O governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, anunciou sua renúncia na noite de quarta-feira (24) após quase duas semanas de protestos contra sua permanência no cargo. As manifestações começaram após a divulgação de conversas em que o político tecia comentários ofensivos contra mulheres, homossexuais e vítimas do furacão Maria.
A ilha é um "estado livre associado" do EUA, "um território não incorporado" - na prática, uma espécie de colônia. Seus habitantes não elegem presidente. A representação máxima da vontade popular é o cargo de governador, que está sujeito à autoridade norte-americana.
“Após escutar as críticas e falar com minha família, tomei a seguinte decisão com desprendimento: hoje lhes anuncio que renunciarei ao cargo de governador na sexta-feira, dia 2 de agosto, às 17h”, afirmou o governador demissionário em um vídeo de 14 minutos divulgado no Facebook.
A declaração foi recepcionada com alegria pela multidão que desde o começo da tarde de quarta estava concentrada na frente de La Fortaleza, sede do governo em San Juan. Os manifestantes já esperavam o pronunciamento oficial após sobre a renúncia.
Rosselló disse que estava disposto a enfrentar qualquer desafio, acreditando que sua posição prevaleceria sobre a dos manifestantes, mas decidiu atender à "demanda do povo”.
Vazamentos
As manifestações começaram depois que o Centro de Jornalismo Investigativo teve acesso a cerca de 900 páginas de conversas entre Rosselló e assessores no aplicativo de mensagens Telegram.
Nas conversas, o governador fez ataques homofóbicos ao cantor Ricky Martin, além de tratar membros da oposição e jornalistas em tom jocoso e sexista. Em um dos trechos, ele chama a ex-presidente do Conselho de Nova York, Mellissa Mark Viverito, de “vadia”.
A prefeita de San Juan, Yulin Cruz, também foi alvo de ofensas. Em uma das trocas de mensagens, o fiscal chefe de Porto Rico, Christian Sobrino Vega, representante de Rosselló no conselho federal, afirmou que estava “salivando de vontade de atirar” em Cruz. Em resposta, o governador disse que o fiscal faria “um grande favor”.
Não foram poupadas nem mesmo as vítimas do Furacão Maria, desastre que atingiu Porto Rico em cheio em 2017, deixando mais quase 3 mil mortos. Na conversa, Rossello questiona a verba destinada aos médicos forenses.
“Agora que estamos nesse assunto, não temos alguns cadáveres para alimentar os nossos corvos?”, disse. A fala foi interpretada como uma referência aos críticos do governo.
O cantor Ricky Martin, que assumiu publicamente sua homossexualidade em 2010, também foi alvo. “Ricky Martin é um machista tão chauvinista que ele dorme com homens porque mulheres não estão à altura. Puro machismo. [...] Nada diz opressão patriarcal como o Ricky Martin".
Rosselló pediu desculpas pelas declarações durante uma entrevista concedida ao canal norte-americano Fox News. “Eu usei palavras pelas quais me desculpei, mas eu também tomei medidas para ajudar os setores mais populares da nossa sociedade [...] peço desculpas por todas as coisas que eu disse”.
Para tentar amenizar o clima, o governador chegou a dizer que não se candidataria à reeleição. Ainda assim, as pressões não cessaram.
Manifestações
Após o vazamento, diversos manifestantes foram às ruas em uma jornada de protestos que durou 11 dias. O maior deles ocorreu nesta segunda-feira (22), quando os atos tomaram a principal avenida de San Juan.
As manifestações tiveram a presença de inúmeros artistas, como os cantores Ricky Martin, Benito Martínez (Bad Bunny), e dos ex-membros da Banda Calle 13, René Pérez (Residente) e Ileana Mercedes Cabra (Ile).
Ricky Martin rechaçou as declarações feitas por Rosselló. “O povo te pede, você brincou com os sentimentos, brincou com a saúde mental do povo”, disse.
Segundo a organização dos protestos, cerca de 500 mil pessoas participaram das manifestações de segunda-feira.
Corrupção
Os vazamentos implicando Rosselló foram apenas o estopim de uma insatisfação que já vinha ganhando força em Porto Rico nas últimas semanas.
Em 10 de julho, o Ministério Público do país pediu a prisão de seis funcionários acusados de desviar mais de US$ 15 milhões em fundos federais para a recuperação de Porto Rico após a passagem do Furacão Maria.
Poucos dias antes das conversas serem vazadas, o FBI ordenou a prisão de duas ex-funcionárias de Rosselló como parte de uma investigação relacionada a programas de saúde e educação.
A ex-diretora executiva da Administração de Seguros de Saúde de Porto Rico (ASES), Angela Ávila, e a ex-secretária de Educação, Julia Keleher, renunciaram antes de serem detidas.
Quem irá assumir temporariamente o cargo de Rosselló será a secretária de Justiça, Wanda Vázquez. Em um comunicado divulgado pelo jornal El Nuevo Día, Vázquez afirmou que assumirá “a missão histórica que nos impõe a Constituição do Estado Livre Associado de Porto Rico e as leis aplicáveis”.
Edição: João Paulo Soares