Evangélicos por todo o país estão se posicionando em apoio à candidatura de Fernando Haddad (PT), contra as propostas e discurso de Jair Bolsonaro (PSL). O movimento acontece em oposição ao senso comum de que a comunidade evangélica necessariamente compartilha de valores conservadores e preconceituosos trazidos pelo capitão reformado do Exército. Para esses fiéis e lideranças cristãs protestantes, o discurso de Bolsonaro incita a violência e é diretamente oposto ao que é pregado pelo evangelho.
Grupos como a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, o "O Amor Vence o Ódio", e "Evangélicos Contra Bolsonaro", assim como religiosos autônomos, estão se opondo ao apoio de grandes igrejas neopentecostais como a Universal do Reino de Deus (IURD) e a Assembleia de Deus, cujas lideranças não apenas declararam voto em Bolsonaro, mas têm feito propaganda e pressão para que seus fiéis também votem no deputado federal.
No dia 1º de outubro, o Pastor José Wellington da Assembleia de Deus aproveitou a comemoração de seu aniversário de 84 anos, na maior sede da igreja, localizada no Belém, zona leste de São Paulo, para pedir para milhares de fiéis o voto em Bolsonaro. Já o Pastor Edir Macedo, da IURD e dono da Record TV, utilizou a emissora para veicular uma entrevista exclusiva com o candidato do PSL durante o debate presidencial na Rede Globo.
Para Heber Rocha Farias, vendedor e membro da Igreja Batista da Água Branca (IBAB), o evangelho deixa claro que não existe "senhores entre os irmãos", mas as igrejas fundamentalistas investem na manipulação pelo poder das lideranças, seja na Igreja ou na na televisão.
"A partir de um certo ponto, tudo que eles falam não passa por reflexão, mas vira palavra de ordem. Declaram de cima do púlpito, um espaço de poder, que os fiéis precisam votar no 17", afirmou.
Farias conta ainda que tem sofrido preconceito dentro da comunidade evangélica por conta de suas posições políticas."Claro que já existiram outros momentos pontualmente diferentes, mas na nossa geração, é um dos pontos mais críticos que vivemos de violência psicológica. Nossa opção política no momento está sendo transfigurada para um campo espiritual como se fôssemos pessoas endemoniadas, é o que mais escutamos. Que cristãos de esquerda ou são anti-cristãos, ou perderam a fé", reiterou.
Segundo o pastor Henrique Vieira, da Igreja Batista do Caminho, em Niterói (RJ), algumas igrejas têm, inclusive, feito caravanas para o Nordeste com o objetivo de convencer os evangélicos a não votarem no PT.
"Eles dizem que falam em nome de Deus, reivindicam para eles esse lugar, então você precisa ir na igreja deles para ser abençoado. Eu já fui um adolescente formado nessa mentalidade, de achar que questionar o pastor é questionar o próprio Deus. Então a palavra do pastor tem muita influência, então deveria ter mais responsabilidade. Na medida em que eu encontrava no Evangelho um Cristo comprometido com os pobres, que denunciou as injustiças, preso, torturado, executado pelo Estado, toda sua vida teve implicação política, então minha militância política foi fruto do meu encontro com o Evangelho. Se eu sigo alguém que teve o compromisso com as pessoas, não posso ficar em silêncio diante das injustiças do meu tempo", afirmou.
Resposta fácil
Na opinião de Vieira, os votos em Bolsonaro representam uma resposta profunda à desigualdade, violência e miséria. A última pesquisa eleitoral, realizada nesta sexta-feira (19) pelo instituto Vox Populi em conjunto com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) mostrou que Bolsonaro tem 53% das intenções de votos válidos, contra 47% de Haddad, uma queda de seis pontos percentuais em relação às pesquisas anteriores.
"Muitas vezes o fundamentalismo é a resposta mais objetiva e fácil para os problemas complexos da vida. A vida é difícil para o povo, acordar cedo, ficar no trânsito, ter que escolher entre remédio e aluguel. Às vezes uma narrativa que dá uma resposta rápida é encantadora. Mas Bolsonaro tem a ver com uma coisa que nenhum cristão de verdade gosta: violência e ódio. O que ele fala, estimula homem a bater em mulher, estimula criança a sofrer bullying na escola, faz com que pessoas cometam violência nas ruas, e o povo de Deus não gosta disso", disse.
O pastor Henrique Vieira participou, na última quarta-feira (17) de um ato com Haddad, em um hotel no centro de São Paulo. O evento reuniu mais de 200 lideranças evangélicas e teve como objetivo desmentir as fake news difundidas contra o petista no meio religioso. No evento, Haddad distribuiu uma Carta Aberta o Povo de Deus, na qual conta sua experiência religiosa. Entre uma das principais lideranças do evento estava o pastor Ariovaldo Ramos, um dos fundadores da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Em entrevista, ele contou que a organização cresce a cada dia, se espalhando por todo o país.
"A gente parte de uma presunção de que eles estão sendo enganados, por uma liderança mal informada, ou também mal intencionada. O fiel está sendo desviado da fé evangélica. A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito é apartidária. Se Haddad estivesse enfrentando qualquer um dos outros proponentes, nós teríamos nos recolhido à posição de cidadãos, assistindo e tomando nossas decisões particulares. Só que o adversário dele é uma pessoa que propõe o discurso nazista, que a humanidade rejeitou. É absurdo um sujeito se propor supremo mandatário da nação e dizer que apoia a tortura, é um crime contra a humanidade", denunciou.
Para a estudante de Direito Victoria Gama, uma das lideranças jovens da IBAB, a esquerda está começando a aprender como acolher a comunidade evangélica. Na opinião dela, cada vez mais evangélicos se identificarão com esse campo político.
"A esquerda, de modo geral, está entendendo que ser evangélico tem muito mais a ver com ser de esquerda do que ser de direita, faz muito mais sentido. Temos que pegar todo o pessoal que sofreu com muito conservadorismo dentro da Igreja e está cansado disso, ou que se assumiu LGBT, mas ainda cultiva a crença e pode ser abraçado como parte da esquerda. Eu fico muito triste [com o apoio dos evangélicos à Bolsonaro], ataca o meu coração e vai muito contra tudo que eu aprendi e tudo que eu entendo que Jesus quer para a gente, que ele ensinou quando estava aqui", afirmou.
Na opinião da estudante, é "dever" dos evangélicos "não deixar um discurso mentiroso e descontextualizado ser usado por pessoas que se dizem evangélicas".
"Essa eleição me assusta muito, me tira o sono. Eu sei que enquanto mulher, de esquerda, vou sofrer com isso, porque minha tendência não é ficar calada, nem no futuro, independente do contexto. E as pessoas que tem voz vão ficar caladas nesse governo", lamentou.
Dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o Brasil segue sendo a maior nação cristã do mundo. No entanto, a tendência da redução do número de católicos e expansão das correntes evangélicas já era observada há oito anos, alcançando 22,2% da população. Em paralelo, a Bancada Evangélica no Congresso alcançou, após o primeiro turno dessas eleições, 91 deputados federais, crescendo em relação ao último pleito, quando 75 seguidores da doutrina foram eleitos, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Para Henrique Vieira, existem duas formas de relação entre a religião e política, sendo uma delas legítima , e a outra, "absurda, desonesta e violenta".
"Você pegar a doutrina e tentar impor ao conjunto da sociedade, Jesus não faria isso. Tem uma parcela de lideranças religiosas que usam a linguagem religiosa para buscar poder, dinheiro, o Deus dele é o próprio bolso e a própria imagem. Agora, tem uma relação que é saudável, que é quando a religião te inspira e te faz pensar na dor do outro, te lembra que a natureza é um bem comum, que a terra é uma dádiva e a alimentação é um bem sagrado, daí você não está preocupado em um projeto de poder, e sim em servir as pessoas e, a partir da sua fé, ajudar o mundo a ser melhor", opinou. Vieira destaca ainda que acredita na possibilidade de uma virada eleitoral. "Eu creio que tem volta porque crer é uma exigência ética para mim, eu tenho que crer", completou.
Já para o pastor Ariovaldo Ramos, a saída, mesmo para evangélicos, continua sendo a resistência.
"Quando sai o escândalo de Caixa 2 de Bolsonaro e vemos que há milionários mentindo descaradamente, sustentando a mentira, e dizendo que é democracia, isso é abjeto e imoral, e nós temos que resistir. A nossa resistência é a de quem propõe o arrependimento e a conversão, mas que toma a postura de não deixá-los passar. É a postura da resistência de Luther King, de Gandhi, não passarão. Vamos denunciar os falsos pastores, a manipulação dos fiéis e da Bíblia. Isso ofende nossa fé, nosso Deus e a humanidade", concluiu.
Nesta quinta-feira (18), cristãos e cristãs caminharam em um ato pela Democracia realizado no Rio de Janeiro. Blocos evangélicos e cristãos estão sendo organizados para um grande ato nacional #Elenão neste sábado (19).
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira