Pressionado mais uma vez pela bancada ruralista, que cobra retorno do apoio durante a campanha presidencial, o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) vai enviar ao Congresso Nacional uma proposta para anistiar as dívidas previdenciárias das empresas do agronegócio com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
A Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Receita Federal já alertaram para o risco de crime de responsabilidade com a decisão. O governo tem resistência até mesmo dentro de sua equipe econômica.
Ainda assim, Bolsonaro vai recuperar o conteúdo do projeto 9.252/2017, do deputado ruralista Jerônimo Goergen (PP-RS), que tramitou durante o governo de Michel Temer (MDB). O texto propõe o perdão das dívidas do Funrural, que é a contribuição previdenciária do setor empresarial. O valor estimado em sonegação desse imposto pode chegar a R$ 17 bilhões.
Também em 2017, o governo Temer renegociou e parcelou esses débitos, com descontos significativos. Mas, mesmo assim, a bancada ruralista tem insistindo no perdão dessa dívida. E os parlamentares usam o tema como moeda de troca para o governo federal obter votos no Congresso em temas importantes, como a reforma da Previdência.
"Injusto e descabido"
Marcos Rochinski, coordenador geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Contraf), critica a medida e afirma que a proposta é “injusta” com a sociedade brasileira e com a agricultura familiar.
“Achamos absolutamente descabido votar e conceber esse benefícios neste momento, sobretudo porque o governo tem chamado a sociedade, e principalmente o setor rural, da necessidade de se recompor orçamentos, de cortes em programas sociais... E não tem cabimento algum conceder benefício para um setor que ao longo da história do nosso país tem sido altamente beneficiado”, critica Rochinski.
O sindicalista lembra da diminuição dos subsídios no plano safra, em programas sociais da agricultura familiar, como o PAA e faixas do Minha Casa Minha Vida que financiavam a habitação para o espaço rural, sob o argumento do rombo fiscal e gerenciamento das contas públicas.
“O nosso país funciona através de acordos políticos, trocas de favores. E a gente sabe que nesse momento de votações importantes, sobretudo da reforma da Previdência, a bancada ruralista, como sempre fez ao longo dos governos, vai jogar com interesses, de trocar seus votos em função de algum benefício”, diz o sindicalista.
Ele também explica que a medida se relaciona apenas às contribuições previdenciárias de empresas agrícolas — já que a arrecadação dos pequenos agricultores é feita com base na comercialização de sua produção. O agronegócio utiliza essa confusão, segundo ele, para argumentar que o setor estaria contribuindo em duplicidade com a Previdência e que a medida beneficiaria a agricultura familiar.
No entanto, a afirmação não é verdade, pontua o coordenador da Contraf: “No ano passado, quando o governo Temer estava tramitando essa matéria, existia de forma muito sorrateira e sacana um discurso de dizer que os agricultores familiares seriam perdoados de suas dívidas. E a gente fazia todo um trabalho de dizer que são coisas absolutamente diferentes: uma coisa é a renegociação [de dívidas] agrícolas e outra coisa é concessão de benefícios de questões previdenciárias”, afirma Rochinski.
Histórico
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que a contribuição do empregador rural pessoa física ao Funrural está de acordo com a Constituição. A taxação havia sido considerada ilegal pela própria Corte em 2011 e, desde então, muitos empregadores deixaram de recolher as contribuições sobre a produção, amparados pela decisão do STF. O tributo é tema de quase 15 mil processos nos tribunais de Justiça pelo país.
Além da Contraf, outras entidades que atuam no campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), são contrárias à medida.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou publicamente que Bolsonaro pediu que o projeto de anistia da dívida do Funrural siga em regime de urgência na Casa. Isso significa que o projeto terá que ser votado em 45 dias.
Edição: Aline Carrijo