Nesta quinta-feira (25), completam-se 43 anos de um dos episódios que causou maior comoção popular durante a ditadura militar (1964-1985): o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, conhecido como Vlado, nos porões da repressão.
Nascido na Iugoslávia em uma família judia, veio ao Brasil com menos de cinco anos de idade fugindo do nazismo, mas, anos mais tarde, encontrou em nosso país um destino não muito diferente do que poderia significar a permanência na Europa.
Diretor da TV Cultura, Herzog foi alvo de uma campanha na Assembleia Legislativa de São Paulo contra sua gestão à frente do jornalismo televisivo da emissora --um dos parlamentares mais investidos nessa campanha era José Maria Marín, ex-presidente da CBF e, à época, deputado pela Arena, o partido oficial da ditadura.
Sem participação direta em atividades clandestinas, Vlado era ligado ao Partido Comunista Brasileiro, organização que rejeitava a luta armada como método de resistência aos militares. Em 25 de outubro de 1975, se apresentou voluntariamente ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna). Morreu vítima de tortura aos 38 anos.
Oficialmente, a Ditadura anunciou a morte como suicídio. Um ato inter-religioso, unindo cristãos e judeus na Catedral da Sé, foi a primeira grande manifestação pública contra o regime militar após a instauração do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 1968, marcando um novo momento da resistência ao autoritarismo.
O rabino Henry Sobel, então líder da comunidade judaica em São Paulo, rejeitou a versão oficial do Estado brasileiro: ao invés de sepultá-lo em local destinado aos suicidas, de acordo com a fé judaica, o líder religioso alocou o corpo de Herzog no centro do Cemitério Israelita do Butantã. “Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado", declarou Sobel.
Em uma disputa eleitoral que traz o legado da ditadura de volta à tona, o Brasil de Fato conversou com Ivo Herzog, filho do jornalista e integrante do conselho do Instituto que leva seu nome. Para ele, a morte de seu pai aponta para o fato de que “Em um estado de ditadura, totalitário, todos nós passamos a ser alvo”. Preocupado com o desfecho das eleições, afirma que as declarações do candidato Jair Bolsonaro significam uma retomada do período que marcou a vida de sua família.
Brasil de Fato -- A naturalidade com que Bolsonaro evoca a ditadura militar está relacionada à forma pela qual a transição à democracia foi feita?
Ivo Herzog -- Com certeza. Faltou escrever a página dessa história. Faltou inclusive uma autocrítica do governo e das Forças Armadas a respeito desse período. Historicamente, o Brasil não é um país de rupturas nas transições. A não ruptura com a ditadura não deixou claro a questão dos crimes cometidos naquela época e gerou uma série de ilusões sobre aquele período. Houve uma forte repressão, também injustificável, à luta armada. Meu pai não tinha relação com a luta armada. Sua morte representa que a repressão, uma vez iniciada, não tem limites.
Em um estado de ditadura, totalitário, todos nós passamos a ser alvo.
Eu vou e faço uma reunião do meu grupo de teatro e posso ser atacado pelo Estado. Faço reunião do grêmio estudantil da minha escola e posso ser atacado. Coloco uma camiseta mostrando as coisa que penso e posso ser atacado. Por isso que a ditadura é um estado de exceção: perdemos os mecanismos republicanos e democráticos de controle do Estado e de proteção ao cidadão.
Como você vê a retórica de Bolsonaro. Pode a ver dúvidas de que ele retoma o ideário autoritário e pode colocá-lo em prática?
O discurso dele é isso. O que ele falou no domingo passado durante a manifestação na Paulista é absolutamente neste sentido. Um discurso contra as minorias, contra as pessoas que pensam diferente dele. E a "solução" para isso é de forma violenta, agressiva, contra a integridade de cada um de nós.
Do ponto de vista pessoal, como você encara o contexto pelo qual o país está passando?
São 43 anos de luta. 43 anos com uma responsabilidade a partir da tragédia que aconteceu com meu pai. Aos trancos e barrancos, a gente vinha construindo uma sociedade melhor e mais justa. Claro que não da maneira que melhor poderia ser, mas estava indo na direção certa. Agora há a possibilidade de vir um rolo compressor. É muito mais fácil destruir do que construir em todos aspectos da nossa vida. Não é fácil.
Edição: Diego Sartorato