A disseminação das chamadas fake news marcaram as eleições deste ano, apesar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se comprometer a combatê-las. Na prática, o TSE teve uma atuação insuficiente. Apenas nesta segunda-feira (15), a menos de duas semanas do segundo turno, o tribunal determinou a exclusão de notícias falsas sobre o ‘kit gay' usadas nas redes sociais de Jair Bolsonaro (PSL) para atacar o candidato Fernando Haddad (PT).
Paulo Rená, advogado e pesquisador do Instituto Beta para Internet e Democracia, aponta que há dificuldade de reduzir as notícias falsas, disseminadas principalmente a partir do WhatsApp, mas que seria possível identificar e punir os responsáveis por criar tais conteúdos.
"Foi consensual nessas eleições de 2018 que não teve um constrangimento na circulação de fake news. Não vimos sanção a nenhum candidato. Nenhuma candidatura teve que explicar qualquer tipo de notícia falsa”, diz.
O pesquisador avalia que seria possível o TSE obrigar os candidatos beneficiados pelas fake news a desmentir as notícias. “Isso poderia frear seu eleitorado a produzir, porque o candidato gastaria parte de seu tempo falando em benefício de outro candidato [que foi prejudicado pela notícia falsa]”.
André Pasti, integrante do Intervozes, lembra que o TSE mandou remover as primeiras fake news, 35 notícias que atacavam Haddad, na véspera do primeiro turno.
“Isso foi muito pouco diante do problema estrutural que passou pelo primeiro turno. O TSE também não deu nenhum indicativo sobre as campanhas que estão ativamente produzindo notícias falsas ou difundido inclusive notícias e questionamentos sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro e dizendo que não vão nem reconhecer o resultado”, critica, em referência ao candidato do PSL que afirmou que não aceitaria o resultado das eleições caso não seja eleito.
Perfis oficiais da família Bolsonaro
Ao contrário do WhatsApp, onde o rastreamento da origem da informação é mais difícil, as contas oficiais de políticos no Twitter e Facebook são fáceis de verificar.
André Pasti entende que a responsabilidade da população que compartilha notícias falsas é diferente de quem participa do processo eleitoral e critica o TSE por não responsabilizar as candidaturas que divulgam ativamente desinformação.
“No dia do primeiro turno, vários candidatos da família Bolsonaro estavam incentivando inclusive o descumprimento da lei eleitoral, pedindo para os eleitores gravassem os votos e afirmando que tudo seria fraude. Esse clima que está sendo gerado na eleição por candidaturas oficiais tem que ser repreendido e combatido pelo TSE”.
Em suas contas oficiais no twitter, a família Bolsonaro defendeu diversas vezes que as urnas eletrônicas não seriam confiáveis.
Eduardo Bolsonaro pediu aos apoiadores para filmarem o momento de votação como forma de fazer uma suposta fiscalização contra fraudes. O ato é proibido pela Justiça Eleitoral.
Durante o primeiro turno, circularam nas redes vídeos no qual o eleitor digitava o número "1" na urna e ela automaticamente registrava o número do candidato petista. Eduardo chegou a afirmar que as supostas urnas fraudadas prejudicariam exclusivamente seu pai. O TSE já divulgou que os vídeos eram falsos.
Outro exemplo de mentira divulgada no perfil oficial de Eduardo e Jair Bolsonaro foi a publicação de uma imagem do grupo do Facebook Mulheres Contra Bolsonaro quando havia sido hackeado, setembro, e o nome modificado para Mulheres com Bolsonaro.
Ambos afirmaram que o grupo foi criado por mulheres apoiadoras ao candidato do PSL.
Consumo crítico de notícias
O integrante do Intervozes André Pasti lembra que a desinformação, especialmente no período eleitoral, não é uma novidade e afirma que a mídia empresarial atuou com conteúdos de desinformação em anos anteriores. Pasti pontua que a novidade são empresas especializadas em produzir e difundir notícias falsas.
"É um desafio ainda pendente compreender quais as origens e mecanismos de produção dessas notícias [falsas] e o quão coordenados elas estão com as campanhas. Me parece que o TSE deveria investigar nessa direção. Fazer investigação rápida sobre vinculação de algumas fábricas de notícias falsas com as campanhas eleitorais”, defende.
Pasti avalia que um problema histórico é a falta de educação crítica da mídia para os brasileiros, o que leva muitos a não questionar as informações que recebem.
“Nosso problema de comunicação não se resolve só combatendo notícias falsas nesse contexto mais recente dos grupos de WhatsApp. Temos que pensar em um sistema de comunicação que seja mais plural e também em ter políticas públicas para educação crítica para a mídia.”
Paulo Rená também concorda que a melhor forma de evitar a circulação de fake news é com abordagem crítica no consumo de notícias, o que escapa ao controle do TSE.
“No entanto, acho que não caberia ao TSE fazer restrições do WhatsApp especificamente, mas poderia se utilizar desse instrumento para saber como as notícias foram geradas. Se está circulando um link [no Whatsapp] é possível analisar em qual endereço está aquele conteúdo e ir atrás de quem é a pessoa responsável pela produção daquele conteúdo”, exemplifica o pesquisador.
A promessa de Fux
Em junho, o então ministro do TSE Luiz Fux afirmou que o Tribunal teria uma estratégia para combater as fake news nas eleições. Fux chegou a criar uma comissão para combater as notícias falsas, mas a estratégia se mostrou insuficiente.
“O ponto é que hoje verificamos essa inação por parte do TSE. Ao mesmo tempo em que muito foi dito, pouco foi de fato alcançado”, sintetiza Rená.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira