O jornalista Glenn Greenwald, fundador do The Intercept Brasil, responsável pela divulgação da série de reportagens “As mensagens secretas da Lava Jato”, participou na tarde desta terça-feira (25) de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), onde respondeu a questionamentos feitos pelos parlamentares.
Greenwald criticou a conduta do ex-juiz Sérgio Moro, do procurador da República Deltan Dallagnol e da força tarefa da operação Lava Jato, na qual, segundo ele, o limite entre Justiça e procuradoria foi ultrapassado.
“O material mostrou, e vai continuar mostrando, que Sérgio Moro quebrou o Código de Ética diversas vezes. Ele era o chefe da força tarefa da Lava Jato, o chefe dos procuradores, e fingia que era um juiz neutro. Isso é um processo totalmente corrupto”, afirmou Glenn.
Greenwald chamou a atenção para a prisão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): “Imagina se você é acusado por crimes graves, vai para a prisão e depois descobre que o juiz que te condenou estava, o tempo todo, planejando, colaborando e construindo as acusações, enquanto fingia ser imparcial”.
“Nosso papel como jornalistas é informar o público, reportar material de interesse público e fortalecer a luta contra a corrupção. Mas, é impossível lutar contra a corrupção usando comportamento corrupto. É impossível, em uma democracia, ter Sérgio Moro ocupando um cargo público tão importante como o de ministro da Justiça”, completou.
O jornalista argumentou que Moro e Dallagnol utilizam de uma tática cínica para passar a ideia de que o material não é autêntico e seria produto de um crime cibernético. Greenwald enfatizou o direito ao sigilo da fonte jornalística e criticou que os servidores públicos não tenham preservado as conversas em seus históricos de mensagens.
Ameaças
“O jornalismo mais importante nas últimas décadas foi baseado em informações e documentos muitas vezes roubados. A intenção é nos ameaçar, intimidar e criminalizar. Por causa disso, a única tática que eles têm é a de tentar enganar o público. Mas, eles não podem fazer nada para impedir que esse material continue sendo reportado. Ninguém tem medo dessas táticas”, argumenta o jornalista do The Intercept.
Aos parlamentares, Greenwald afirmou que o atual ministro da Justiça e Segurança Pública representa um ataque contra a liberdade de imprensa, garantida pela Constituição brasileira, além de provocar a destruição da imagem do país internacionalmente.
“Eu e minha família estamos recebendo muitas ameaças graves, inclusive de morte. Mas, eu acho que a ameaça mais grave é a que está vindo do próprio ministro, que nos chama de aliados de hackers. Ele está mentindo. A única coisa que nós fizemos foi receber os documentos”, informou.
Advogado especialista em direito constitucional pela Universidade de Nova York, Greenwald lamentou e rebateu a tentativa de desqualificar seu trabalho pela justificativa de ser estrangeiro. Radicado no Brasil há 15 anos, o jornalista chamou o país de lar, onde, segundo ele, pretende morar para sempre, com marido e filhos brasileiros.
“Isso não é só falso, mas injusto, porque temos uma equipe brasileira de jornalistas e editores que estão fazendo esse jornalismo. O material tem integridade total e não existe nenhuma evidência de que foi alterado. Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e a força tarefa da Lava Jato sabem que o material é autêntico”, asseverou.
“Eu nunca fui uma pessoa que estava nas ruas gritando Lula livre. Mas, como advogado e cidadão, eu sei que não se pode colocar alguém na prisão sem um processo justo”, completou o jornalista.
Convidado a participar da audiência, Moro viaja aos EUA
Greenwald destacou publicações da mídia comercial, como o editorial do jornal O Estado de S. Paulo e a capa da revista Veja, que se posicionaram contra a postura do ex-magistrado. “Se não temos provas, por que os apoiadores de Moro o estão abandonando?”, questionou. “Só a Rede Globo ainda está ignorando o conteúdo das revelações e protegendo Moro”.
Parlamentares criticaram a ausência de Sérgio Moro, que também foi convidado para a audiência pública. O ex-juiz viajou para os Estados Unidos, mas não divulgou detalhes de sua agenda pública no país, como um ministro de Estado deve fazer.
O procurador Deltan Dallagnol também foi ao país norte-americano ao mesmo tempo que Moro. O deputado federal Alencar Santana (PT-SP) informou que apresentará um requerimento à Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara e outro à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que os servidores públicos esclareçam a “viagem surpresa” aos Estados Unidos.
Moro também foi convidado a uma audiência pública conjunta entre a CDHM e a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP), prevista para esta quarta-feira (26). A presença do ministro, entretanto, não está confirmada.
Vencedor do Prêmio Pulitzer de jornalismo, Greenwald afirmou que todo o material recebido foi e continua sendo apurado cautelosamente, seguindo os mesmos métodos jornalísticos usados no caso de Edward Snowden. Por isso, apesar da pressão de parlamentares, Greenwald não comentou sobre os próximos capítulos da Vaza Jato.
“Quando eu comecei a ler esse material eu fiquei, sinceramente, chocado. Em primeira instância, chocado como advogado. Nos Estados Unidos, se um juiz fizesse uma única vez o que Sérgio Moro fez aqui durante cinco anos ele perderia o cargo e seria proibido de advogar”.
“Eu não sou um perito na lei brasileira, então a primeira coisa que eu fiz, como jornalista, foi conversar com juristas especialistas na lei brasileira e que não tinham perspectivas políticas fortes. Todos os que olharam para o material reagiram da mesma forma, não só chocados, mas indignados com um abuso de poder judicial tão severo”, completou o jornalista.
Áudios serão divulgados
Ao ser desafiado pela parlamentar Carla Zambelli (PSL-SP) a mostrar provas sobre a autenticidade das mensagens publicadas, Greenwald respondeu à deputada que divulgará áudios em momento oportuno. "Vamos soltar áudio quando o material estiver publicado e vai se arrepender muito de pedir".
No dia 3 de outubro de 2017, o procurador Deltan Dallagnol elogiou o fundador do The Intercept Brasil por meio de uma publicação no Facebook, onde o chamou de “renomado jornalista Glenn Greenwald”, após um evento em que ele defendeu a Lava Jato.
“Sérgio Moro fez coisas boas, colocou criminosos na prisão. Eu defendi a Lava Jato, sou a favor da luta contra a corrupção. Mas, o fato de ter feito coisas boas não significa que ele tem o direito de quebrar a lei, de ser corrupto. Os fins não justificam os meios que ele usou”.
Na audiência, aliados de Jair Bolsonaro (PSL) defenderam a postura de Moro, como a deputada Kátia Sastre (PSL-SP), que afirmou que o ex-juiz foi “perfeito” na condução da Lava Jato.
A sessão foi marcada por diversos momentos de tumulto em que parlamentares da base do governo interromperam Greenwald, acusando-o de crime e pedindo a prisão do jornalista.
Presidido por Helder Salomão (PT-ES), o debate foi proposto pelos deputados Camilo Capiberibe (PSB-AP), Carlos Veras (PT-PE), Márcio Jerry (PCdoB-MA) e Túlio Gadelha (PDT-PE) e se estendeu por quase sete horas.
Edição: Rodrigo Chagas