O governador João Doria (PSDB) vetou, na última sexta-feira, projeto de lei que previa o funcionamento 24h das delegacias da mulher em todo o estado de São Paulo. O texto é de autoria da deputada estadual Beth Sahão (PT), e foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa (Alesp), em 5 de dezembro do ano passado.
São Paulo foi o primeiro estado da União a contar com Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). A 1ª DDM começou a funcionar em 1985, no bairro da Sé, região central da capital. Hoje, esta é a única delegacia, entre as nove da capital, a contar com atendimento 24h, implementado em 2016.
A reportagem do Brasil de Fato esteve no local. Ali, apenas homens atendiam na recepção. Eles preferiram não fornecer informações a respeito do fluxo de vítimas durante as madrugadas.
Na decisão que consta no Diário Oficial, Doria argumenta que o projeto de lei, "ao disciplinar o horário de funcionamento das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher e fixar obrigações para a Secretária [sic] de Segurança Pública [SSP]" interfere em "domínio exclusivo do Chefe do Poder Executivo", portanto seria inconstitucional.
Ao mesmo tempo, Doria alega ser impossível contratar servidores para contemplar a nova lei. Segundo ele a SSP "esclareceu ser inviável o aumento do número de servidores de todas as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher no Estado de São Paulo”.
O artigo 3º do projeto de lei vetado por Doria determinava: "A Secretaria de Segurança Pública deverá também dotar as referidas delegacias de recursos humanos suficientes para que se concretize o disposto no artigo 1º desta lei, com profissionais femininas qualificadas".
Promessa descumprida
Durante a campanha para o governo do estado, Doria prometeu construir mais 40 delegacias da mulher no estado e instituir o atendimento 24h. Depois da repercussão negativa causada pelo veto, a assessoria de imprensa da SSP afirmou em nota que a “abertura das delegacias da mulher por 24 horas será implementada pelo governo do estado, conforme dito pelo governador João Doria. A decisão já está tomada.”
A deputada Beth Sahão, autora da proposta, rebate as justificativas do veto: “Chamar o projeto de inconstitucional é uma desculpa típica de governantes quando não querem colocar o projeto em prática. Para ser colocada em votação, a proposta teve de ser analisada e aprovada por diferentes comissões permanentes da Alesp, dentre elas a de Constituição, Justiça e Redação. Essas comissões contam com a assessoria de um corpo técnico altamente qualificado. Se houvesse algum vício de iniciativa na proposta, ela teria sido recusada ou devolvida para adequações, o que não aconteceu. Na verdade, o projeto foi aprovado por unanimidade, pelos 94 deputados da Alesp, dentre eles os parlamentares do partido do governador”.
Quadro Crítico
Segundo reportagem da Revista AzMina, hoje apenas 7,9% das cidades do país contam com Delegacias da Mulher. A mesma reportagem mostrou que no estado de São Paulo, algumas das 132 delegacias que o governo afirma estarem funcionando, sequer existem mais, e outras foram fundidas com delegacias comuns, em um processo que na prática acabou com sua função específica de acolhimento de mulheres.
No texto de veto do Diário Oficial consta ainda outra justificativa: “na maior parte das vezes, a Delegacia de Polícia de base territorial estará mais próxima do sítio dos fatos ou da residência da vítima do que a Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, o que torna mais ágil a realização de atos de polícia judiciária (como, por exemplo, o comparecimento ao local para registro da ocorrência, colheita de provas, dentre outras)”.
Para Sahão, entretanto, as delegacias comuns não são suficientes: “Esse tipo de crime não pode ser abordado apenas pela ótica policial. É preciso uma abordagem transversal, que reúna profissionais de várias áreas, até porque essa violência costuma ocasionar traumas profundos nas mulheres. Imagine, por exemplo, uma mulher que é vítima de estupro. Não é fácil para ela ir até um plantão policial comum e falar sobre isso para pessoas desconhecidas. A abordagem tem que ser diferenciada. Por essa razão, considero fundamental que, além de delegadas, investigadoras e escrivãs mulheres, as Delegacias Especializadas contem com psicólogas e assistentes sociais, que ajudariam a tornar esse atendimento mais efetivo”.
Segundo o gabinete da deputada, o mandato seguirá lutando para derrubar o veto de João Doria e implementar o atendimento 24h em todas as delegacias do estado.
Em 2015, o Brasil registrou um estupro a cada 11 minutos e 13 feminicídios (ou seja, assassinato em função da vítima ser mulher) por dia. Destas, 30% foram assassinadas por seus parceiros ou ex-parceiros. Atualmente, a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física no país. Os dados foram compilados por Nana Soares, em matéria publicada no Estado de S. Paulo.
Edição: Mauro Ramos