O governo argentino legalizou, nessa segunda-feira (3), o chamado “gatilho fácil”, regulamento que autoriza o uso de armas de fogo pelas forças de segurança do país diante de qualquer “perigo iminente”, a critério dos agentes, inclusive pelas costas e sem a necessidade de dar voz de prisão. Para a oposição, a nova regra significa “instaurar a pena de morte”.
Alguns dias antes da Cúpula do G20, na semana passada, a ministra de Segurança do país, Patricia Bullrich, assinou uma resolução que amplia os casos nos quais é permitido o uso de armas de fogo por integrantes das forças repressivas federais. Na ocasião, o porta-voz oficial do ministério afirmou que se tratava de uma medida extraordinária para garantir a segurança dos visitantes estrangeiros. No entanto, a resolução foi publicada no Diário Oficial nesta segunda-feira como medida permanente.
A decisão foi criticada por organizações de direitos humanos e entidades que combatem a repressão na Argentina. Só em 2017, por exemplo, a violência policial causou a morte de uma pessoa a cada 23 horas no país, e neste ano, estima-se que o número de vítimas fatais será ainda maior, segundo informações da Coordenação Contra a Repressão Policial e Institucional (Correpi).
“A norma publicada hoje no Diário Oficial autoriza o uso legal de arma de fogo em uma série de situações que resumem as principais desculpas utilizadas por membros das forças de segurança durante sua defesa quando são julgados pela execução de pessoas”, criticou María del Carmen Verdú, advogada representante da Correpi.
Nessa terça-feira (5), entidades de direitos humanos apresentaram um recurso contra a decisão do governo, argumentando se tratar de uma norma ilegal e inaplicável, que desrespeita os princípios constitucionais e os tratados internacionais dos quais o Estado argentino é signatário. No entanto, o recurso ainda deverá ser julgado em diferentes instâncias judiciais.
Além disso, os críticos da medida consideram que a resolução do Ministério de Segurança poderia ser interpretada como “uma provocação a mais” por parte do governo de Maurício Macri e não tem a capacidade de modificar o Código Penal nem as disposições do sistema internacional de direitos humanos. Isso significa que os integrantes da polícia não poderiam, legalmente, invocá-la em um eventual processo penal, pois esse sistema de hierarquias não poderia ser suplantado.
Histórico
A medida decretada na segunda-feira também está relacionada a um caso emblemático de “gatilho fácil” ocorrido há um ano no país.
No dia 8 de dezembro de 2017, em uma tentativa de assalto, um turista sofreu um golpe de faca de um dos assaltantes e, na fuga, o jovem Pablo Kukok, de 18 anos, foi executado pelas costas pelo policial militar Luis Chocobar.
A partir das imagens de câmeras de segurança do local, foi possível comprovar que o policial, ao contrário do que alegava, não atuou para proteger a vítima – para quem, inclusive, chegou a apontar a arma. Chocobar foi indiciado e responde por “homicídio praticado com excesso de poder”.
Em fevereiro deste ano, o presidente do país recebeu Chocobar para parabenizá-lo pela ação que, segundo o mandatário argentino, teria salvo a vida do turista. "Confiamos que a justiça vai liberá-lo em outra instância, reconhecendo sua valentia", declarou na ocasião.
Em uma entrevista concedida ontem (5) à rádio argentina El Destape, a mãe do jovem assassinado pelo policial, Ivonne Kukoc, criticou a regulamentação proposta pela ministra de Segurança. Para ela, ao serem autorizados a atirar pelas costas, “[os policiais] vão matar os adolescentes mais pobres como cachorros". "Autorizaram a pena a morte”, afirmou.
Ela também considera que, diante da recorrência de casos de execução pelas mãos da polícia no país, que coloca em crise a segurança da população, a ministra Patricia Bullrich “já deveria ter renunciado”.
Desde a transição democrática no país, em 1983, os casos de “gatilho fácil” aumentam todos os anos. O governo atual, de Maurício Macri, foi o que mais acionou as forças de segurança nacional ilegalmente, entre elas, na perseguição e posterior execução de Santiago Maldonado e na execução de Rafael Nahuel.
*Com informações do Página12 e Marcha Notícias.
Edição: Aline Scátola | Versão em português: Luiza Mançano