Era 1992 e eu voltava de Cuba onde fora a mando de Zero Hora para uma matéria sobre turismo. O voo estava tumultuado. Adultos trocavam de lugar como se fossem adolescentes, adolescentes choravam como se fossem crianças, crianças se abraçavam como se fossem adultos. Fui ver o que acontecia.
Eram vítimas do acidente com césio-137, ocorrido em 1987, em Goiânia, que retornavam de Havana encantadas com o atendimento recebido durante 45 dias. No Brasil, elas só fariam tantos exames se fossem ricas. Mas não eram. A tragédia as atingiu depois que o dono de um ferro-velho abriu um aparelho de radioterapia comprado de dois catadores de material reciclável. Mais de mil pessoas foram contaminadas. Para aqueles 50 passageiros, havia esperanças.
Quem os ajudou foram os atores Joana Fomm e Otávio Augusto, que bateram à porta de Fernando Peregrino, então presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado/RJ, pedindo-lhe que intermediasse a ida dos atingidos para Cuba. Ele conseguiu apoio dos governadores Leonel Brizola (RJ), Íris Rezende (GO) e Luis Fernando Fleury Filho (SP), além do presidente de então, Fernando Collor. Com a assinatura de Fidel Castro, bastava levar e trazer os pacientes que exames, medicamentos, alimentação e hospedagem sairiam de graça. E assim foi.
Nenhum dos políticos brasileiros era, como se critica atualmente, “vermelho” – o que pouco importava para os pacientes com quem falei. "Não teríamos condições de pagar os testes nem em 20 anos de trabalho", disse-me Donizeth Rodrigues de Oliveira naquela viagem insone. As crianças que entrevistei nem faziam ideia do que era comunismo, mas já conheciam o preconceito. Desde o acidente, haviam perdido amizades e sofriam isolamento. Em Cuba, ao contrário, foram acolhidas com abraços e beijos.
Agora, quando partem os médicos cubanos, retrocedemos a uma época anterior aquele 1992, obra de uma ideologia estúpida, um desrespeito inacreditável, uma ignorância inadmissível para o século 21.
Cabe ao MPF conferir se a troca vai onerar o bolso do contribuinte. Cabe garantir que haja médicos brasileiros substituindo cada um dos que foram embora, tarefa difícil, já que passam a impressão de que não querem atender em lugares tão distantes, tão inóspitos, tão sem coluna social.
* Liane Faccio é Jornalista
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 8) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.
Edição: Marcelo Ferreira