"A partir do momento em que o negro começa a fazer o exercício da sua religiosidade, aquilo é demonizado, e essa demonização cresce ao longo da História, simplesmente por ser uma religião preta. Simplesmente por representar a ancestralidade do povo preto". O relato de Iyá Imim Efun Lade, mulher, negra e sacerdotisa do Candomblé, representa uma realidade vivenciada por diferentes pessoas que seguem religiões de matriz africana no Brasil. O depoimento deixa claro que a intolerância e o racismo caminham juntos no país.
O primeiro episódio da série Consciência Negra: Sobre Malês, Quilombos e Terreiros, traz os depoimentos de três sacerdotes de religiões de matriz africana, que contam como o preconceito e racismo afetam suas vidas. Confira abaixo o vídeo Terreiros: Intolerância Religiosa no Brasil.
As denúncias relacionadas à intolerância religiosa aumentaram no Brasil no último período. As religiões afro brasileiras são os principais alvos dos ataques, que incluem destruições de terreiros e violências físicas. Dados do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) mostram que, entre janeiro de 2015 e o primeiro semestre de 2017, foi constatada uma denúncia a cada 15 horas.
"Eu tenho duas meninas, uma de 19 e outra de seis anos, e fico pensando o tempo todo em me proteger para protegê-las", revela a sacerdotisa Iyá Imim Efun Lade. "Será que me proteger vai me levar a não usar minhas vestes, para que eu não seja agredida?".
Segundo a Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, os casos de intolerância religiosa aumentaram e se agravaram no estado. O número de denúncias cresceu 56% de 2017 para 2018. Em 2017, foram 16 casos. Até maio deste ano, já haviam sido registradas 25 denúncias.
Para além das manifestações de ódio, os praticantes também sofrem ataques institucionais. Em agosto de 2018, adeptos do Candomblé e Umbanda saíram em marcha pela Avenida Paulista, na capital de São Paulo, para protestar contra o Recurso Extraordinário (RE) 494601, que tornaria ilegal e inconstitucional a prática de abate nas religiões afro-brasileiras. A RE não foi aprovada, mas movimentos religiosos de matriz africana e comunidades tradicionais de terreiro entenderam que a tentativa foi um sinal de alerta.
"Eu vou no mercado de fio de conta. Eu não estou nem aí. As pessoas precisam saber que eu existo. Você enfrenta olhares, você enfrenta nariz torcido. A nossa resistência é dizer: nós estamos aqui e exigimos que você respeite o meu axé -- da mesma maneira que eu respeito seu amém", enfatiza Daniel Aparecido Corrêa, Babalorixá da Comunidade Renovação Ilê Axé Oxaguan.
Retrocessos na nova gestão
Os entrevistados da série temem que haja retrocessos no que diz respeito às práticas religiosas. Para o Babalorixá Daniel, há receio nas comunidades de terreiro de que os cultos possam ser invadidos e os atabaques religiosos, apreendidos. Para a sacerdotisa Iyá, a bancada evangélica no Congresso Nacional, que toma ainda mais corpo no próximo período, também é motivo de preocupação:
"A bancada evangélica, ao longo do tempo, tem criado leis e usado dos mecanismos de lei para bloquear diversas formas de expressão do nosso povo. Com o aval desse novo governo, nós vamos perder consideravelmente novos direitos. E isso está amedrontando nosso povo. A justiça não nos defende. A gente não tem garantia nenhuma de que a polícia vai defender o terreiro ou de que a gente vai conseguir processar esse povo que vem atacado os terreiros de Umbanda e Candomblé".
O especial Consciência Negra: Sobre Malês, Quilombos e Terreiros vai ao ar no dia 20 de novembro.
Edição: Brasil de Fato