Neste artigo, apresento um breve informe sobre a situação atual no Haiti, que continua muito explosiva com o governo de Jovenel Moïse, impossibilitado de governar, e uma total separação entre as instituições do Estado e a população.
O presidente haitiano continua aplicando políticas neoliberais agressivas. Recentemente, em fevereiro de 2019, o governo confirmou um acordo assinado com o FMI para a obtenção de um crédito de 229 milhões de dólares para o período de três anos. Entre as decisões recentes, está também a privatização dos setores de energia e combustíveis após deixar a Petrocaribe.
Esta privatização, evidentemente, é um retrocesso grave que terá gravíssimas consequências. O acordo com o FMI foi assinado imediatamente após voto do Haiti contra a Revolução Bolivariana na OEA. O voto contra Nicolás Maduro na OEA e o reconhecimento do “governo” fantoche e ilegal de Juan Guaidó também estão entre os motivos que levaram a uma indignação geral por parte da população. Do mesmo modo, o orçamento do governo, com medidas de ajuste fiscal, são consideradas antipopulares.
Coordenado pelo Departamento de Estado, o Haiti vendeu ao Qatar a dívida de 4,2 mil milhões que tem com o governo venezuelano. Suspeita-se que o governo do Qatar, estaria desembolsando, através desta operação, uma quantia relevante de dinheiro à Juan Guaidó, assim como teria recebido promessas não muito claras do governo do Haiti para o controle de alguns recursos estratégicos. Também os Estados Unidos estão utilizando o governo de Jovenel Moïse como cavalo de Tróia para fragilizar a Caricom (Comunidade e Mercado Comum do Caribe, que reúne 15 países e 5 territórios associados) e intensificar o processo de recolonização das ilhas dos Caribe, com o objetivo estratégico de destruir a Revolução Cubana e tomar o controle dos imensos recursos estratégicos da região.
Há algumas semanas, a situação do país se intensificou com a atuação de bandos violentos nos bairros populares e um foco de revolta comandado pelo chefe de um desses bandos – Arnel Joseph, conhecido por controlar uma quadrilha –, no último dia 19, com um ataque armado ao quartel Petite Rivière de l’Artibonite [no estado de Artibonite]. A atividade desses grupos armados está associada a episódios de massacres nos principais bairros populares da capital, entre eles, La Saline e Cité Soleil.
O presidente acaba de designar um novo primeiro ministro, Jean Michel Lapin, alinhado a seu partido, o Partido Haitiano Tet Kale (PHTK), e tenta agora, com o apoio decidido do imperialismo ianque, convencer aos setores social-democratas a participar de seu governo.
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Já no campo popular, estamos construindo uma nova coalizão de forças de esquerda que agrupam seis organizações políticas (GRML, AKAO, KONTRAPEPLA, RASIN Kan Pèp La, Ayiti Djanm e BOURAD). Desde fevereiro, foram realizados treze encontros com um processo positivo de aproximação – ainda frágil – mas que inspira muita esperança de avançar na construção de uma frente unitária de esquerda, que é o único caminho para mudar a correlação de forças no nosso terreno político. No último período, também publicamos duas declarações sobre a crise que foram bem recebidos pela população.
No nível tático, estamos iniciando algumas conversas com outros setores políticos para frear o processo de negociação no contexto da formação de um novo governo. Queremos manter a reivindicação inicial dos setores populares, que exigem a renúncia do presidente e a dissolução do Parlamento. É fundamental alcançar esses objetivos e avançar rumo à formação de um governo de transição. Pensamos que as forças políticas de centro-direita e social-democratas do país (OPL, Fusion, MOKRENA, Ayisyen pou Ayiti, Verite, Veye yo, Tèt ansanm, MOPOD, Fanmi Lavalas e Pitit Desalin) estarão de acordo.
Neste momento, consideramos que alguns pontos são fundamentais para as forças populares e a recuperação da democracia no Haiti.
O primeiro deles é o fim do monopólio de todas as estruturas do poder estatal pelo clã da extrema direita em torno do partido PHTK e seus aliados, comandados pelos Estados Unidos.
O segundo, impedir que as próximas eleições abram espaço para a restauração de um “neoduvalierismo” [como é chamada a continuidade do governo de Jean Claude Duvivier através de seu filho, Nicolás Duvalier], que iniciou uma agressiva campanha eleitoral, com o mesmo apoio e estratégias que escolheram outros candidatos de extrema direita em país como o Brasil e Espanha, entre outros.
Em terceiro lugar, impedir que o atual parlamento, que é controlado pelo imperialismo e o clã PHTK, adote reformas no texto da Constituição, o que significaria a destruição de todas as conquistas democráticas dos últimos trinta anos.
Em quarto, devemos mudar radicalmente o sistema eleitoral, que está sob controle do imperialismo através do PHTK, de algumas famílias da oligarquia e dos traficantes de drogas. Esses setores estão se preparando para encerrar o jogo eleitoral com benefícios exclusivos e manter um controle total da vida política do país durante os próximos 40 anos.
Por último, é preciso frear o processo de saque das terras ocupadas historicamente pelos camponeses, que busca transferir estes territórios a empresas transnacionais e grandes empresas haitianas. Essas transferências para as grandes empresas se dão em diversos setores, zonas francas de exportação de produtos têxteis para o mercado estadunidense, indústria de exploração de recursos minerais, turismo comercial, agroindústria para a exportação.
Acreditamos que, na atual conjuntura, é possível construir uma ampla aliança pontual para conter os planos dos grupos dominantes no Haiti.
*Camille Chalmers é economista, professor e secretário da Plataforma Haitiana pela Defesa de um Desenvolvimento Alternativo (Phada) e integrante do Jubileu das Nações Unidas para o país.
Edição: Rodrigo Chagas | Versão para o português: Luiza Mançano