Reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo nesta quinta-feira (18), que revelou mega esquema de caixa 2 para promover a campanha de Jair Bolsonaro (PSL) e espalhar notícias falsas contra o PT no aplicativo de mensagens Whatsapp, rapidamente se tornou o assunto mais comentado na reta final do segundo turno das eleições. De acordo com o jornal, empresários teriam financiado ilegalmente o pagamento do serviço por um valor de até R$ 12 milhões não declarados à Justiça Eleitoral.
Na noite do mesmo dia, o telejornal de maior audiência no país, o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, não só deixou de noticiar o tema com profundidade, como somente o mencionou usando o tempo de agenda do outro candidato, Fernando Haddad (PT), para abordar o assunto.
Para Renata Mielli, coordenadora Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, trata-se de uma prática que fere o direito à informação.
“No jornalismo, a gente fala em ‘censura privada’, ou seja, a seleção que as emissoras fazem daquilo que elas consideram que deve ser notícia ou não, a depender da forma como essas decisões são tomadas, pode ser encarada como censura. Não foram só os trend topics do Twitter ou as redes sociais, foram os jornais no mundo inteiro. The Guardian, Le Monde, The New York Times, para citar alguns, deram como manchete o escândalo envolvendo caixa dois na campanha de Jair Bolsonaro para disparo de mensagens via Whastapp. Isso é um escândalo jornalístico porque se trata da omissão de um fato que ganhou o mundo”.
O sociólogo e professor de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília Venício Lima é um estudioso sobre o papel da Rede Globo de Televisão na legitimação do golpe de Estado em 1964 e na manutenção do regime totalitário durante mais de 20 anos. Para ele, a prática da maior empresa de comunicação do país caminha no mesmo sentido de há 54 anos, embora com novas nuances.
“Esse comportamento da Globo é um comportamento padrão. A Globo omite aquilo que não interessa a ela divulgar. Então me parece que agora há uma diferença em relação a 64, que naquela época havia uma oposição explícita, o Grupo Globo fazia parte de uma articulação explícita de oposição, com editoriais, com programas de rádio, com posição muito clara de cobertura política, e agora isso é disfarçado pela omissão e pela máscara de que o processo democrático está correndo normalmente”.
O professor lembra o editorial lançado pelo Grupo Globo em 2013, no qual reconhecia “o erro de haver apoiado o golpe de 1964”. “É preciso ver com atenção porque a autocrítica da Globo, além de tardia, foi parcial, porque ela admite o apoio ao golpe [de 1964] mas ela omite que o seu apoio foi muito além do apoio ao golpe, ele foi uma constante de apoio ao regime. A Globo apoiou o regime militar enquanto ele existiu, não foi só um apoio ao golpe. No caso da Globo, ela foi o sustentáculo fundamental do regime. O Grupo Globo foi o porta-voz do regime militar, legitimava o regime militar”.
Por fim, Lima destaca que o comportamento do Grupo Globo, seja em 1964 ou durante os últimos anos desde o golpe de 2016, obedecem a interesses econômicos opostos aos princípios democráticos.
“A questão da omissão de informação por parte especificamente do Grupo Globo no que se refere a esse uso de caixa dois e as distorções que são provocadas pela massiva veiculação de mensagens, tudo indica que boa parte delas falsas, através do fake news, a omissão disso é uma forma velada, porque a omissão disfarça uma posição, simplesmente ignora o que está acontecendo, dentro de uma perspectiva de interesses, porque se não está lá é porque interessa que não esteja; não é uma coisa tão explícita como foi em 64, é uma coisa disfarçada”.
Sob tutela militar
Renata Mielli chama a atenção para a indiferença da Justiça Eleitoral sobre a já preanunciada estratégia de uso de informações falsas, as chamadas fake news, com fins de manipulação da opinião pública. Ela lembra que as organizações ligadas ao tema das comunicações se opuseram à criação de um grupo de trabalho que teria, segundo ela, hegemonia de setores militares.
“No final do ano passado, o TSE anunciou que queria criar um grupo de trabalho para combater as fake news. O movimento da democratização da comunicação, o movimento em defesa da internet livre denunciou a iniciativa do TSE porque esse grupo de trabalho era constituído majoritariamente por representantes de forças de repressão. Era a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], a Polícia Federal, o GSI [Gabinete de Segurança Institucional], o Exército. Era um aparato claramente repressivo, militarizado, para discutir disseminação de notícias falsas. Não havia praticamente nenhum especialista na área da comunicação, nenhum especialista na área de tecnologia, ninguém dos movimentos sociais, os partidos políticos não foram chamados”.
E faz um grave alerta sobre a tutela militar sobre o Judiciário em pleno processo eleitoral, no qual o vice de um dos principais candidatos é alta patente das Forças Armadas.
“Hoje nós teríamos uma coletiva de imprensa no TSE e quem estaria lá ao lado da ministra Rosa Weber, que hoje preside o TSE? O general [Sérgio] Etchegoyen. Quer dizer: um general e uma ministra do TSE na mesma mesa para prestar contas à sociedade sobre a disseminação de fake news. Ora, um general das Forças Armadas? Pois um general das Forças Armadas está como vice na chapa de Jair Bolsonaro. E eu me pergunto: qual a isenção das Forças Armadas para julgar qualquer coisa nessa eleição? Porque o TSE está tutelado pelo Exército para discutir como combater fake news? Nós denunciamos isso no ano passado. E o que nós estamos vendo é cada vez mais se constituir no Brasil um regime militar-civil que não sabemos onde vai dar”.
A entrevista coletiva convocada pelo TSE na tarde desta sexta-feira (19) foi adiada para o domingo (21), sob a justificativa de incompatibilidade de agenda de autoridades que participariam da atividade. Também nesta sexta, a rede social Whatsapp decidiu banir do aplicativo as contas responsáveis pela disseminação de notícias falsas, entre elas, do filho de Jair Bolsonaro e senador eleito pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Rede Globo para pedir à emissora um posicionamento sobre o assunto, mas ainda não recebeu resposta.
Edição: Diego Sartorato