Estado laico

Projetos que estabelecem criacionismo nas escolas são desarquivados na Câmara

Duas propostas também determinam o ensino da Bíblia Sagrada nas escolas

|
-
- - EBC

Dentre as dezenas de projetos que foram desarquivados na última sexta-feira (22) na Câmara dos Deputados, pelo menos cinco dizem respeito à inclusão de conteúdos relacionados à religião nas escolas brasileiras. Dois deles propõem a inclusão de matérias sobre criacionismo na grade curricular das redes pública e privada de ensino, e outros dois colocam o ensino da Bíblia como obrigatório no currículo do ensino fundamental e médio.

Os quatro projetos foram apensados ao PL 309/2011, de autoria do deputado Marco Feliciano (PSC) – também desarquivado semana passada –, que torna obrigatório que seja oferecida uma disciplina de ensino religioso nas redes públicas de ensino do país. A proposta coloca o ensino religioso como uma matéria de matrícula facultativa e que deve “assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil”. O projeto atualmente aguarda parecer do Relator na Comissão de Educação (CE).

As outras propostas tratam do assunto de forma menos genérica e colocam a Bíblia especificamente como base da disciplina. O próprio Feliciano apresentou, em 2014, o PL 8099/2014, que determina o ensino de conteúdos a respeito do criacionismo, tendo como base “noções de que a vida tem sua origem em Deus, como criador supremo de todo universo e de todas as coisas que o compõe”.


Marco Feliciano é autor de dois projetos sobre ensino religioso nas escolas | Foto: Antonio Augusto/ Arquivo Câmara dos Deputados

“Ocorre que por força da fé, dos costumes, das tradições e dos ensinos cristãos, a maioria da população brasileira crê no ensino criacionista, como tendo sua origem em Deus, criador supremo de todo universo e de todas as coisas que o compõe, como animais, plantas, o próprio homem. Este ensino tem como fundamento o livro de Gênesis contido no livro dos livros, a saber, a Bíblia Sagrada que é a verdadeira constituição da maioria das religiões do nosso país”, afirma Feliciano na justificativa da proposta.

A ideia é que a matéria seja ensinada de forma análoga ao evolucionismo para que o estudante “avalie cognitivamente ambas as disciplinas”. Para ele, ensinar apenas o evolucionismo nas escolas seria ir contra a liberdade de crença do povo brasileiro.

Da mesma forma, o PL 5336/2016, apresentado pelo deputado Jefferson Campos (PSD/SP) em 2016, determina que os currículos escolares devem incluir o ensino da Teoria Criacionista” baseada nos ensinos da Teologia. Ele justifica que o projeto tem a intenção de que os estudantes “ampliem seus conhecimentos, oferecendo a oportunidade de desenvolver um raciocínio próprio”.

“Apesar da Teoria Criacionista ser estudada pela Teologia enquanto ciência, derivada do livro bíblico de Gênesis, não é apresentada nas nossas escolas enquanto premissa epistemológica básica do saber científico, fruto antropológico de tradição cultural humana que representa, hoje e nas décadas vindouras, mais de 32% da população mundial”, coloca Campos.

Já o PL 9164/2017, do deputado Cabo Daciolo (Avante/RJ), que se tornou conhecido por disputar as eleições presidenciais de 2018, propõe “Estudo da Bíblia Sagrada” como disciplina obrigatória no currículo do ensino fundamental e médio do Brasil. A proposta também foi desarquivada no último dia 22 e apensada a projeto semelhante de Alfredo Kaefer (à época do PSDB, atualmente PP), o PL 943/2015, que dispõe sobre “a inclusão do ensino da Bíblia nos ensinos fundamental e médio da educação básica”.

Embora coloque a matéria como facultativa em seu projeto, Kaefer rejeita a ideia de estudantes não-cristãos optarem por estudar outro livro sagrado. “E porque não ensinar também outros livros do repositório religioso universal? Ora, simplesmente porque foi o pensamento judaicocristão, e não outro, que fundou todo o alicerce da cultura e sociedade ocidental”, afirma.


Dep. Alfredo Kaefer (PP) coloca a Bíblia como “constituição das constituições”| Foto: Vinicius Loures/ Câmara dos Deputados

 

Ele ainda aponta que “a ética cristã se destaca, portanto, como princípio norteador para o fortalecimento do moderno Estado democrático e humanista de direito”. Para o deputado, a falta de aprendizado sobre a Bíblia traz “prejuízos claros para a sociedade brasileira”, dentre os quais ele cita a perda dos valores familiares, o crescimento do individualismo, e até mesmo o aumento da criminalidade por crimes brutais.

“[A Bíblia] É a constituição das constituições. É o supremo código de doutrina e vida. A Bíblia é a voz de Deus em linguagem humana, o depositário de toda a vontade de Deus para o homem”, coloca Kaefer. Em sua longa justificativa, cita ainda algumas passagens bíblicas.

As propostas haviam sido arquivadas por não terem sido votadas durante as legislaturas em que foram apresentadas. Em sua maioria, chegaram a tramitar por comissões, mas não foram levadas adiante. Agora, com o desarquivamento, realizado a partir de requerimento feito pelo deputado Jefferson Campos, têm uma nova chance de serem votadas pelos deputados. Elas tramitam em regime ordinário e estão sujeitas à Apreciação Conclusiva pelas Comissões.

Edição: Sul 21