“O que mais me preocupa é isso. Uma pessoa como ele está presa, enquanto temos criminosos dirigindo países. O objetivo era mostrar ao mundo que ninguém pode enfrentar o poderio estadunidense”. A frase, sobre a prisão de Julian Assange, jornalista e fundador da WikiLeaks é de Sérgio Amadeu, 57, é doutor em sociologia pela USP e um dos maiores ativistas do software livre e da inclusão digital no Brasil.
Amadeu, que foi professor da Cásper Líbero e atualmente leciona na Universidade Federal de São Paulo (UFABC). De 2003 a 2005, durante o governo Lula, presidiu o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e hoje é membro do, recém-extinto por Jair Bolsonaro por decreto nesta quinta-feira (11), Comitê Gestor da Internet no Brasil, estuda atualmente as implicações tecnopolíticas dos algoritmos, as relações entre comunicação e tecnologia, sociedades de controle e privacidade, práticas colaborativas na Internet e a teoria da propriedade dos bens imateriais.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ele fala sobre a recente prisão de Assange e o que ela nos tem a dizer sobre o WikiLeaks, site de vazamento de informações responsável pela divulgação de diversos documentos sensíveis a Estados nacionais e personalidades poderosas do globo e sobre a atual geopolítica da internet.
Brasil de Fato: O que a prisão de Assange significa politicamente?
Sérgio Amadeu: Essa prisão significa que as liberdades fundamentais, democráticas, estão sendo atacadas em todo o planeta. Há uma grande fragilidade das estruturas democráticas. O Julian Assange é vítima de uma perseguição política engendrada pelos estadunidenses com a chamada tática do lawfare. O Assange, como líder do WikiLeaks, está sendo vítima de uma farsa. Ele está sendo preso porque dissemina documentos que comprovam atos - principalmente dos EUA - contra os direitos humanos, crimes de guerra, ingerências dos Estados Unidos em um conjunto de países, inclusive o Brasil.
O mundo inteiro sabe que isso é uma farsa, o que mais me preocupa é isso. Uma pessoa como ele está presa, enquanto temos criminosos dirigindo países. Isso [a prisão] é extremamente grave porque está acontecendo em um país que supostamente vive uma democracia, a Inglaterra.
O que te faz pensar que as instituições democráticas estão frágeis?
Na verdade, mesmo quando Julian Assange pediu asilo político há sete anos na embaixada do Equador em Londres, ele na verdade poderia, pelos tratados internacionais, se dirigir em um veículo diplomático do Equador até um voo que o levaria até o país que tinha dado o exílio.
E já naquele momento a Inglaterra acabou dizendo que ele era um criminoso e não poderia se mover em Londres. Isso foi uma violação de tratados internacionais. Alguns países tiveram que pressionar a Inglaterra para que não invadisse a embaixada do Equador, e isso demonstrava que a operação se desenhando era uma de ataque aos tratados internacionais, às liberdades básicas garantidas nesses tratados, à liberdade de expressão.
Na sua opinião destruir o WikiLeaks era o objetivo?
O objetivo era mostrar ao mundo que ninguém pode enfrentar o poderio estadunidense, mostrar que a Inglaterra era um mero joguete dos interesses geo-estratégicos dos EUA e que eles podem executar as políticas de exceção das prisões ilegais.
Essa é uma política cínica, com a qual nós convivemos. Assange está sendo preso por divulgar documentos que mostram como os fatos ocorreram. Documentos que não foram contestados.
Eu me lembro bem que, quando os repórteres da Reuters foram assassinados junto com populares na periferia de Bagdá, no Iraque, os EUA botaram um porta-voz das forças armadas para dizer que aquilo era um assassinato promovido pela Al Qaeda.
O WikiLeaks vazou o vídeo "Collateral Murder", que mostra o assassinato de populares, de repórteres da Reuters, e de uma perua com crianças, que tinha parado para ajudar as vítimas do fuzilamento praticado por um helicóptero do exército americano.
Então as imagens são inconfundíveis. E os Estados Unidos não pediram desculpas, [dizendo que] as imagens colocam em risco os Estados Unidos.
No fundo, [o que o WikiLeaks faz], é democrático. É jogar luz sobre o poder oculto, as artimanhas, a tecnologia que os EUA utilizam, combinando hard power, soft power, smart power, derrubada de governos e ação de perseguição via poder judiciário, tudo para manter sua estrutura de poder.
O WikiLeaks vai sobreviver?
O WikiLeaks pode sobreviver, mas ele já foi extremamente afetado pela prisão do Assange. Foi e tem sido perseguido, mas eu acho que é uma tarefa da sociedade democrática manter viva essa ação do WikiLeaks. Não vai ser fácil, mas é fundamental.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira