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Guerras da banana: contra trabalhadores, a soberania e a biodiversidade dos países

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Trecho da publicidade "Banana Chiquita", criada para difundir a fruta tropical, novidade no mercado estadunidense
Trecho da publicidade "Banana Chiquita", criada para difundir a fruta tropical, novidade no mercado estadunidense - Foto: Reprodução
A United Fruit Company interferiu na política do continente latino-americano

Em 1944, quando a Segunda Guerra começava a ser ganha pela União Soviética e os aliados na Europa, uma pequena peça publicitária estadunidense em formato de desenho animado anunciava a venda de uma nova fruta no mercado estadunidense, as bananas. Num visual que lembra o de Carmem Miranda, turbante tropical na cabeça, uma banana chamada Chiquita cantava as vantagens da fruta.

Nos supermercados e nas cadeias de abastecimento, as bananas passaram a fazer parte do cotidiano na maioria das cidades estadunidenses. Na mesma época, uma profusão de sobremesas com bananas passaram a aparecer em livros, revistas para mulheres, anúncios de publicidade e programas de culinárias. As mais conhecidas eram o Banana Split, na qual uma banana aparece cortada ao meio e recheada por três bolas de sorvete e caldas doces, e a Banana Cream Pie, uma torta clássica francesa modificada, com massa crocante, recheio de baunilha, chantilly e, claro, bananas. A torta de banana fez tanto sucesso que se tornou o doce oficial das Forças Armadas dos EUA. Nos anos 1960, Banana Split se tornou o nome de uma série infantil da Hanna-Barbera, com personagens vestidos de bichos divertidos.

Por trás da disseminação do hábito de comer bananas, das tortas, dos sorvetes e receitas para papinha de bebê, se escondia a história da companhia que levou a banana para a América do Norte, a United Fruit Company (UFC).

O desenho criado pela United Fruit Company em 1944 teve como inspiração o filme do ano anterior estrelado por Carmem Miranda, The gang’s all here, em que Carmem aparecia cantando “The Lady in the Tutti Frutti Hat”. Apesar de ter as crianças como público alvo, a propaganda falava às mães, ensinando-as a deixar as bananas fora da geladeira e a comê-las maduras, quando têm pequenas manchas marrons na casca.

Sutilmente, a peça publicitária insinuava que pediatras recomendam a fruta para papinhas de bebês e que, por esse mesmo motivo, as bananas seriam também boas para os adultos. As bananas estavam se tornando um grande negócio nessa época.

Na verdade, estavam se tornando um negócio tão grande e importante economicamente que a United Fruit Company passou, ao longo da segunda metade do século XX, a controlar governos latino-americanos com mão de ferro, em nome dos negócios, contra o comunismo e pelo American Way of Life.

A história da United Fruit Company acompanha a história do capitalismo mundial desde meados do século XIX, crescendo até se tornar uma companhia gigante, que hoje detém 22% do mercado da fruta do mundo.

Essa história também é a da perda de sabor, variedade e espécie, a história de como uma fruta com muitas variedades e muitos sabores foi reduzida a uma forma hegemônica, com a monocultura da banana nanica dominando a quase totalidade do mercado internacional.

Da América Central para o mundo

A UFC foi criada por Lorenzo Dow Baker (1840-1908), um mercador dos EUA, capitão de navio que saía de Boston e ia até a Jamaica negociar produtos tropicais na década de 1870.

Esse tipo de comércio envolvia a venda de gelo, retirado dos lagos gelados perto da cidade, para os mercados tropicais, mas essa é outra história, para ser contada em outra coluna.

Lorenzo percebeu que os produtos que trazia no navio tinham grande aceitação no mercado local. Rapidamente se juntou a seu cunhado Elisha Hopkins e outros negociantes como Andrew W. Preston e, em 1885, fundou a Boston Fruit Company.

Em pouco mais de dez anos a companhia, extremamente bem-sucedida comercialmente, passou a ter muitos outros sócios capitalistas e, em 1899, tornou-se a United Fruit Company. A UFC passou a adquirir terras em países latino-americanos, criando grande plantations de banana e depois de abacaxi. Era conhecida como Mamá Yunay.

O tratamento dos trabalhadores envolvidos nas plantações de banana e sua comercialização em solo americano era cruel e violento.

A era dos massacres

Em 6 de dezembro de 1928, na Colômbia, na cidade de Aracataca, os camponeses fizeram uma greve pedindo melhores condições de trabalho e direitos sociais. Foram massacrados por militares colombianos, oficiais norte-americanos e agentes da companhia.

A empresa argumentava que os trabalhadores tinham tendências comunistas e subversivas e que precisavam ser contidos.

Os acionistas da United Fruit Company pressionaram o governo estadunidense a ajudar a pôr fim aos protestos. Os EUA ameaçaram invadir o país para pôr fim à greve. O governo conservador de Miguel Mendéz, alinhado aos interesses norte-americanos, achou desnecessária a ajuda militar “oferecida”, e enviou o próprio exército colombiano para massacrar os grevistas.

Mais de mil camponeses morreram no conflito, cujos corpos desapareceram, jogados no mar por oficiais do exército. O embaixador norte-americano Jefferson Caffery mandou um telegrama para Washington comemorando o massacre, que atualmente se encontra no National Archives de Washington: “eu tenho a honra de informar que o assessor jurídico da UFC aqui em Bogotá disse ontem que o total de grevistas mortos por autoridades militares colombianas estava entre 500 e 600”.

A partir desse conflito, torna-se explícita a estreita atuação ideológica da United Fruit Company junto do governo estadunidense. Atuariam juntos, governo e empresa, na repressão extrema e violenta a qualquer reivindicação trabalhista de camponeses ou trabalhadores da companhia.

Os limites entre intervenção estrangeira dos EUA e governos locais passariam a não existir mais – foi por isso que países latino-americanos passaram a ser conhecidos como “repúblicas de bananas”, porque as elites se mantinham no poder ou caíam de acordo com sua relação com a United Fruit.

O escritor colombiano Gabriel Garcia Márques (1927-2014) nasceu na cidade de Aracataca e tinha um ano quando aconteceu o massacre. Muitos anos depois, na década de 1960, Gabo, como era conhecido o escritor que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1982, ficcionalizou esse sangrento episódio no seu livro mais conhecido, Cem anos de solidão.

No livro, ele descreve uma cena na estação ferroviária da cidade. Mais de três mil trabalhadores esperam as autoridades no local. Chega o exército, que abre fogo contra multidão. Ninguém parece acreditar que os tiros são verdadeiros e não fogos de artifício. Olham petrificados, até que uma criança grita: “Aiiiii, minha mãe”. Só então os trabalhadores se dão conta do ataque começam a buscar abrigo.

A relação dos massacres e interferência política da United Fruit Company em países latino-americanos foi intensa ao longo do século XX.

Na Costa Rica, em 1941, um escritor local, Carlos Luiz Fallas, fez uma edição caseira de um livro intitulado Mamita Yunai, que contava, também de forma romanceada, a atuação da companhia na região.

O livro circulava de forma precária, em edições caseiras, passando quase que secretamente de mão em mão pelos camponeses que trabalhavam para a United. Numa das denúncias mais fortes da obra, Carlos contava que os trabalhadores que morriam de exaustão no trabalho, nos campos de bananas, eram enterrados na própria plantação, para servirem de fertilizantes para novos pés de banana.

O chileno Pablo Neruda também falou da atuação violenta da companhia e fez alusão a esse episódio no poema La United Fruit Co.:

"Entretanto, pelos abismos

açucarados dos portos,

caíam índios sepultados

na neblina da manhã:

um corpo que rola, uma coisa

sem nome, um número caído,

um cacho de fruta morta

jogada no lixo."

A era dos calotes

A United Fruit Company viu-se envolvida também numa série de escândalos financeiros.

Em meados dos anos 1970, o presidente da companhia pulou do edifício PamAm, em Nova Iorque, depois da ocorrência de uma série de furacões que destruíram as plantações do país.

Na mesma época, a empresa estava sendo acusada pelo governo estadunidense de subornar autoridades de Honduras para baixar os impostos de exportação de bananas. Em Honduras, a UFC era chamada de “O polvo”, dada as suas múltiplas ramificações pela sociedade local.

O escândalo foi tão grande que a negociação das ações da empresa tiveram de ser suspensas por uma semana na bolsa de valores estadunidense.

Entre as décadas de 1990 e 2000, uma série de medidas protetivas do mercado europeu fez com que a companhia perdesse muito do seu mercado, e a empresa quase faliu até ser comprada pela Cutrale-Safra, em 2014.

Os métodos de atuação da United, que mudou de nome para Chiquita Brans International nos anos 1990, porém, não mudaram muito. Em meados dos anos 2000, a companhia foi acusada de financiar milícias de direita na Colômbia.

Ataque à biodiversidade

O horror político e social da United Fruit Company contra os trabalhadores veio aliado a um desastre ecológico.

Existem cerca de 500 variedades de bananas no mundo, nem todas são comestíveis e poucas são comercializadas em larga escala para os países frios.

As bananas exportadas para a Europa e os Estados Unidos até os anos 1960/70 eram da variedade Gros Michel, que foi extinta por causa de um fungo letal chamado de Mal-do-Panamá, cujo nome científico é Fusarium oxysporum f. sp. cubense. Foi substituída pela variedade do subgrupo Cavendash, no qual se encontra a Nanica.

O mesmo está acontecendo outras bananas voltadas para a exportação nos dias de hoje, que sofrem com um novo fungo, o sigatoca-negra (Mycosphaerella fijiensis), e uma variedade ainda mais letal do Mal-do-Panamá.

Cientistas são unânimes em afirmar que foi a redução comercial da fruta a um subgrupo, o Cavendash, que limitou sua resistência.

A monocultura da banana Nanica, pouco resistente a novos fundos, parece ir na mesma direção da Gros Michel. A incidência de pragas também faz com que os fazendeiros tenham que borrifar pesticidas até 40 vezes ao ano – o que gera custos elevados e possíveis doenças aos consumidores.

A aposta numa única variedade da fruta, na monocultura da banana nanica, permite com que as pragas se alastrem pelo mundo praticamente sem resistência. Apenas a diversidade das lavouras permite evitar o desastre ecológico da extinção completa de um grupo de bananas.

Isso sem falar da perda de sabor, de textura e de cheiros que isso acarreta para a gastronomia e para nossa comida em geral.

Sobre a coluna:

Essa é a minha primeira coluna no Brasil de Fato. Estarei neste espaço sempre tratando de comida, gastronomia, receitas, ingredientes e trabalhadores envolvidos com a produção de alimentos.

Nossa ideia é mostrar que muito do que escolhemos no mercado e colocamos nos nossos pratos e receitas tem uma história, que pode, muitas vezes, envolver práticas econômicas desumanas, venenosas e violentas.

No dia a dia nas cidades, perdemos a capacidade de pensar sobre de onde vêm os alimentos que consumimos. Raras vezes pensamos no trabalhador envolvido na produção desses alimentos que nos mantêm vivos.

A história da alimentação, do que comemos, de como comemos, de quem produz e de como são produzidas as frutas, verduras, grãos e legumes que compramos: tudo isso diz respeito às nossas vidas. Diz respeito ao meio ambiente e ao mundo que queremos habitar.

Conhecer essas histórias nos faz pensar sobre o presente e sobre o futuro. Podemos optar por alimentos sem venenos e agrotóxicos, por alimentos plantados por trabalhadores respeitados e valorizados em seus direitos, num comércio justo para todos.

Edição: Rodrigo Chagas