modo geral, as duas que já estão em andamento propõem medidas de desburocratização e unificação de impostos. Elas não tocam, por exemplo, na redução de tributação para o consumo e no aumento progressivo da taxação sobre renda e patrimônio, como defendem especialistas e entidades da sociedade civil que pedem uma reforma tributária solidária.
Diante do contexto de avanço conservador e neoliberal, a tendência é que a reforma encampada por Maia ganhe espaço neste segundo semestre, mobilizando adeptos e opositores em torno desse tabuleiro de forças.
“Há uma perspectiva de turbinar essa pauta econômica. O Congresso é, majoritariamente, composto por um grupo liberal que tem essas características, então, eles vão tentar viabilizar essas pautas. Você vê que deputados novos que têm uma expressão na Casa, como Kim Kitaguiri (DEM-SP) e o líder do Novo, Marcel Van Hattem (RS), têm essa características, entre outros que estão mais ou menos nessa linha e que estão mais próximos ao ministro Guedes”, aponta André Santos, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Segundo tem dito o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), outras medidas deverão compor a pauta. É o caso da tentativa de garantir independência ao Banco Central, da alteração de normas trabalhistas e do Projeto de Lei (PL) 3261/2019, estes últimos bastante impopulares. Aprovado em junho pelo plenário do Senado após uma tramitação-relâmpago, o PL 3261 altera o marco legal do saneamento básico e viabiliza a privatização dos serviços do setor.
Também podem vir à tona medidas de privatização de empresas públicas, como é o caso dos Correios, da Petrobras e dos bancos públicos, outra pauta considerada indigesta pelo campo progressista e que deve enfrentar mobilização de sindicatos de trabalhadores pelos estados.
“A gente sabe que o governo não tem apego às estatais porque é um governo liberal, mas, com algumas empresas, ele tende a ter mais dificuldade [pra vender]. Vai depender de como essa articulação vai se dar dentro do Congresso. Mas há também um jogo de interesses dessas estatais através dos seus sindicatos, associações, o que é absolutamente natural e legítimo”, afirma o cientista político Leonel Cupertino, acrescentando que o restante do ano pode ser curto para que o governo consiga dar cabo ao projeto.
Esse fator tende a ajudar a oposição, que ganha tempo para tentar popularizar o debate e ampliar a rejeição à medida.
Agenda própria
Outra característica que deverá se sobressair neste semestre é, mais uma vez, a busca do Legislativo por uma agenda própria e autônoma diante dos movimentos do governo. André Santos explica que a tendência vem se delineando há algumas gestões, tendo começado mais expressamente no mandato do ex-presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Essa disposição se acentuou na gestão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e hoje é endossada também por Rodrigo Maia, que, entre farpas e afagos com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), vem tentando conduzir a pauta política de forma independente do governo -- marcado por dificuldades de articulação política e de formação de uma base de apoio.
“Se a gente observar bem, no primeiro semestre do governo Bolsonaro, as promessas de campanha e as pautas políticas, mais voltadas a uma área conservadora social, como ‘homeschooling’ [ensino doméstico] e armamento, entre outras desse nível, não prosperaram no Congresso justamente porque ele deu prioridade a uma pauta econômica”, resgata o analista, lembrando que propostas como o pacote anticrime, de iniciativa do ministro da Justiça, Sérgio Moro, não ganharam ritmo.
O pacote, que traz um conjunto de medidas de caráter punitivista, é alvo de uma campanha organizada por mais de 60 entidades da sociedade civil que condenam a proposta. Elas apontam, entre outras coisas, que a iniciativa privilegia a lógica do encarceramento.
Pacote Anticrime
A pauta de Moro deve figurar entre as atenções legislativas neste semestre, de acordo com líderes governistas, mas o desgaste gerado pelo escândalo apelidado de Vaza Jato pode ajudar a colocar empecilhos no caminho do ministro. É o que esperam as entidades da Frente Brasil Popular (FBP), segundo o militante Alexandre Conceição, do MST, que participa da coordenação nacional da FBP.
“Com as denúncias de falcatruas e corrupção de Moro, até esse projeto dele fica desmoralizado. Então, os movimentos vão exigir a renúncia do ministro”, afirma.
O dirigente defende ainda a necessidade de pautar o debate público com propostas alternativas às medidas do governo e de parlamentares da ala mais conservadora. Entre outras coisas, as entidades do campo progressista devem seguir na defesa da reforma tributária solidária – encampada, por exemplo, pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Anfip). De acordo com Alexandre Conceição, também pretendem continuar colocando em pauta o combate à violência no campo e a oposição às propostas de armamento do governo.
Mobilizações
Em sintonia com os movimentos do Congresso, o campo popular já se organiza, segundo a FBP, pra participar de protestos ao longo dos próximos dias. Na sexta-feira (9), tem início, em Brasília, a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, que segue até o dia 13, quando a capital recebe, mais uma vez, a tradicional Marcha das Margaridas. Durante dois dias, milhares de trabalhadoras deverão protestar em defesa dos direitos das mulheres do campo, da floresta e das águas.
Também está no radar a realização de um seminário na Câmara dos Deputados entre os dias 4 e 5 de setembro. Organizado por entidades da sociedade civil, o evento deverá debater a defesa da soberania popular.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira