Após a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) confirmar, na última quinta-feira (5), os cortes no questionário do Censo 2020, trabalhadores da entidade e acadêmicos denunciaram o “apagão estatístico” que pode ser provocado pelo enxugamento do questionário, que cairá de 112 para 76 perguntas.
Em abril deste ano, Paulo Guedes, ministro da Economia, anunciou um corte de 25% no orçamento que o IBGE teria para aplicar no Censo 2020. Dessa forma, o valor caiu de R$ 3,1 bilhões para R$ 2,3 bilhões. Além da redução do formulário de perguntas, a entidade pretende reduzir o número de recenseadores nas ruas e aplicar do questionário online.
Luanda Botelho, coordenadora da Associação dos Servidores do IBGE (ASSIBGE), falou sobre a precariedade da entidade. “O IBGE vive uma crise. Nos últimos dez anos, perdemos 50% dos funcionários. Além disso, metade das agências funcionam, hoje, com um ou dois servidores”, afirmou Luanda durante o debate “Censo do IBGE e o Brasil no escuro”, organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé em São Paulo.
O encontro teve ainda as presenças do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da urbanista Raquel Rolnik e do jornalista Luiz Nassif.
Luanda lembrou que as motivações do governo vão além do orçamento. “Não passa um único mês sem que o presidente (Jair Bolsonaro) não questione os índices do IBGE, dizendo que foram feitos para enganar a população e discutindo, até mesmo, os métodos de pesquisa.”
Para Belluzzo, há contornos políticos na decisão sobre os cortes no Censo.
“A coleta de dados é fundamental para sabermos o que está acontecendo no país. Obviamente, eles querem reduzir a qualidade da informação. Nunca foi tão importante manter ativa a qualidade de coleta dos dados”, argumentou o economista.
Apresentando-se como “usuária” dos dados do IBGE, Raquel Rolnik lamentou a redução de perguntas no Censo 2020.
“Eu posso dizer que é uma tragédia perder algumas variáveis. Quando o IBGE incorporou esses dados de forma georreferenciada, mudou nossa forma de ler os dados, que não são mais em tabelas, mas sim nos mapas”. Ainda de acordo com a urbanista, são os índices apontados pelo instituto que “motivam as políticas públicas.”
“Quando dizemos que a Educação precisa melhorar em São Paulo, não é um discurso genérico, há regiões com peculiaridades que precisam de políticas específicas e elas só são possíveis pelos indicadores apontados pelo IBGE no Censo”, explicou Rolnik.
Faltando menos de um ano para a aplicação do Censo, apenas 20% dos endereços brasileiros foram atualizados pelo IBGE, segundo Luanda Botelho. “É possível que os recenseadores não visitem residências e o dado final não seja preciso.”
Déficit habitacional
Uma das perguntas retiradas do questionários é sobre o valor do aluguel. Segundo Rolnik, a questão é fundamental para a compreensão do déficit habitacional no país. A urbanista explicou que é importante conhecer o extrato da sociedade que dedica mais de 30% da renda familiar ao pagamento do aluguel. Esses, devem ser alcançados por alguma política pública. “Sem essa pergunta, não há como fazer planejamento habitacional.”
“Na última década, tivemos muitas casas feitas após a política do ‘Minha Casa Minha Vida’, mas quando você vai olhar, o déficit habitacional cresceu. Como? Para entendermos isso, precisamos entender o componente do deficit (que gerou essa alteração). Diminuiu o número de casas precárias, super diminui. Diminuiu o número de assentamentos precários. Porém, desadensou as casas, estavam muito cheias. Qual foi, então, o componente que piorou? O gasto do aluguel. Tivemos um ‘boom’ imobiliário e do preço da terra. Então, olha a gravidade de sumir com o valor do aluguel no Censo 2020. Vai sumir o componente do déficit, portanto não tem mais déficit. Então, é o melhor jeito de acabar com o problema da moradia, olha que prático”, ironiza Rolnik.
Também chama atenção dos pesquisadores que em 2020 os recenseadores não responderão a pesquisa sobre os endereços que visitam, quando analisam o entorno das residências. “Não há uma única pesquisa no país que dê conta de mostrar se há esgoto a céu aberto, iluminação, calçamento e outras características. Vamos ficar sem esses dados?”, pergunta Rolnik.
Entre outros dados que devem se perder com os cortes estão os de controle de emigrantes, que o IBGE pretende substituir pelos registros administrativos da Política Federal. Os recenseadores também deixarão de apurar a quantidade de horas trabalhadas dos brasileiros e se os trabalhadores possuem mais de um emprego. Outro item suprimido é o que pede que os declarantes apontem a posse de bens no imóvel, como geladeira, rádio, automóvel, rádio e computador.
Edição: João Paulo Soares