ANÁLISE

Em um mês de governo Bolsonaro, nenhuma medida de combate à corrupção nem à violência

Pelo contrário, em meio a polêmicas de cunho ideológico, medidas tomadas tendem a aprofundar os problemas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Durante campanha, Bolsonaro tentou apresentar soluções mágicas e milhões de eleitores acreditaram. Até agora, nenhum passo foi dado.
Durante campanha, Bolsonaro tentou apresentar soluções mágicas e milhões de eleitores acreditaram. Até agora, nenhum passo foi dado. - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Chegamos a um mês de governo de Jair Bolsonaro (PSL) e, até agora, duas das principais pautas que o levaram à Presidência não foram enfrentadas com nenhuma medida sequer. Pelo contrário: ações do novo governo tendem a aprofundar os problemas da corrupção e da violência.

À parte toda a disputa ideológica, a tentativa de criação de fantasmas – como o do comunismo, o da venezuelização, entre outros – e a difusão de grande volume de notícias falsas, duas pautas sérias estiveram presentes na campanha e entre apoiadores de Bolsonaro: o combate à corrupção e à violência urbana. Nos primeiros 31 dias de governo, em meio a muito falatório e espetacularização da política, em meio a ditos e desditos e a disputas internas, nenhuma medida de combate à corrupção ou à violência foi sequer apresentada. Ao mesmo tempo, ações já efetivadas – e outras especuladas – tendem a agravar esses dois problemas.

A corrupção e a violência são problemas reais. Mas, em nenhum dos casos, a solução passa por ações simplistas. Não há soluções mágicas, ao contrário do que a campanha de Bolsonaro tentou apresentar e do que acreditaram milhões de eleitores. Corrupção se combate com transparência, com instituições fortes, com participação cidadã e com mecanismos institucionais de controle. O combate à violência passa por mudanças culturais, pela redução da desigualdade, pela alteração da política de drogas, entre muitos outros caminhos complexos que precisam ser trilhados ao mesmo tempo. Nenhum passo em nenhuma dessas direções foi dado.

Corrupção

Em vez de combater a corrupção, uma das primeiras medidas do novo governo abre espaço para o contrário. No dia 24 de janeiro, através de decreto, o governo ampliou o número de servidores que têm poder para classificar documentos como ultrassecretos. Isso significa que mais pessoas, que estão em “cargos de confiança”, ou seja, nomeados pelos governantes, possam impedir o acesso público a documentos governamentais por até 25 anos. Antes, documentos só podiam ser classificados como ultrassecretos por ministros, comandantes das Forças Armadas, chefes de missões diplomáticas, ao próprio presidente e vice-presidente, e visava documentos que pudessem afetar a segurança do Estado e da sociedade. Agora, mais de mil servidores podem fazê-lo. Menos transparência, mais corrupção e menos democracia. O decreto foi criticado por diversas organizações que atuam pela transparência e no combate à corrupção. A Lei de Acesso à Informação, agora prejudicada pelo decreto, entrou em vigor em 2012, no governo de Dilma Rousseff (PT).

Ao mesmo tempo em que restringe o acesso a documentos governamentais, Bolsonaro vê seu governo envolvido em escândalos envolvendo ministros e até mesmo um de seus filhos. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, por exemplo, admitiu, em 2017, ter recebido caixa dois. Essa prática sobreviveu na campanha de Bolsonaro, tendo sido utilizada para espalhar notícias (muitas vezes falsas) via Whatsapp, conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo. Já Flávio Bolsonaro (PSL), recém eleito senador, está, desde dezembro de 2018, sob investigação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por movimentações financeiras atípicas, que teriam sido conduzidas pelo seu assessor Fabrício Queiroz. Também estão sendo apuradas ligações de Flávio com milicianos, que inclusive já foram homenageados pelo filho de Bolsonaro quando era deputado estadual (período em que empregou a mãe e a esposa de um policial militar acusado de comandar uma das principais milícias do Rio de Janeiro.

A alegada pureza do governo Bolsonaro em relação ao parlamento e aos demais partidos também começa a ruir: nesta sexta-feira, 1º de fevereiro, foram formados os blocos parlamentares na Câmara dos Deputados: o bloco governista está, além do PSL, composto por PP, PSD, MDB, PR, PRB, DEM, PSDB, PTB, PSC e PMN.

Violência

Além da ligação de um dos filhos com milicianos, Bolsonaro patina também no combate à violência pela ausência de medidas governamentais. Nenhum projeto nesse sentido foi apresentado até agora. A única ação na área foi a flexibilização das regras para a posse de armas de fogo.

Estudos e especialistas do Brasil e de outros países apontam correlação direta entre a liberalização das armas e a violência. Não é por acaso que nos Estados Unidos tem estado em debate nos últimos anos a “volta atrás”, com o aumento das restrições ao armamento pessoal. No Brasil, em 2016, 71% dos homicídios foram cometidos com armas de fogo. Segundo o Mapa da Violência 2016, entre 1980 e 2014, foram mortas, por armas de fogo, quase um milhão de pessoas no Brasil, sendo 85% em homicídios dolosos (com intenção de matar). Em 2014, cinco pessoas morreram a cada hora vítimas de armas de fogo no Brasil. De acordo com o pesquisador David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), esses números poderiam ser ainda piores: não fosse o Estatuto do Desarmamento, aprovado por Lula, após plebiscito, em 2003, os índices de homicídio poderiam ser 12% maiores.

O aumento da violência doméstica e dos feminicídios também é, segundo a quase unanimidade dos especialistas, uma tendência clara com as liberalizações que já estão em vigor ou que estão sendo propostas – o governo também pretende facilitar a posse de armas, ou seja, o direito a andar armado nas ruas.

O primeiro mês demonstrou o que muita gente já sabia e o que o histórico de Jair Bolsonaro no parlamento já demonstrava a quem quisesse ver: por trás das bravatas, não há, de fato, qualquer sentido de combate à corrupção, à violência ou aos outros problemas reais do Brasil.

* jornalista e cientista social, autor de “Nada será como antes - 2013, o ano que não acabou, na cidade onde tudo começou”, pela editora Libretos

Edição: Marcelo Ferreira