Neste ano, o Brasil ficou em décimo lugar na lista internacional de países com o pior índice de impunidade em crimes contra jornalistas em 2018. É a oitava aparição seguida do país no ranking do relatório Índice de Impunidade, do Comitê para Proteção dos Jornalistas, publicado desde 2008.
Para combater esse cenário, organizações em defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão se reuniram, em São Paulo (SP), nesta semana. O Encontro Nacional de Proteção a Comunicadores propõe a criação de uma rede nacional de proteção, assim como estratégias para dar visibilidade a esta realidade de agressões.
O evento, realizado entre os dias 4 e 5 de dezembro, é organizado pelo Instituto Vladimir Herzog, pelo Coletivo Intervozes, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pelas organizações não governamentais Artigo 19 e Repórteres sem Fronteiras.
O advogado Valério Luiz Filho, filho de Valério Luiz Oliveira, jornalista assassinado no dia 5 de julho de 2012, esteve presente no encontro. Luiz Filho afirmou que a cobertura da mídia foi central para dar seguimento às investigações sobre a morte de seu pai.
"Nós contamos com muita ajuda, muito apoio e mesmo assim quase que a gente não consegue levar essas pessoas à Justiça. Eu fico com a clara imagem de que, em milhões de outras violações pelo país, as pessoas que não têm o apoio e a sorte que nós tivemos — a sorte dentro da tragédia — vão fatalmente ficar com casos impunes", relata Filho.
O caso pode ir a júri popular depois de seis anos de investigações. Oliveira levou seis tiros à queima-roupa no momento em que saía da rádio Bandeirantes em Goiânia (GO), local em que trabalhava. Cronista esportivo, ele realizou, entre outras denúncias, a compra de resultados de jogos pela diretoria do Clube Atlético Goianiense.
Na época, a diretoria do Atlético-GO era composta por nomes pelo deputado federal Valdivino de Oliveira; por Maurício Borges Sampaio, proprietário do maior cartório do estado de Goiás; e o tenente-coronel Wellington Urzeda. Borges Sampaio é apontado como o mandante do assassinato do radialista.
Impunidade
Segundo casos analisados pela Artigo 19, entre 2012 e 2016, 54% dos suspeitos autores dos crimes no Brasil são agentes do Estado, sejam políticos, funcionários ou policiais. E ao contrário do caso de Valério, mais de 70% dos casos aconteceram em cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes, que têm menos chances de ter visibilidade.
Por isso, a criação de uma rede de apoio é tão importante para denunciar os casos, defende o filho do radialista.
“O assassinato contra jornalistas é sempre uma espécie de exercício arbitrário e perverso poder. Lutar contra a impunidade desses crimes é necessariamente uma disputa de esferas de influência. Ou seja, se a comunidade de comunicadores vai conseguir exercer sob as instituições pressão suficiente e maior do que o poder de corrupção das lideranças.”
Em um período de dez anos, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas registrou que ao menos 324 profissionais de imprensa foram mortos em todo o mundo por causa do exercício de seu trabalho. Em 85% destes crimes, ninguém foi condenado.
Marina Atoji, gerente executiva da Abraji, aponta que a impunidade nestes casos é tão grave quanto em crimes cometidos contra não-comunicadores. Mas os casos trazem ainda outros danos para a sociedade.
"O específico a respeito disso é que a impunidade de um crime contra jornalistas torna muito barato você atacar a liberdade de expressão, torna muito barato você censurar, calar uma voz que seja dissonante. E isso é muito prejudicial para a democracia e para liberdade de imprensa, liberdade expressão e para o acesso à informação”, explica.
Falta de dados
Com exceção dos relatórios de entidades como a Artigo 19, não existe produção de dados oficiais sobre o tema.
O promotor de justiça Emmanuel Pellegrini, do Conselho Nacional do Ministério Público, afirma que o órgão está mapeando todos os casos de homicídios a jornalistas e vai construir um banco de dados com estatísticas oficiais.
“O conselho, através da Estratégia Nacional de Segurança Pública, fez uma proposta de recomendação de priorização da persecução penal dos crimes praticados contra jornalistas, contra profissionais de imprensa e contra comunicadores de forma geral no exercício das suas profissões ou em razão dela”, aponta o promotor.
“A nossa intenção, principalmente no Conselho Nacional do Ministério Público, é sensibilizar todos os membros do Ministério Público brasileiro da importância da questão da segurança dos profissionais de imprensa”, explica Pellegrini.
O relatório da Artigo 19 também mostra que as vítimas já haviam sofrido ameaças ou ataques em 77% dos casos.
Neste ano, o governo federal incluiu, pela primeira vez, comunicadores e ambientalistas no Programa Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, uma reivindicação das organizações e movimentos de luta pela liberdade de expressão e o direito à comunicação.
Edição: Mauro Ramos