O Facebook removeu, nesta segunda-feira (22), 68 páginas e 43 contas que, juntas, formavam a maior rede de propagação de notícias pró-Bolsonaro na internet. Os donos das páginas faziam parte de um grupo chamado Raposo Fernandes Associados (RFA) e, segundo a rede social, violaram políticas de autenticidade e spam ao criar múltiplas contas falsas com os mesmos nomes para administrar grupos.
"Autenticidade é fundamental para o Facebook, porque acreditamos que as pessoas agem com mais responsabilidade quando usam suas identidades reais no mundo online", disse a empresa, em nota.
O Brasil de Fato já havia mapeado, no início do ano, que as páginas controladas pelo grupo compartilhavam frequentemente notícias falsas, principalmente contra o Partido dos Trabalhadores (PT) -- contexto no qual as entrevistas desta reportagem foram realizadas. Durante a votação do primeiro turno, por exemplo, as páginas da RFA foram responsáveis pela divulgação do boato de que as urnas eletrônicas haviam sido fraudadas.
Entre as principais páginas do grupo estavam: Folha Política -- que conseguiu parte de seus seguidores por ser frequentemente confundida com a editoria de política do jornal Folha de S. Paulo; Movimento Contra a Corrupção (MCC); Apoio a Jair Bolsonaro; Alexandre Frota; Juventude Contra a Corrupção; e a página "Sérgio Moro - O Brasil está com você".
De acordo com o jornalista Leonardo Sakamoto, que pesquisou o tema das fake news como professor visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York, a produção anônima e irrastreável é uma das principais características do fenômeno, uma vez que espalhar boatos é prática comum "desde o início dos tempos". O próprio jornalista já foi vítima diversas vezes das notícias falsas divulgadas pelo RFA.
"Eu mesmo já sofri violência na rua por conta de pessoas que acreditaram em fake news deles. A rede antipetista é um grande distribuidor de conteúdo das páginas de Ernani. Creio que ele faz isso tanto por uma questão financeira, ganha dinheiro com essas páginas, quanto por uma questão político ideológica. Atuou durante anos como um grande formador de opinião, sempre na surdina. A maior parte das pessoas não acha que a Folha Política é uma página que reproduz fake news, por exemplo", disse.
Sakamoto destaca que o endereço da empresa de Ernani estava registrado em local que ninguém responde. "Conheço muitos jornalistas que investigaram o Ernani por muito tempo, mas não conseguia sequer falar com ele", completou.
As páginas da RFA foram criadas em meio aos protestos de junho de 2013, e tiveram como principais impulsionadores sua "cobertura" da Operação Lava Jato e a campanha favorável ao golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016. A empresa que administra o grupo, chamada Novo Brasil Empreendimentos Digitais Ltda, é de propriedade do advogado Ernani Fernandes Barbosa Neto e de Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves. Ernani já trabalhou em projetos com o recém-eleito deputado federal Kim Kataguiri, e também foi parceiro da comunidade virtual conservadora Revoltados Online.
Contatados pelo Brasil de Fato, os responsáveis pelas páginas não responderam ao pedido de entrevista.
Juntas, as páginas do grupo tinham um engajamento online maior do que a de muitos famosos, como Neymar, Anitta e Madonna. Uma investigação realizada pelo jornal Estadão, em parceria com a organização internacional Avaaz, revelou, no dia 12 de outubro, que somente no mês anterior à pesquisa, os endereços alcançaram 12,6 milhões de interações, soma das reações, comentários e compartilhamentos das postagens.
A RFA era mais influente do que o Movimento Brasil Livre, de acordo com um levantamento do Monitor do Debate Político no Meio Digital, dos pesquisadores Márcio Moretto Ribeiro e Pablo Ortellado. Segundo com Moretto, os resultados das análises do Monitor revelam que o principal caldo das fake news é a polarização política no Brasil. "A gente levantou essa hipótese de que as pessoas estão em uma guerra narrativa, e que os fake news eram só um jeito de defender os discursos de uma parte ou de outra", afirmou.
Para André Pasti, coordenador de Tecnologia do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação, a mediação dos algoritmos é responsável pela viralização das fake news. "Eles privilegiam bastante posts pagos, então boa parte dessas páginas que ganharam muito destaque e a gente não tem nenhuma transparência de quem está por trás, conquistaram usuários a partir de uma política de pagamento de posts no próprio Facebook. O desafio de lidar com fake news não pode ser só durante a eleição, porque uma série de posicionamentos hoje consolidados na população foram baseados tanto no imaginário produzido pela mídia tradicional, quanto por essas páginas que impulsionavam conteúdo há muito tempo", disse.
Já na opinião de Rafael Zanatta, jurista e líder do programa de Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o sigilo no código do Facebook interfere diretamente no fenômeno das fake news.
"O que acontece é que as pessoas estão se envolvendo na esfera pública para discutir política por meio de notícias compartilhadas no Facebook. Isso gera uma grande questão sobre a estrutura de funcionamento desta rede social, e as fórmulas matemáticas que ele utiliza para discriminar o que aparece na sua linha do tempo. Porque elas são consideradas segredo industrial para o Facebook. O problema hoje é que o Facebook tem se tornado o Medium da esfera pública, mas não é tratado assim juridicamente. Não há ainda instrumentos jurídicos para fazer com que o Facebook tenha transparência e se comporte como um meio público. Além disso, de que adiantaria criar regras que vinculariam somente o Facebook na hora de filtrar notícias falsas e deixar o Whatsapp, por exemplo, sem nenhum tipo de olhar? Aqui no Brasil, o potencial de disseminação do Whatsapp é muito maior que nos EUA", explicou.
O papel do Whatsapp na disseminação de propagandas pró-Bolsonaro e antipetistas foi denunciado na semana passada pelo jornal a Folha de S.Paulo, que revelou um esquema de Caixa 2 pelo qual diversos empresários brasileiros pagavam planos de compartilhamento e transmissão em massa pelo aplicativo.
Segundo o jornal, cada pacote de disparos em massa custaria cerca de R$ 12 milhões. O Partido dos Trabalhadores entrou com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exigindo a investigação do processo. Na mesma semana, a 10 dias da eleição, o TSE assumiu ter falhado na missão de controlar as fake news, para a qual criou uma equipe especializada neste ano. "Gostaríamos de ter uma solução pronta, mas não temos", afirmou a Ministra Rosa Weber, presidenta do órgão.
Em paralelo, o atraso do Facebook (que hoje também controla o Whatsapp e o Instagram) em criar medidas eficientes para o combate das notícias falsas vem sendo criticado por especialistas e veículos de imprensa em todo o mundo. Em editorial publicado no sábado (20), o jornal The News York Times declarou que as redes sociais deveriam ter a responsabilidade de encarar a desinformação disseminada em seus domínios como um problema sistêmico. Na opinião do jornal, que mencionou as campanhas milionárias contra o PT no Whatsapp, são jornais, pesquisadores e pessoas comuns que têm trabalhado de graça para que as redes sociais e aplicativos retirem o conteúdo falso de suas plataformas.
Edição: Diego Sartorato