O rompimento da barragem de rejeitos da mina do Córrego do Feijão completou uma semana nesta sexta-feira (1), mas grande parte da população atingida pela lama continua sem nenhum tipo de contato da mineradora Vale. Um desses exemplos é o do casal Isamara Araújo de Morais e Pedro de Jesus Rocha, moradores da comunidade Parque das Cachoeiras, em Brumadinho (MG), que foi atingido diretamente pela lama.
Uma das casas do sítio, onde estavam no momento do rompimento da barragem, foi totalmente tomada pela lama. A outra moradia está a menos de 10 metros dos rejeitos, onde foram encontrados dois corpos pelo Corpo de Bombeiros na última quinta-feira (31). Por isso, estão frequentemente expostos a equipes de resgate, jornalistas e aos rejeitos.
De acordo com Isamara, o sentimento é de perplexidade. “Foi na hora do almoço [a chegada da lama]. Eu estava esquentando almoço. Estávamos eu, meu marido e meu enteado. Aí de repente começou um barulho muito forte. A gente não sabia da onde que vinha esse barulho, porque não tocou sirene. Meu enteado correu morro acima e voltou desesperado dizendo que tinha alagado tudo. Foi a conta da gente só pegar a chave do carro e sair, porque a lama tava vindo. A gente corria e a lama vinha atrás. Foi muito rápido. Nós estamos em choque. Ficamos desesperados sem saber o que fazer”, recorda Isamara.
Os moradores contam ainda que estão vivendo sem água e energia elétrica, que foram interrompidos após o impacto do tsunami de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos. “Eles tem que trazer alimentação, dar uma assistência. A gente tá aqui sem banheiro, porque a gente teve que interditar o banheiro. Eu fiz pedido pra eles trazerem um banheiro químico, mas eles não deram nenhuma resposta. Também tá sem energia aqui. Eles precisam dar alguma informação para ver o que a gente faz. Estamos sem água, banheiro, energia e informação”, afirma Pedro.
Produção comprometida
O casal se mudou para essa propriedade há um ano e meio, vindos de Belo Horizonte (MG), com o objetivo de viverem por meio da agricultura. Essa região é uma grande fornecedora de alimentos a Belo Horizonte, que também será impactada indiretamente pela interrupção da produção. “Antes a vida aqui era um sonho. A gente tirava leite, fazia um queijo, tirava ovos caipiras, também vendia leitão. E, de repente, veio essa tromba de lama aí, o mundo acabando, esse desastre, e acabou com tudo. Se você olhar no meu curral vai ver que tá vazio, não tem nenhuma cabeça de criação, sumiram tudo”, relata Pedro.
O agricultor está preocupado com o que será do seu futuro, já que não tem nenhuma informação sobre indenizações ou reassentamentos. “Ninguém da Vale procurou a gente. A gente só espera informação do que vai acontecer. A gente quer que eles cheguem aqui pra dizer se o gado vai ser ressarcido, se eles vão dar outra fazenda pra eu ficar. A minha atividade, por exemplo, não tem como colocar um valor, porque cada mês eu tirava uma quantia diferente, na roça é assim”, acrescenta.
Tragédia anunciada
Pedro, assim como outras milhares de pessoas na região, já trabalhou indiretamente para a Vale, em uma empresa terceirizada que prestou serviço justamente no complexo da mina do Córrego do Feijão. Para o atingido, existe uma contradição muito grande com a atividade da mineradora. “Toda a riqueza que a Vale trouxe pra cidade de Brumadinho ela tirou em meia hora. Em meia hora ela detonou tudo. Ela deu emprego, mas agora acabou com tudo”, lamenta.
Pela experiência na empreiteira quando atuou na mina, Pedro afirma que tinha conhecimento do risco de rompimento da barragem. “Tem uma senhora que trabalhava na Vale, no escritório, e fez um vídeo [denunciando que os executivos sabiam dos risco do rompimento]. E esse vídeo é verdade. Pra gente que conhece a barragem, que trabalhou lá dentro, não era nenhuma novidade que isso futuramente ia acontecer. Porque a barragem é construída em cima de lama. Ela não tem nada embaixo pra segurar. É um rejeito muito grudento, que retém água, arenoso. Se tivesse seguro, não teria ocorrido isso. Eles ganham muito dinheiro, por isso teriam condições de fazer uma barragem mais segura”, opina.
Próximos passos
Na última terça-feira (29), o Ministério Público de Minas Gerais embargou o cadastramento de perdas e danos materiais das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, que estava sendo realizado pela empresa Sinergia, contratada pela Vale. A decisão ocorreu após reivindicações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) aos órgãos do judiciário responsáveis pelo acompanhamento do caso.
De acordo com Pablo Dias, integrante da coordenação nacional do MAB, o cadastramento não pode ser realizado no curto prazo e muito menos pela Vale. “As famílias não conseguiram ainda enterrar os seus mortos, vivem na expectativa diária de ainda encontrar seus parentes vivos e a Vale já estava tentando realizar o cadastramento das perdas materiais, o que é impossível para as famílias atingidas nesse momento”, explica.
De acordo com o MAB, será realizado um cadastramento emergencial por um órgão independente indicado pelo Ministério Público Federal, que listará as principais demandas da população para serem solucionadas no curto prazo.
Apoio financeiro
A reportagem entrou em contato com a Vale, questionando sobre a existência de um plano emergencial para a realocação de famílias que estão em contato direto com a lama. Em nota, a Vale respondeu que vai ampliar o “apoio financeiro humanitário para os atingidos” pelo rompimento em Brumadinho. “Além da doação de R$ 100 mil para as famílias de vítimas fatais e desaparecidos, aqueles que moravam ou tinham suas atividades rurais ou comerciais na Zona de Autossalvamento (ZAS) do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) receberão um apoio financeiro humanitário”.
De acordo com a mineradora, serão criadas duas categorias de apoio financeiro: uma para todas as famílias que residiam na ZAS, que receberão a doação no valor de R$ 50 mil; e outra para os que não têm residência na região da ZAS, mas desenvolviam atividades rurais ou comerciais cadastradas pela companhia quando da elaboração do PAEBM. No segundo caso, a doação será de R$ 15 mil.
Segundo a Vale, esse “apoio financeiro humanitário” é uma doação e não se trata de indenização, “que será acordada entre as partes em conjunto com as autoridades”.
Edição: Mariana Pitasse