O primeiro-ministro haitiano Jacques Guy Lafontant renunciou ao cargo no último sábado (14), depois de quase dez dias de protestos promovidos por sindicatos e movimentos sociais contra o aumento nos preços dos combustíveis. Os reajustes, anunciados no dia 6 de julho, afetariam o valor da gasolina, do diesel e do querosene no país em 38%, 47% e 51%, respectivamente. A medida fazia parte de um acordo firmado pelo governo do Haiti com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em troca de ajuda e subsídios.
O aumento dos preços chegou a ser revogado no dia seguinte, mas os protestos que se iniciaram contra a medida continuaram. Sindicatos de trabalhadores dos transportes e do setor público e movimentos sociais urbanos e rurais realizaram uma grande greve nos dias 9 e 10 de julho.
A renúncia de Lafontant é resultado direto do poder da população e da força organizada de sindicatos e organizações políticas e sociais, na avaliação de militantes haitianos. No entanto, Guerchang Bastia, do Pati Sosyalis Rasin Kan Pep La (Encontro dos Socialistas para uma Iniciativa Nacional Nova) no país, também aponta que a decisão foi um movimento estratégico da classe dominante para desmobilizar a luta popular.
“É quase uma mentira para o povo, tentar dizer que, com a renúncia do primeiro-ministro, a situação vai mudar e, portanto, você não precisa mais lutar. É um método muito importante que a classe dominante adota para frustrar a estratégia popular. Isso dificulta a mobilização. Eles falam que nós precisamos esperar alguns meses, ou até um ano, que precisamos dar uma chance para o novo primeiro-ministro. E é sempre a mesma estratégia. Eles mudam o ministro, mas não o projeto”, afirmou Bastia.
“Isso já aconteceu várias vezes no Haiti durante lutas do povo contra situações ruins no país”, explica o militante. “Trocam um ministro ou primeiro-ministro, mas continuam com o mesmo sistema. Não vai mudar nada de verdade. O projeto neoliberal do Estado se mantém e eles continuam seguindo as ordens do FMI, sem tentar fazer mudanças que promovam uma vida melhor para a população”, critica.
Apesar de apontar essa disputa de forças, Bastia ressalta a importância da participação popular nesse processo. “É importante entender isso, mas, ainda assim, [a renúncia de Ladontant] é resultado da luta popular. Ela pode trazer inspiração para o povo. Mostra que é possível conquistar vitórias com a nossa luta, que podemos impor nosso poder sobre o primeiro-ministro e fazê-lo renunciar. É muito importante para a esquerda e as tendências políticas que lutam contra o poder de Lafontant e do presidente Moïse. Significa que, quando lutamos, conseguimos mobilizar e brigar por alguma coisa, e isso nos dá inspiração”, destacou.
Mesmo com fortes protestos e pressão pela renúncia vinda da população nas ruas e dentro do próprio Congresso, o presidente Jovenel Moïse se recusa a deixar o poder.
FMI e ONU
O FMI é apenas uma das instituições que serviram para impor as políticas do capital internacional no Haiti. Depois do golpe de Estado de 2004, que derrubou o progressista Jean-Bertrand Aristide, primeiro presidente eleito democraticamente na nação insular, abriu-se caminho para a imposição de uma agenda econômica neoliberal.
Com a instabilidade no país depois do golpe, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu uma missão para a estabilização do Haiti, a Minustah, comandada pelo exército brasileiro e composta por soldados e civis de diversos países. A Minustah, que ocupou o Haiti militarmente entre 2004 e 2017, violou uma série de direitos humanos, além de infringir a lei humanitária internacional. Foram estupros em massa, uma epidemia de cólera que deixou centenas de milhares mortos, execuções extrajudiciais, entre outros crimes.
Edição: The Dawn News | Tradução: Aline Scátola