Uma caravana de cerca de 7 mil migrantes da América Central, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), está caminhando desde o dia 13 de outubro em direção à fronteira dos Estados Unidos com o México. Composta, na sua maioria, por hondurenhos que pretendem buscar asilo político e emprego no país norte-americano, a caravana já atravessou a fronteira da Guatemala com o México.
Formada por famílias com centenas de crianças, a caminhada teve início na cidade hondurenha de San Pedro Sula e já percorreu mais de 700 quilômetros. No início desta semana, a Caravana chegou a Ciudad Hidalgo, no México.
No momento, a caravana se encontra a 1 mil milhas, cerca de 1,6 mil quilômetros, do sul dos EUA. Nesse meio tempo, uma nova caravana de quase 1 mil hondurenhos, seguindo o exemplo do primeiro grupo, foi formada no último domingo (21) na Guatemala.
Não é a primeira vez que uma caravana de emigrantes da América Central parte em direção aos EUA. Dessa vez, no entanto, o evento se tornou emblemático e ganhou atenção internacional devido ao grande número de pessoas que se somaram nessa jornada.
Segundo Patrícia Nabuco Martuscelli, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora visitante no Carolina Population Center da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, a importância dessa caravana está relacionada também ao momento político em que ela acontece.
"A caravana é um fenômeno esporádico e a travessia de Honduras para os EUA é extremamente perigosa. É uma viagem cansativa, muitos acabam morrendo no caminho. Há grupos armados especializados em violar e roubar os migrantes, então quando as pessoas migram em conjunto também é uma forma de proteção. O que essa caravana chama a atenção é o número de pessoas, que é muito grande, e mais pessoas estão se juntando. Acredito que pode ser uma resposta à política de separação de famílias adotada anteriormente pelos EUA e também ao aumento da violência no México e nos demais países da América Central. Há um aumento da violência também das autoridades de controle do México, há histórias de imigrantes devolvidos oito, nove vezes à Guatemala, que apanham, mulheres que são estupradas", relatou.
Mesmo com o perigo do trajeto e a situação migratória instável nos EUA, os migrantes mantêm a caravana, buscando escapar da violência e da pobreza extrema. Isso é o que explica Gilberto Rios, Dirigente Nacional do Partido Livre de Honduras – oposição ao governo do Partido Nacional, que governa o país desde o golpe de Estado que destituiu, prendeu e exilou o presidente Manuel Zalaya em 2009.
"Um em cada dois hondurenhos vive na condição de extrema pobreza. Além disso, há o tema da violência, que apesar dos dados maquiados do governo, aumentou consideravelmente. Sete em cada dez imigrantes que chegaram ao México são hondurenhos, e cinco deles dizem que o motivo é a violência. Gente que sai ameaçada por grupos criminosos protegidos pela polícia e pelo exército. Basicamente buscam trabalho, oportunidades. Honduras tem o equivalente a 18% de seu PIB vindo de remessas do exterior de pessoas que trabalham em outros países. Então, apesar dos momentos de crise econômica nos EUA, os trabalhos que os imigrantes arrumam se mantêm. As pessoas encontram oportunidades que não encontram em Honduras", afirmou.
Rios destaca ainda que tal situação social e econômica de seu país é fruto de políticas neoliberais que foram adotadas nos últimos nove anos, inclusive com o apoio dos EUA.
"Claramente depois do golpe de Estado tivemos um endividamento que se quadruplicou. Perdemos instituições do Estado, sobretudo as que se dedicavam a temas sociais, como o Instituto da Família, que atendia crianças órfãs. Também privatizaram as estatais de energia elétrica e de comunicação. O componente neoliberal do golpe é claro, fizeram concessões para mineradoras e no litoral para empresas estrangeiras que exploram petróleo. Então, a mão das empresas internacionais no país é muito evidente. Tudo isso foi acompanhado de uma forte violência institucional por parte do Estado. O papel norte-americano na crise foi muito declarado, eles apoiaram o golpe de Estado e estabeleceram relações diplomáticas. Também apoiaram as fraudes eleitorais que se seguiram", apontou.
Nesta semana, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, afirmou que a caravana é financiada pelo governo venezuelano, de orientação socialista, que está na mira de intervenção dos Estados Unidos desde que teve início a crise econômica no país latino-americano. O boato foi desmentido pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que chamou Pence de "louco".
De acordo com Carlos Barrientos, integrante do Comitê da Unidade Campesina (CUC) da Guatemala e coordenador político da Articulação dos Movimentos Sociais da ALBA, de 800 mil a 1 milhão de hondurenhos migram para os EUA anualmente, uma média de 8 mil por mês. Como Gilberto Rios, Barrientos responsabiliza o próprio governo norte-americano pela necessidade da migração.
"Temos que recordar que nos anos 1980 a quantidade de imigrantes centro-americanos registrados nos EUA era em torno de 350 mil. Em 2015, esse número já cresce para mais de 3,5 milhões de imigrantes. Desses, 90% pertencem ao chamado Triângulo Norte, formado pelos países da Guatemala, Honduras e El Salvador. A imigração começa a crescer com a aplicação de políticas neoliberais e o impacto dessas políticas para as classe trabalhadora, os campesinos e campesinas. Esses países têm como elemento comum que ao redor de 60% de suas populações se encontra em situação de pobreza. Por isso mesmo que quem vai aos EUA não busca o sonho americano, mas foge de um pesadelo. Alguns dizem que são grupos vinculados às organizações de esquerda que organizam essa caravana, isso não é certo, é uma reação espontânea e o único responsável é o governo dos EUA. Isso porque foi precisamente esse governo que continuamente interviu na região", afirmou.
Segundo Barrientos, a intervenção dos EUA na América Central remonta o início do século XX, toma seu ápice na guerra contra a revolução sandinista nos anos 1980, na Nicarágua, e finalmente no apoio ao golpe de Honduras. Desde então, ele destaca que governos de direita na América Central têm seguido a cartilha neoliberal do Consenso de Washington, o que, na sua opinião, tornou os países ainda mais precários.
"Essa caravana visibilizou esse fluxo permanente de população que migra para os EUA. Então, agora temos essa visibilidade dos excluídos do sistema e do império dos EUA. Se vai mudar algum elemento em relação às políticas migratórias, acho que é muito cedo para saber. Mas isso coloca em evidência essa crise humanitária", opinou.
Desde a campanha que o elegeu em 2016, o presidente estadunidense, Donald Trump, vem defendendo um discurso de criminalização da imigração. Nos últimos anos, ele tomou uma série de medidas que foram internacionalmente questionadas, como a proibição da entrada de imigrantes de certos países considerados perigosos pelo mandatário e o fim do Daca (Deferred Action for Childhood Arrivals, em português Ação diferida para chegados na infância), política que concedia autorização temporária para moradia e trabalho nos EUA para pessoas que entraram ilegalmente no país enquanto crianças. Mais recentemente, a última polêmica tem sido a política de separação de famílias imigrantes.
Em relação à América Central, a grande promessa de Trump era a construção de um grande muro dividindo toda a fronteira com o México. Em março deste ano, as primeiras imagens da construção foram divulgadas. A pesquisadora Patrícia Martuscelli destaca que o presidente dos EUA tem feito todas as medidas que estão no seu alcance para coibir a imigração.
"Tudo que está ao alcance de Trump, sem o apoio do Congresso, ele faz. E sempre que ele perde em alguma área política, ou não ganha do jeito que esperava, ele adota alguma ação para mostrar para os eleitores dele que está garantindo a América para os americanos, protegendo a fronteira, restringido a imigração. É uma fronteira muito difícil de ser transpassada", analisou.
Além disso, o refúgio é garantido pelo Direito Internacional e pode ser pedido por qualquer pessoa que se sinta ameaçada em seu país de origem. "Você tem pessoas pedindo refúgio, fugindo de Honduras, por conta de algum tipo de perseguição. No perfil da caravana você tem mulheres, crianças, famílias, pessoas com necessidades especiais, idosos", afirmou.
No entanto, em junho deste ano, o procurador-Geral dos EUA, Jeff Sessions, revisou um caso antigo e chegou à conclusão de que ameaças como a violência doméstica e a perseguição e violência de gangues não seriam mais argumentos plausíveis para pessoas se refugiarem nos EUA. Tais violências estão entre as que mais acometem os migrantes da América Central.
Em paralelo, Trump tem utilizado a caravana como argumento político para eleger seus parlamentares nas eleições legislativas dos EUA, que acontecem em duas semanas. As chamadas eleições "midterms" ocorrem na metade do mandato presidencial e renovam 435 cadeiras da Câmara dos Representantes, e 33 das 100 cadeiras do Senado, sendo essenciais para garantir a governabilidade do presidente.
Os parlamentares e representantes do partido Democrata, historicamente mais progressista do que o Republicano (ao qual Trump pertence), estão sendo criticados por seu silêncio em relação à caravana dos migrantes. Ainda não se sabe quando a caravana chegará à fronteira dos EUA e qual o nível da violência que será aplicada contra as famílias.
Na quinta-feira (25), o Departamento de Defesa dos EUA anunciou que o presidente Donald Trump prepara o envio de 800 soldados do Exército para bloquear a entrada dos migrantes.
Para o hondurenho Gilberto Rios, a convocação do Exército por Trump representa uma assimetria "tremendamente desproporcional". "É um absurdo o exército mais poderoso do mundo enfrentar uma caravana de imigrantes descalços", afirmou. Rios destaca que a oposição ao governo hondurenho está advogando para a construção de uma coalização que eleja um novo governo e deponha o atual. Além disso, um fórum mesoamericano de organizações sociais está sendo organizado para demandar a volta da democracia no país.
Já para Carlos Barrientos, a solução virá com o fim da intervenção dos EUA na América Central, e o início do enfrentamento das causas das desigualdades, e não dos próprios migrantes.
"Vimos fotos nas quais crianças de menos de cinco anos foram tratadas como delinquentes por terem acompanhado seus pais. É muito incerta qual será a situação quando chegarem na fronteira. Mas não há muro que barre esse drama humano que vivem milhares de famílias, não há normas, se não será dessa forma, será de outra, porque isso é permanente. Contra a fome não valem os muros, os exércitos, nada, se não simplesmente acabar com as causas que a originou", concluiu.
Edição: Vivian Fernandes