Polêmica

"PL que endurece Lei Antiterrorismo pretende criar o terrorista", afirma jurista

Projeto, que tem apoio do presidente eleito, foi debatido em audiência pública nesta terça-feira (20), na CCJ do Senado

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Audiência pública na CCJ do Senado sobre PLS 272/2016, que endurece a Lei Antiterrorismo
Audiência pública na CCJ do Senado sobre PLS 272/2016, que endurece a Lei Antiterrorismo - Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em audiência pública ocorrida nesta terça-feira (20), no Senado, em Brasília (DF), especialistas de diferentes áreas do conhecimento criticaram o Projeto de Lei do Senado (PLS) 272/2016, que altera a Lei Antiterrorismo (13.260/2016) e abre brechas para criminalizar movimentos populares.

O juiz Marcelo Semer, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), afirmou que, se aprovado, o texto do PLS, de autoria do senador Lasier Martins (PSD-RS), trará um acúmulo de problemas. O magistrado ressalta que a medida é desproporcional na definição das penalidades. No caso do crime de "apologia ao terrorismo", por exemplo, o período previsto para reclusão salta de três meses para quatro anos. O jurista também aponta que o texto do projeto é vago na conceituação das condutas enquadradas.

“É uma coisa muito genérica. Veja, apologia é louvar um terrorista. Eu não sei o que seria ‘louvar’. De repente, se [alguém] faz uma manifestação favorável a uma reivindicação, será que está ‘louvando’ um terrorista?. Imagina isso nas redes sociais, com compartilhamentos e curtições [de posts]”, criticou.

Semer destacou ainda que o projeto cria uma “superposição de tipos penais” porque o Código Penal brasileiro já prevê as condutas especificadas na proposta.

 “O que essa alteração pretende fazer não é combater o terrorismo. É criar o terrorista. É tentar criar um problema que a gente não tem. É completamente sem sentido isso”, completou.

Uso político

Por conta dessas características, os críticos apontam que o PLS traz, nas entrelinhas, uma margem de manobra para uso político da lei.

Nos bastidores do mundo político, o projeto é apontado como tentativa de enquadrar, de forma seletiva, organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e entidades que reúnem quilombolas, indígenas, etc.  

“São grupos mobilizados, que reivindicam da sociedade uma democracia mais profunda. Eles reivindicam a possibilidade de serem efetivados os direitos econômicos, sociais, culturais, que são negados justamente a partir da não realização de políticas públicas e, agora, do cerceamento do direito de manifestação”, apontou o coordenador-geral da ONG Terra de Direitos, Darci Frigo.

O avanço do PLS 272 no Senado tem como pano de fundo a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições presidenciais deste ano. Líder de extrema direita, o futuro presidente é conhecido pelos posicionamentos conservadores em defesa da criminalização do MST e de outros movimentos populares identificados com o campo da esquerda.

Os pontos da Lei Antiterrorismo para os quais o PLS propõe alteração foram vetados pela presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, quando a lei foi sancionada, por conta das manifestações contrárias por parte de movimentos e especialistas.

Outro lado

Defensores do projeto também se manifestaram na audiência pública desta terça-feira, entre eles o líder do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri, e o senador Lasier Martins, autor do PLS.

Os dois refutam a tese de que o projeto tende a criminalizar os movimentos populares e afirmam que o texto não daria margem para interpretações extensivas.

Kataguiri afirmou que o Brasil necessitaria de um arcabouço jurídico mais amplo e sólido para enquadrar atos de terrorismo. Ele disse ainda que a proposta tem referência no cenário internacional e que outros países, como Canadá e França, têm legislações mais rígidas que a brasileira.

A advogada Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ONG ARTIGO 19, destacou, no entanto, que diferentes organismos internacionais têm se manifestado de forma contrária a esse tipo de legislação. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, já criticou publicamente a lei canadense que tipifica o terrorismo.  

“A ONU entende que uma lei antiterrorismo deve circunscrever exatamente quais são os atos de terrorismo – o que é, qual a finalidade, etc. Na análise das Nações Unidas, ficou muito claro que essa legislação do Canadá era demasiadamente ampla e possibilitaria o enquadramento de movimentos sociais, e não somente de atos terroristas concretamente”, alertou.

A advogada ressaltou ainda que tais leis tendem a comprometer a liberdade de expressão, que está garantida por meio de diferentes acordos internacionais. Entre eles, estão a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Diante disso, ela apontou ainda outro problema que tende a surgir como consequência do endurecimento da lei brasileira: o incentivo à autocensura de cidadãos que tenham interesse em se manifestar politicamente.

“As pessoas vão saber que existe uma lei que está toda preparada e conformada pra enquadrar movimentos sociais. Para além do impacto real e concreto da incriminação de uma pessoa, ela tem um efeito coletivo, que é esse efeito inibitório pra todo o resto da coletividade, porque as pessoas vão pensar duas vezes antes de sair numa manifestação se a liderança de um outro movimento já foi criminalizada”, finalizou.

Tramitação

O projeto está em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ainda não teve o relatório votado. O relator do projeto é o senador Magno Malta (PR-ES), que defende a aprovação da medida.

A proposta tem tramitação terminativa na CCJ, o que significa que não precisa ser apreciada pelo plenário da Casa e por isso pode ser encaminhada diretamente para a Câmara dos Deputados, caso seja aprovada pelo colegiado. O regimento permite, no entanto, que a oposição ingresse com um recurso solicitando a votação também no plenário do Senado.

Edição: Daniel Giovanaz