“A nossa comunidade é um lugar muito tranquilo. Eu morava desde os três anos e gostava muito daqui, todo mundo se conhece. Às vezes tinha uma confusãozinha, mas era coisa normal”, recorda Celso Henrique Oliveira, 20 anos, um dos moradores de Córrego do Feijão, povoado rural de Brumadinho (MG) atingido diretamente pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério da Vale.
A comunidade, distante aproximadamente 20 minutos da sede do município, tinha aproximadamente 500 habitantes antes da tsunami de lama ocorrida no dia 25 de janeiro. Desde então, o ritmo sossegado do lugar foi completamente transformado. “Eu nem tô olhando direito os dias da semana, se é segunda, terça ou quarta. Eu não tô olhando isso mais, não. Porque querendo ou não todos os dias estão sempre do mesmo jeito desde o ocorrido”.
Celso se refere ao ruído constante dos helicópteros de resgate que voam durante todo o dia para deixar as equipes de bombeiros nos locais de busca dos desaparecidos; aos diversos carros e vans que circulam com jornalistas e cinegrafistas; às dezenas de fotógrafos espalhados por todos os cantos; e aos “voluntários” que, em sua grande maioria, são funcionários da própria Vale.
Anteriormente, com a cadência típica do interior, Celso conta que conseguia traçar os planos para seu futuro, que sempre foi projetado na própria comunidade. “Essa é a casa que meu pai começou a construir há três anos e me deu de presente, porque eu estou noivo. Ela tem três quartos, a sala, a copa, a cozinha e o banheiro, além dessa varandinha aqui. Meu sonho era terminar [a casa] o mais rápido possível e morar aqui com a minha noiva. Agora eu já não sei se vou poder continuar aqui”.
Trabalho
Um dos motivos que levanta dúvidas em Celso sobre continuar vivendo na comunidade é seu emprego. Ele trabalhava para a Brasanitas, empresa terceirizada que fazia a limpeza dos vagões da MRS, responsável pelo transporte da carga da Vale. Conseguiu escapar da lama porque o rompimento ocorreu fora do seu turno de trabalho, mas, infelizmente, perdeu dois amigos de trabalho.
“Tem um manobreiro e um maquinista, que eram amigos da gente e infelizmente faleceram. É complicado porque o pessoal da Vale, pelo visto, não quis alertar ninguém. O Ceará e eu estaríamos pegando serviço à noite, às 20h40, para trocar de turno com o Cláudio e o Levi. Infelizmente, o Cláudio faleceu e o Levi até agora está desaparecido e não temos notícias dele”, lamenta.
A dor da perda se mistura com revolta quando o jovem comenta sobre sua suspeita de que os altos funcionários da mineradora já sabiam sobre a iminência do rompimento. “Eu pude notar que tinha uma lona azul, lá no pé da barragem, e procurei saber se havia algum vazamento, mas ninguém falou nada. Perguntei pra um funcionário da Vale, que no caso era um amigo. Ele disse que era só um trabalho que estavam fazendo lá, mas que não era vazamento. Por isso, eu acredito que nem ele sabia, mesmo tendo acesso a todas as áreas. Eu acredito que os chefes quiseram esconder”, opina.
Apesar dessa indignação, Celso gostaria de um dia retornar ao trabalho. “Eu gostaria de voltar a trabalhar dentro da área, porque eu gostava da minha profissão. Até porque esse negócio de ficar à toa não dá certo. A gente tem que correr atrás pra conquistar todos os sonhos que a gente tem”. Entretanto, aponta uma condição: “o que eles não podem é voltar a fazer uma barragem como essa, com água. Se for assim, eu prefiro trocar de profissão e nunca mais pisar lá dentro”.
Celso e os outros funcionários da Brasanitas que trabalhavam na Mina Córrego do Feijão tiraram férias coletivas de três meses, mas ainda não tiveram nenhuma garantia da empresa ou da Vale sobre a continuidade do emprego.
Descaso
Dentre as centenas de perdas, a que mais atingiu Celso foi a do primo, Rodrigo Henrique de Oliveira, que ainda não teve o corpo encontrado. Além do sofrimento pela perda, sua família tem convivido com a angústia pela falta de informação e atenção da Vale. “Eu procurei a Vale pra saber informações do meu primo que está desaparecido, preenchi um cadastro, mas até agora não entraram em contato pra nada. O pessoal do IML me ligou, pedindo pra eu ir até a minha tia, pra ela ir fazer o DNA, mas o pessoal da Vale mesmo não me ligou pra nada”, revela.
Na opinião de Celso, a mineradora não está interessada em resolver os problemas emergenciais da comunidade, mas apenas está tentando silenciar as vítimas. “Estão falando aí de dar 100 mil para as famílias afetadas, como doação, mas eu acredito que até essa doação é só pra ver se as pessoas ficam quietas e deixam tudo isso pra lá. Mas se eles acham que a gente vai deixar quieto, eles estão enganados. A gente vai continuar correndo atrás e vai fazer de tudo pra que ela pague por essa destruição que ela fez na nossa comunidade. Tanto a destruição do meio ambiente, como a destruição das famílias”, afirma.
Além da falta de informação, Celso também denuncia a negligência da Vale em relação aos acessos da comunidade. Antes do rompimento, havia uma estrada que permitia chegar de carro ao centro de Brumadinho em cerca de 20 minutos.
“Tem uma estrada da Vale que é mais perto pra chegar ali no Tejuco que sai em Brumadinho, mas ela [a Vale] está proibindo os moradores de passarem. Ela acabou com a nossa estrada e não tá querendo deixar a gente passar pela área dela. Outro dia mesmo eu tive que ir lá no correio buscar uma encomenda e tive que dar uma volta por Ibirité pra poder acessar a área de Brumadinho. Gastei uma gasolina danada à toa. Eles não estão nem aí pra gente”, indigna-se.
A Vale tem disponibilizado um transporte coletivo aos moradores de Córrego do Feijão a cada duas horas, entre as 8h e 18h, que realiza o trajeto à Brumadinho por dentro da sua área, restrita aos carros particulares.
Edição: Mariana Pitasse