O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, apresentou esta semana uma proposta de emenda constitucional para dificultar os processos de desapropriação de terras improdutivas -- o que atende aos interesses dos estrangeiros que compram terras para investimentos. “A estrangeirização da terra é um fenômeno que já vem acontecendo há algum tempo, principalmente na fronteira agrícola Matopiba”, lembra Sérgio Sauer, autor do livro Terra e Modernidade, referindo-se aos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Sauer, junto a outros pesquisadores, representantes de movimentos agrários e ambientais, gestores públicos e ONGs participam do Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas, que acontece até este sábado (8), na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP).
Os detentores de fundos de pensão dos Estados Unidos, Alemanha, Suécia e Holanda, segundo ele, estão entre os que mais investem na compra de terras das comunidades tradicionais no sul do Piauí, por exemplo.
Outra medida do filho do presidente que atende aos interesses dos ruralistas é o Projeto de Lei 2362/19, em conjunto com o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que elimina todo o capítulo do Código Florestal que trata das reservas legais. A proposta é acabar com a obrigatoriedade de preservação de terras em propriedades rurais.
A não definição da titularidade de terras é mais uma preocupação trazida por Sauer, que é doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cerca de 20% do território nacional não têm titularidade definida -- descontando as áreas públicas e de preservação. Na Amazônia, o percentual sobe para 24%. Ao todo, o Brasil tem uma área de 850 milhões de hectares.
Na região amazônica, com um total de 509 milhões de hectares, a área fundiária registrada como propriedade privada chega a 178 milhões de hectares. No entanto, cerca de 100 milhões são suspeitos de grilagem, quando a regulamentação é feita com documentação fraudulenta, segundo o relatório "Dinâmica do mercado de terras na América Latina: o caso do Brasil", da(Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Publicada no governo Temer (MDB), a Medida Provisória 759 estimulou a privatização por meio da titulação das terras. Para Sérgio Sauer, Bolsonaro aprofunda essa tendência. “A expansão do Programa Terra Legal, de 1 mil para 2 mil hectares, é sintomática no contexto de privatização e de recolocação dessas áreas. Isso se aprofunda no governo Bolsonaro, no sentido de que se se implementar essa lei, que o governo anterior não conseguiu, associada a uma narrativa de que o Estado tem que fazer 'o negócio progredir'”, analisou.
Um estudo produzido pela Fian Brasil e pela ONG Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), aponta que a maior parte das terras agrícolas do Brasil é administrada atualmente pelo TCGA I e o TCGA II, duas subdivisões do TIAA (sigla traduzida no Brasil como “Associação de Seguros e Anuidades para Professores”), que é estadunidense.
Em 2016, o TCGA I somava mais de 132 mil hectares no país e o TCGA II, 64,7 mil hectares. A maior parte das terras é utilizada para o cultivo de cana-de-açúcar.
A eleição de Jair Bolsonaro (PSL), em 2018, intensificou o processo de disputa de territórios no Brasil. Em meio às tentativas de ampliação do modelo de agronegócio e de acumulação de capital pelo mercado financeiro internacional, o governo iniciado em 1º de janeiro de 2019 tem estimulado a internacionalização das propriedades.
Isso é o que afirma Elias D'Angelo Borges, secretário de política agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). “Já havia antes uma grande disputa internacional para a compra de terras no Brasil. O que significa isso? Não é só ter a terra [nas mãos de estrangeiros]. É comprar o subsolo onde tem minerais, é comprar a água, comprar os recursos naturais que tem no Brasil. Isso é perigoso tanto para a soberania nacional, quanto para resolver a questão daqueles que necessitam de um pedaço de terra e não têm”, disse.
A aproximação política entre o governo de extrema direita e os interesses do agronegócio foi mais um dos temas centrais discutidos no Seminário Terra e Território, que lança uma plataforma de luta em conjunto para temas agrários e ambientais, além de uma carta com traços de um projeto nessas áreas para a sociedade brasileira.
"Existe um projeto de desregulamentação de várias agendas do meio rural brasileiro. Seja a agenda do licenciamento ambiental, seja a agenda dos agrotóxicos, uma séria de pautas que o agronegócio coloca e que está sendo implantada pelo governo Bolsonaro, muito na perspectiva de que há uma conta do governo para pagar com esse setor. Em atos concretos e em atos de fala, essas agendas têm aparecido no governo Bolsonaro", disse Acácio Zuniga Leite, diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).
Edição: Vivian Fernandes