Desde que a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos públicos pelos próximos 20 anos, foi aprovada em 2016 pelo presidente Michel Temer, especialistas têm alertado sobre as graves consequências da medida para o país, principalmente nas áreas de saúde e educação.
Para Heleno Manoel Gomes Araújo, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o teto de gastos instituído no governo Temer representa o pensamento mercadológico de educação de uma grande parte dos parlamentares brasileiros, incluindo o então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). As consequências disso serão sentidas por todos os campos de pesquisa acadêmica, assim como pela sociedade.
"É aquela lógica de que tudo que for investimento para área social é gasto, são coisas desnecessárias. São governos, que vai de MDB ao PSL lá, que tem sua composição à extrema direita, que trabalham para uma elite, uma parte da sociedade totalmente ligada à questão do mercado. Então tendo este aspecto político, essa característica de governo, de pensamento, pra eles, é fácil enviar uma emenda constitucional que pode reduzir os investimentos sociais. E aí eles falam de congelar, de só gastar o que arrecada pra poder equilibrar, mas na verdade é reduzir ano a ano até 2036 os investimentos nas áreas sociais", analisa Araújo.
Entre as diversas áreas afetadas está a educação pública e com ela o Plano Nacional de Educação, lei sancionada em 2014 que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional do país dos próximos dez anos.
O Teto de Gastos já vem trazendo consequências negativas para a área. Uma delas é o corte no Ciências Sem Fronteiras, principal programa de intercâmbio em graduação e pós-graduação brasileiro. A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) também quase sofreu cortes no orçamento de 2019 para bolsas de pesquisa. A entidade chegou a soltar um documento em agosto alertando sobre os riscos da decisão para o desenvolvimento da ciência.
A situação ainda pode piorar dependendo do resultado das eleições. O consultor em educação de Bolsonaro, Stavros Xanthopoylos, declarou na última semana que, em um eventual governo do candidato do PSL, as pesquisas universitárias terão os critérios de financiamento revistos, com prioridade de investimento para as áreas que não sejam de humanidades. De acordo com a declarações dadas para o jornal O Globo, as ciências humanas não teriam “significância para o desenvolvimento científico do país”. Para Heleno a declaração representa uma continuação da precarização iniciada no governo Temer.
“Dentro da educação, na cabeça deles, é pior ainda essa área da pesquisa. A pesquisa tem que ser importante para a indústria, para o mercado, na cabeça deles. Ao dizer que vai redirecionar recursos vai na lógica de que, como tem que reduzir recursos, como tem que manter a Emenda 95, os recursos que existem vamos dar um foco. Vamos redirecionar para aquilo que seja efetivo”.
Adriana Facina, doutora em Antropologia Social, explica porque é um grave equívoco considerar que pesquisas na área de humanas não são efetivas para o desenvolvimento de um país. Ela afirma que a produção de tecnologia inovadora de ponta requer raciocínio crítico e conhecimento de contextos históricos de onde essas tecnologias vão atuar. Neste sentido, é impossível se pensar em ciência e tecnologia sem se pensar em humanidades.
“Há uma campanha, vamos dizer assim, muito por setores conservadores e neo conservadores no sentido de associar conhecimento válido à conhecimento com utilizada prática e imediata. Só que isso não leva em consideração que mesmo quando a gente está falando das ciências chamadas "hard", as ciências duras, você, para descobrir algo que tenha utilidade prática, quanto você não tem que dedicar à especulação, divagação, tentativas e hipóteses que muitas vezes não dão em nada. E fazer isso, estimular o pensamento livre, está relacionado a uma concepção de ciência que inclui as humanidades", critica Facina.
Facina ainda ressalta o risco de dependência econômica que o Brasil corre caso as pesquisas em área de humanas recebam menos investimentos. Ao não produzir ciência, a tendência é de reproduzirmos e importarmos conhecimentos de outros países, o que acarreta em posição subalterna diante das outras nações. A antropóloga também comenta o porquê as ciências humanas são frequentemente vistas de forma negativa pela sociedade:
“As ciências sociais são perigosas para formas politicas autoritárias e como essas formas politicas são constantes na nossa história, evidentemente estimular as humanidades nunca foi prioridade de políticas públicas de educação ou ciência e tecnologia. Quanto mais autoritários os governos, quanto mais o poder se dá pelo exercício da força, menos o pensamento critico é bem vindo, seja ele de que orientação ideológica for”, conclui a antropóloga.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira