Com pastas de plástico transparente ou envelopes de cor parda, pessoas param diante de postes para ler os anúncios: "Contrata-se para trabalho temporário". Em seguida peregrinam ao longo das ruas próximas e distribuem currículos para senhores de idade que ficam sentados, recebendo os documentos para encaminhá-los a diferentes agências.
Mesmo com sites e redes sociais com ofertas de trabalho, a rua ainda é o lugar escolhido por muitos na hora de procurar emprego. A partir das 8 horas, a rua Barão de Itapetininga, próximo ao Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, é tomada por essas pessoas que transitam entre bancas de jornais, "homens placas" e vendedores ambulantes em busca de uma oportunidade de emprego.
Moradora de Guaianazes, bairro do extremo leste da capital, Daiane Silva Amorim, de 21 anos, chegou cedo com a amiga para procurar trabalho. Ela, que já trabalhou um ano e meio como empregada doméstica, conta que vai uma vez por semana ao centro da cidade -- República, 25 de março e Brás -- com esse objetivo. “Hoje qualquer vaga serve, telemarketing, caixa de mercado, lanchonete, na área da limpeza...É difícil encontrar aqui no centro, mas é pior no bairro”.
Daiane e as milhares de pessoas que procuram emprego diariamente no centro da capital paulista fazem parte dos mais 13,4 milhões de desempregados no Brasil. Em março deste ano, o número de pessoas sem trabalho subiu para 12,7% da população economicamente ativa, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada na manhã desta terça-feira (30).
De acordo com os dados, a alta do desemprego no 1º trimestre representa a entrada de 1,2 milhão de pessoas na população desocupada na comparação com o trimestre encerrado em dezembro.
A luta diária
"Ô moça, pode deixar um currículo comigo". É assim o plaqueiro Nelson Silva, de 64 anos, tenta chamar a atenção de quem passa. Ele presta serviços esporádicos para agências de emprego da região há 12 anos. Recebe currículos de segunda à sexta-feira, das 8h às 12h.
“A busca varia de acordo com o clima. Quando está muito frio, o pessoal não vem muito entregar, dias ensoladorados e segunda, terça e quarta são melhores para buscar emprego. Recebo de 250 a 800 currículos por dia", conta.
No dia em que o Brasil de Fato foi às ruas para fazer esta reportagem, eram mais de dez plaqueiros somente na Barão de Itapetininga recebendo currículos em caixas de papelão ou apoiados em caixotes de madeira. E o horário de trabalho não é por acaso. A manhã é o período em que mais chegam currículos, porque, quando se aproxima o horário de almoço, as pessoas retornam às suas casas. A maioria não tem condições de comer por ali.
A lista completa de agências de São Paulo custa R$ 3, com escritórios em diferentes regiões, mas o centro é o mais procurado. A cópia do currículo é mais barata do que nos bairros, por exemplo, 22 cópias por R$2. Mas quem não tem dinheiro pode se aconselhar com os plaqueiros. “Vai no 40, no 72, na 46. Nas ruas 24 de maio, Marconi, Conselheiro Crispiniano [tem umas que] são boas. São inúmeras agências de emprego nessa região", explicou Nelson.
"Não estou escolhendo vaga, o que está aparecendo eu estou me candidatando. Seja para auxiliar de limpeza, recepcionista, atendente, escritório. Eu só não me candidato quando exige muita experiência, porque realmente não tenho. O que aparece eu arrisco. Eu penso que uma hora dá certo", diz Fabiana Ribeiro dos Santos, de 26 anos, mãe de Pedro Gabriel de 7 anos, moradora do Jaraguá, no norte da capital paulista.
Fabiana está em busca de uma ocupação há três anos. Seu último emprego foi de operadora de telemarketing. "Eu nunca quis emprego como operadora de telemarketing, porque achava estressante, mas como tinha acabado de ganhar meu filho, eu não tive opção. Quando eu entrei a empresa tinha proposta de crescimento, conforme o tempo foi passando percebi que não era bem isso, a gente não saia do lugar."
Ela conta que foi mandada embora por justa causa, porque chegou 20 minutos atrasada em um sábado. “Fiquei sem nada e só recebi o salário do mês, de R$780. Voltei na empresa para pedir carta de referência e eles me informaram que eu não tinha direito por conta da justa causa. E o que dificulta [ainda mais] é a falta de experiência”.
Fabiana também teve que deixar a faculdade de Recursos Humanos e, agora, mora com o pai, pois não tem como se sustentar sozinha. Enquanto não encontra emprego fixo, ela se vira como babá, cuidando de filhos de parentes ou amigos, e faz trabalho de manicure. Além disso, leva um currículo na bolsa, para todo lugar onde vai.
“Entrei nos grupos de emprego em redes sociais e WhatsApp, pois eles colocam muitas oportunidades lá. Estou mandando muito currículo também, quando vejo alguma coisa na rua eu já entrego”.
Apesar das dificuldades, ela continua esperançosa e diz que todos os dias olha o e-mail e mantém o telefone sempre do lado, caso alguém ligue. “A esperança está sempre comigo e ela não morre. A preocupação é o bem-estar e alimentação do meu filho. Mas eu sei que uma hora vai acontecer”.
Entre a esperança e o desalento
Manter a esperança, no entanto, não é tarefa fácil e os desempregados costumam passar por várias fases durante a busca por trabalho. De acordo com o IBGE, o numero de pessoas desalentadas – que desistiram de procurar emprego – subiu também nas duas comparações, somando 4,8 milhões. O percentual de desalentados manteve o recorde da série (4,4%).
Já o número de pessoas consideradas subutilizadas bateu recorde e chegou a 28,3 milhões, com acréscimo de 1,5 milhão de pessoas no trimestre e de 819 mil em 12 meses -- maior valor desde 2012. Os trabalhadores subutilizados são aqueles com jornada menor que 40 horas semanais e que gostariam de trabalhar mais.
Jéssica Luane da Silva, de 28 anos, mora no Itaim Paulista, também no leste da capital paulista. O último emprego foi como recepcionista há 3 anos e recebia R$ 1180.
Ela conta que tem vontade estudar, mas que, como tem dois filhos, a situação fica mais complicada. “Tenho poucas esperanças. A gente procura, mas, quando pensa que vai dar certo, não dá. Normalmente eles pedem 3 anos de experiência comprovada em carteira, que tenha indicação do trabalho anterior e eu não tenho. Ainda assim quando a vaga me interessa, eu arrisco e coloco observação que não tenho experiência, mas aprendo fácil e tenho vontade de trabalhar.”
Hoje ela diz que a vida de desempregada é super limitada a pagar contas apenas, o que hoje é feito só com a renda do marido. “Estudar, lazer ou qualquer outra coisa fica em segundo plano. Eu acredito que meios para o governo impulsar o emprego ele tem, mas falta vontade para ajudar a gente que está desempregado”, diz Jessica.
Falta de políticas e investimentos
Para o economista do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, até o momento não foi anunciada nenhuma estratégia econômica pelo governo Bolsonaro para combater o desemprego.
"Pelo contrário, o que o governo vem anunciando é a venda de ativos, redução de gastos sociais e um conjunto de medidas que restringem os investimentos públicos e cortam aquilo que forma a demanda da economia, corta renda do trabalho, investimentos. De outro lado, não temos nenhuma política pública específica associada à geração de emprego."
Para Lúcio, os indicadores apontam a falta de dinamismo na economia. "A taxa de crescimento é menor que o esperado que era de 3%. Um ano que o país tende a ficar andando de lado, sem dinamismo, um efeito bastante devastador sobre o emprego. Teremos mais um ano de muita dificuldade para sustentar o crescimento e gerar emprego no Brasil", esclarece.
Ele fala que nos últimos anos o que mudou foi a grande debilidade da economia de gerar empregos. "O que estamos observando é que as pessoas não são empregadas porque não têm postos de trabalho. O problema do desemprego no Brasil não está associado a qualificação da força de trabalho, ela está diretamente ligada a uma economia que não tem vigor, nem dinâmica para ampliar a capacidade produtiva. As empresas não produzem e, se não produzem, não tem consumo."
E acrescenta que há uma fragilidade nos postos de trabalhos abertos hoje. “Como a geração de empregos é baixa e o desemprego é alto, há uma quantidade de pessoas disputando cada vaga e um desespero para parte da população que já está desempregada por um longo período. Isso acaba pressionando para que as pessoas aceitem postos de trabalho que estão muito aquém da qualificação que elas têm e muitas vezes com remuneração e condições de trabalho precárias”.
Lúcio fala que o país já enfrentou períodos em que conseguiu voltar a crescer e gerar empregos, através de investimento público.
"Entre 2004 e 2014, foi o período em que o Brasil teve uma estratégia de desenvolvimento econômico pela expansão da renda, do emprego e do aumento do investimento público -- dimensões essenciais para sustentar um crescimento econômico fortemente orientado para geração de emprego. E isso teve bons efeitos no mercado de trabalho, pois tivemos as menores taxas de emprego e ocupação, aumento dos salários e aumento da formalização. Essa foi a experiência virtuosa que combateu de forma acelerada o desemprego".
Edição: Aline Carrijo