Congresso

Bloco de esquerda toma posse com compromisso de frear avanço conservador

Congresso Nacional terá primeira mulher indígena; direita tradicional perdeu espaço pós-golpe de 2016

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Bancada do PT faz ato no plenário da Câmara em defesa da criação de "CPI do Queiroz" e libertação de Lula (PT)
Bancada do PT faz ato no plenário da Câmara em defesa da criação de "CPI do Queiroz" e libertação de Lula (PT) - PT na Câmara

A nova legislatura da Câmara dos Deputados tomou posse nesta sexta-feira (1º), em Brasília (DF), em meio a um cenário de ascensão da extrema direita no Poder Executivo e também no Legislativo.

Para fazer frente a esse cenário, uma das novidades é a união de quatro partidos da esquerda, PT, PSB, PSOL e Rede. As siglas formalizaram junto à Câmara, nesta sexta, a composição de um bloco de oposição para enfrentar as pautas neoliberais do governo de Jair Bolsonaro (PSL), que pretende encaminhar ao Congresso Nacional a reforma da Previdência e outras medidas de caráter privatizante, como a venda de estatais.

Outro ponto de realce é o crescimento da bancada feminina, que saltou de 51 para 77 parlamentares. O PSOL, com dez eleitos, é a única bancada que terá paridade de gênero.

Deputada mais idosa da Casa, com 84 anos, Luiza Erundina (PSOL-SP) comemorou o aumento da presença das mulheres, destacando que o grupo terá relevância na luta contra o discurso misógino, patrocinado pelas forças conservadoras.

“Isso realmente aumenta nossa responsabilidade, e eu me sinto bastante gratificada, nesta minha longa caminhada, de estar na companhia de jovens, lideranças negras, socialistas, defensoras dos direitos humanos”, completou.

A Câmara inicia a nova legislatura com uma renovação de 47,37% entre o total de 513 parlamentares. O percentual está sensivelmente abaixo da média histórica, que é de 49% desde o ano de 1990, segundo cálculos do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

A Casa terá o PT, partido tradicional do campo da esquerda, como maior bancada, com 54 deputados empossados – outros dois petistas que foram eleitos em 2018 aguardam decisão da Justiça Eleitoral sobre sua posse.

Direita

O crescimento da extrema direita é materializado especialmente pelo aumento da bancada do PSL, partido do presidente da República, que saltou de um para 52 parlamentares em relação à eleição de 2014. A sigla será a segunda maior da Casa.

O grupo conta, entre outras coisas, com deputados que deverão se somar à bancada da bala, defensora de pautas como a maior liberação do uso de armas de fogo e outras medidas punitivistas.

O caráter ultraconservador da sigla também se delineia pela presença de militares, com destaque para os generais e novos deputados Girão (PSL-RN) e Peterneli (PSL-SP). Esta é a primeira vez desde a redemocratização que militares dessa patente ocupam cargos na Casa.  

O PSL é uma das forças que cresceram no contexto pós-golpe de 2016 e deverá polarizar com a esquerda as disputas em torno de pautas conservadoras como o Escola sem Partido, que impõe diversas limitações aos professores em sala de aula e por isso foi apelidada pelos educadores de “Lei da Mordaça”.

A proposta foi arquivada em dezembro de 2018, após forte oposição popular, e deverá retornar em 2019 como uma das medidas do grupo de Bolsonaro.

A ascensão da extrema direita provocou redução no grupo da direita liberal. Partidos tradicionalmente situados nesse campo, como MDB e PSDB, perderam espaço na Casa após o golpe. O primeiro caiu de 66 para 34 membros, enquanto os tucanos sofreram redução de 49 para 29 na bancada.

Bancada do PSOL lembrou de Marielle Franco. (Foto: Midia Ninja)

“Lula livre”

Antes da cerimônia de posse, deputados da bancada do PT fizeram um ato no plenário da Casa para destacar, mais uma vez, a bandeira de defesa da libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR) desde abril do ano passado, o petista tem recebido apoio de políticos, segmentos populares, personalidades e organizações.   

“Para a gente, é simbólica a defesa da Constituição, que é o que não está acontecendo com o presidente Lula. Todos sabem que ele está preso injustamente, em cima de um processo que não fica em pé. Há uma perseguição. Ele é um preso político”, destacou o deputado Nilto Tatto (PT-SP).

A bancada também protestou pela instalação de uma CPI para apurar o escândalo que envolve Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), senador eleito, quando ocupava o cargo de deputado estadual.

Presença indígena

Representantes de povos tradicionais chegaram à Câmara dos Deputados nesta sexta em cortejo para acompanhar a nova deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), que tomou posse como a primeira mulher indígena a ocupar uma cadeira na Casa.

“É  uma responsabilidade muito grande e tenho uma missão muito forte. Os povos indígenas precisam ter a voz garantida aqui no Congresso Nacional para se manifestar, para se defender e até mesmo para propor políticas públicas que melhorem a vida dos povos, e não que retrocedam” (0:48), afirmou Wapichana.

Antes dela, o Poder Legislativo federal teve apenas o cacique xavante Mário Juruna (PDT-RJ), que atuou como deputado entre 1983 e 1987. Durante o mandato, Juruna fez forte interlocução no Congresso Nacional pelas causas indígenas, especialmente pelas demarcações de terra.

Ele criou a Comissão Permanente do Índio, que serviu como parâmetro para o estabelecimento posterior da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, que funciona como colegiado permanente da Casa.  

Agora, o objetivo dos porta-vozes dos indígenas é fortalecer a articulação junto a deputados que defendam as causas dos povos, para formar uma frente de defesa desses direitos. Kamuu Dan Wapichana, da comunidade do Santuário dos Pajés, em Brasília (DF), considera que a presença de Joênia no parlamento será fundamental nesse processo.

“A gente tem um trabalho que não é de agora, um trabalho de entendimento de como funciona [o Legislativo]. A gente precisa de um representante indígena, de uma pessoa que fale realmente a nossa língua”, afirmou.

Grades

Chamou atenção na posse dos deputados nesta sexta-feira (1º) a presença de um gradeado que isolou o prédio do Congresso e o gramado ao redor. Com isso, a população não podia se aproximar do quadrilátero.

O bloqueio do acesso ao prédio tem sido uma constante nos últimos anos, especialmente nas datas de votação de pautas de caráter impopular, como, por exemplo, as reformas trabalhista e da Previdência e o Teto dos Gastos.    

O Brasil de Fato procurou o Senado Federal, responsável pelas grades, para pedir informações oficiais a respeito dos gastos com o material e do motivo da colocação dele, mas não obteve retorno da assessoria de imprensa da instituição.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira