A bancada do PSOL protocolou, nessa quinta-feira (14), na Câmara dos Deputados, um requerimento para pedir esclarecimentos ao ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, a respeito da intenção do governo de liberar a exploração mineral em terras indígenas.
Durante um evento com investidores no último dia 4, em Toronto, no Canadá, Albuquerque disse que estaria estudando a medida, que ainda não tem regulamentação no país.
No requerimento apresentado pelo PSOL, a bancada pede que o ministro apresente, entre outras coisas, a minuta do eventual projeto de lei que esteja sendo produzido a esse respeito. Também solicita explicações técnicas, por meio de relatórios, pareceres ou notas técnicas, que estejam sendo utilizados para subsidiar essa discussão no âmbito do governo.
O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) afirma que a medida traria ao país problemas em diferentes níveis.
“Estão em jogo não só os recursos minerais, mas as terras da União que hoje são de usufruto das comunidades indígenas. Um ministro, por mais que seja neoliberal, deveria ter obediência à Constituição. Quando se tem um ministro que é das Forças Armadas, ele tem uma obrigação ainda mais pétrea”, disse o parlamentar, em referência ao perfil militar de Albuquerque, que é almirante.
Pelas normas constitucionais, ao ser notificado do requerimento, o ministro terá um prazo de 30 dias para encaminhar resposta à Câmara dos Deputados. A recusa ou a falta de retorno caracterizam crime de responsabilidade.
Legislação
A mineração em terras indígenas está prevista na Constituição Federal de 1988, mas depende de regulamentação geral para a normatização da atividade por parte do Congresso Nacional, que nunca aprovou propostas do gênero. Além disso, a Carta Magna estabelece que uma eventual liberação para a prática precisaria da oitiva dos povos a serem afetados pelos empreendimentos, o que ainda não foi feito pelo governo.
De acordo com a subprocuradora-geral da República Eliana Torelly, coordenadora substituta da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, também seria necessária, após as etapas citadas, uma autorização específica para cada ação mineral em terra indígena.
“São atos complexos, e isso reflete a vontade do constituinte de que realmente a atividade da mineração e de aproveitamento de recursos hídricos dentro de terras indígenas fosse algo excepcional. Não é uma coisa pra ocorrer de maneira corriqueira”, afirma.
Ela destaca ainda a necessidade de o Estado brasileiro obedecer ao conteúdo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual os indígenas devem ter garantidos os direitos de escuta e participação naquilo que se refere aos seus territórios.
O Brasil é signatário do acordo desde o ano de 2002 e ratificou a norma por meio de um decreto legislativo aprovado em 2003.
“A partir daí, ela tem força vinculante. Há setores que dizem que há necessidade de uma regulamentação. Nós defendemos que, ainda que seja necessária uma regulamentação que preveja de maneira mais minuciosa a casuística ou procedimentos, o direito [de consulta aos povos] em si já faz parte do ordenamento jurídico”, explica a subprocuradora-geral.
A Convenção 169 da OIT também é citada no requerimento apresentado pelo PSOL, que destaca ainda outras referências internacionais, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Em seu artigo 29, o documento estabelece que o armazenamento e a eliminação de materiais perigosos – como é o caso dos rejeitos de minério, por exemplo – em terras indígenas depende do consentimento livre e prévio dos povos atingidos.
Na declaração dada durante o evento no Canadá, o ministro Bento Albuquerque afirmou que os povos serão ouvidos em breve, mas disse que eles não terão poder de definição sobre a medida. Eliana Torelly explica que, apesar de a Constituição abordar o caráter de oitiva, e não exatamente de veto, o processo envolve delicadezas de ordem política.
“A gente não pode interpretar [isso] de uma maneira simplória de que basta ouvir e [pode] ir contra o interesse da comunidade. Essa oitiva, mesmo no sistema da Convenção 169, não é apenas um passo. É um processo que envolve tratativas, diálogos de boa-fé e que, em algum momento, pode inclusive envolver concessões, multas, mas há que ser um efetivo diálogo, e não apenas um passo formal pra dizer ‘ouvimos os índios, mas não concordamos o que eles estão dizendo’”, pontua.
Indígenas
Procurada pelo Brasil de Fato para comentar a declaração do ministro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que, caso venha a ser efetivada, a proposta poderá levar ao extermínio das comunidades, que têm, nos seus territórios, um valor natural e cultural.
“A natureza, pra nós, é intocável. A relação nossa com a terra é de família. A terra, pra nós, é mãe. E a terra a gente não agride. A gente protege, cuida, pra que ela possa garantir a nossa sobrevivência e a sobrevivência das nossas gerações”, afirma Paulo Tupiniquim, da coordenação executiva da entidade.
Ele também fez um desabafo sobre a proposta do ministro.
“Nós nos sentimos como se não fizéssemos parte do Estado brasileiro. É como se nós não existíssemos”, disse.
Ameaças
Apesar de a mineração em terras indígenas ainda não ser regulamentada, há, pelo país, ocorrências de garimpos ilegais. Diferentemente da mineração, a garimpagem é uma atividade mais artesanal e superficial.
Além disso, dados atualizados nesta sexta-feira (15) pela ONG Instituto Socioambiental (ISA) demonstram que há, atualmente, 4.052 “processos minerários” em aberto no país. O número se refere especificamente a requerimentos de pesquisa mineral em terras indígenas. De acordo com a entidade, 148 territórios de povos tradicionais estariam ameaçados por tais propostas.
O monitoramento da ONG é feito a partir de dados oficiais do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e foi atualizado a pedido do Brasil de Fato.
O governo
O Brasil de Fato tentou ouvir o ministro Bento Albuquerque a respeito do requerimento da bancada do PSOL. Por meio de sua assessoria, o Ministério das Minas e Energia (MME) informou que ainda não foi oficialmente notificado a respeito e que, por conta disso, Albuquerque não pode se manifestar.
Durante o evento no Canadá no último dia 4, ele disse que “as restrições aplicadas a essas áreas não têm favorecido seu desenvolvimento. Ao contrário, elas se tornaram focos de conflitos e de atividades ilegais que em nada contribuem para seu desenvolvimento sustentável e para a própria soberania e segurança nacional”.
Além disso, informou, na ocasião, que “o processo será conduzido em consulta próxima com todos os atores relevantes, tais como as populações indígenas, a sociedade organizada, as agências ambientais e, principalmente, o Congresso Nacional”.
Edição: Aline Carrijo