Ruth Manus, colunista do jornal O Estado de S. Paulo, afirmou, por meio de uma postagem no Facebook nesta terça-feira (13), ter sido demitida após escrever texto crítico ao candidato Jair Bolsonaro (PSL).
Segunda ela, o jornal a proibiu de se manifestar politicamente. Manus teria respondido que “se não estivessem dispostos a preservar sua liberdade como colunista, que ficassem à vontade para rescindir o seu contrato” -- o que aconteceu algumas semanas depois.
Este é apenas um entre vários casos de jornalistas que acusam de censura as empresas na qual trabalhavam durante as eleições. Na última semana antes do segundo turno, o jornalista Juremir Machado pediu demissão ao vivo no programa "Bom Dia", da Rádio Guaíba, protestando contra a decisão da rádio de não permitir perguntas ao candidato do PSL. Apenas o apresentador Rogério Mendelski, conhecido pelas suas posições simpáticas ao candidato, estava autorizado a fazê-lo. “Podemos dizer que Bolsonaro nos censurou?”, questionou, ao vivo.
No início deste mês, Rogerio Galindo foi demitido do jornal paranaense Gazeta do Povo, no qual trabalhou por 18 anos. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná afirmou em nota que “durante a campanha eleitoral, o blog de Galindo foi o contraponto de uma cobertura favorável a Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e crítica a Fernando Haddad (PT-SP)”.
Em editorial, o jornal chegou a defender que os brasileiros fossem às urnas “dizer um inequívoco ‘não’ ao grupo político que governou o país por quase 14 anos, deixando uma herança maldita que persiste mesmo dois anos e meio após o impeachment de Dilma Rousseff”.
Maria José Braga, presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirma que Galindo foi censurado e demitido por ter uma posição diferente da linha editorial do jornal. “No caso do Rogerio, ele tinha uma coluna e foi demitido por se expressar politicamente em razão das eleições. Nesse caso, fica muito claro o cerceamento à liberdade de expressão”.
Braga ressalta que casos de censura a profissionais da imprensa são difíceis de quantificar porque raramente são denunciados pelo medo de perder o emprego ou não conseguir futuros trabalhos. “Nós sabemos que acontece, mas infelizmente é a violência contra jornalistas mais difícil de ser mensurada”, diz. Em relação a demissão de Ruth Manus, a presidenta da Fenaj afirma que a entidade ainda não conseguiu contato com a colunista para confirmar o caso.
Apoio a Temer e Bolsonaro
Um jornalista de O Estado de S. Paulo, que preferiu não se identificar, disse que a colunista Ruth Manus foi demitida junto com outros trabalhadores. Para ele, existiria um clima de tensão em relação às demissões, mas não diretamente relacionado à divergências políticas da linha editorial.
O pesquisador Jacques Mick, jornalista e professor de sociologia que integra o Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), avalia que desde 2013 as mídias jornalísticas passam por sucessivas reestruturações operacionais, levando a grandes reduções no número de profissionais, e também editoriais.
“Alguns veículos assumiram uma guinada editorial no sentido do governismo, apoiando claramente a deposição de Dilma e sua substituição por Temer, ou assumindo posições políticas cada vez mais conservadoras e alinhadas com esse deslocamento do poder político que acabou dando hegemonia a esse bloco mais conservador e autoritário da sociedade brasileira”, avalia Mick. O sociólogo avalia que O Estado de S. Paulo apoiou o governo Temer e, posteriormente, aderiu ao projeto neoliberal e autoritário de Jair Bolsonaro
“Nada de novo se considerar a longa história do Estadão que, em outros momentos de retrocesso político da história brasileira, também se alinhou as forças mais conservadoras e autoritárias”, acrescenta.
O pesquisador do objETHOS define que o jornalismo brasileiro teria um “baixo paralelismo político” por apresentar veículos de comunicação distribuídos de acordo com as forças políticas sociais. “A mídia mainstream é fortemente concentrada em posições de centro-direita e de direita, mas não há nenhuma grande mídia de massas no Brasil que se posicione ideologicamente do centro em direção à esquerda do espectro político”, observa.
O Brasil de Fato entrou em contato com o jornal O Estado de S. Paulo, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria
Confira na íntegra a publicação da colunista
“Era uma vez uma moça chamada Ruth, que escrevia para um grande jornal brasileiro. Escreveu durante anos, sobre amor, humor e tantas outras coisas sérias e indispensáveis, com liberdade e boas intenções. Impressionou com seus números de audiência e foi premiada três vezes pelo jornal.
Acreditando, ainda, na liberdade que julgava ter, escreveu no fim de agosto um texto que criticava um candidato à presidência do país. Foi surpreendida com uma ligação do jornal proibindo-a de se manifestar sobre política por prazo indeterminado. Assustou-se, não esperava uma coisa dessas em pleno ano de 2018. Escreveu para o jornal, lembrando-os de que fora contratada para escrever colunas com tema livre e dizendo que essa conduta de censura não fazia sentido para ela, sobretudo pelo fato deles saberem que ela era advogada e professora de Direito.
Como seria possível não falar sobre política? O que não é política? Direito envolve política, minorias envolvem política, feminismo envolve política, sociedade envolve política, relacionamentos envolvem política. Liberdade é pura política- e sua ausência, ainda mais. Disse que não estava disposta a escrever com medo, pisando em ovos e que, caso eles não estivessem dispostos a preservar sua liberdade como colunista, que ficassem à vontade para rescindir o seu contrato.
Algumas semanas depois- ontem, no caso- foi comunicada acerca do seu desligamento.
Saio do Estadão com tranquilidade e com a certeza de que fui absolutamente coerente com aquilo em que acredito. Tenho orgulho da minha trajetória lá dentro, ao longo de quase 5 anos, assim como tenho orgulho da minha saída, sobretudo no momento que o Brasil atravessa. Agradeço a todos os que trabalharam comigo no jornal, agradeço pelo espaço que tive ao longo desses anos e lamento profundamente que a liberdade de expressão já esteja sendo tão relativizada no Brasil.
Continuarei escrevendo com a mesma alegria, com a mesma coragem e com a mesma fé. Quem quiser seguir me acompanhando, será muito bem vindo na minha página do facebook, no meu instagram, no Observador- jornal português no qual escrevo desde 2016 com total respeito e liberdade- e, futuramente, em outros espaços que façam sentido. Obrigada pelos anos de leituras atentas. Seguimos juntos. Isso foi só o começo.”
Edição: Diego Sartorato