Ana Carina Silva viu seu parreiral de um hectare diminuir quase pela metade nos últimos dois anos, depois que o programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para Reforma Agrária sofreu cortes drásticos no Orçamento da União e foi suspenso no Rio Grande do Sul. Desde 2001, ela recebia apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) para criar animais e produzir alimentos orgânicos em Piratini, na região Sul.
Em 2017, Ana perdeu 40% da produção de uva por falta de assistência técnica. A assentada diz que este ano terá prejuízo em 30% do parreiral por não conseguir manejá-lo adequadamente. “A Emater ensinaria a podar da forma correta, mas não deu tempo. Teve pé que deu peste e morreu, e tem partes que não vão dar nada. Depois que perdemos assistência técnica, tudo ficou prejudicado”, lamenta.
O caso de Ana não é isolado. Os cortes no Orçamento da União para Ater comprometem o desenvolvimento de áreas da Reforma Agrária em todo o país. A omissão do governo causa fragilidades às famílias, que não têm condições de contratar serviço particular de assistência. Isso dificulta o encaminhamento de projetos, diminui a produção e a renda.
Em 2014, 365 mil famílias assentadas recebiam assistência técnica. Até setembro deste ano, somente 32 mil foram beneficiadas. Conforme a bancada federal do PT, em 2014 Dilma Rousseff designou R$ 356,8 milhões para Ater em assentamentos. Em 2018 Michel Temer diminuiu para R$ 19,7 milhões, mesmo valor que propôs no Orçamento de 2019. Porém, as famílias gaúchas, pelo segundo ano consecutivo, não serão contempladas.
Desmonte de políticas públicas ano após ano
Investimento zero no RS
Cerca de 13 mil famílias vivem em 327 assentamentos em 91 municípios. Dessas, 11.240 recebiam assistência técnica de três empresas contratadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra): Emater, Cooperativa de Trabalho em Serviços Técnicos (Coptec) e Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap).
Os problemas começaram em 2016. Em setembro de 2017, o Incra suspendeu o programa no RS e encerrou, em janeiro de 2018, os contratos com as prestadoras – a chamada pública iria até janeiro de 2019. Isso resultou em demissão ou realocação de funcionários, precarização do serviço e fim da assistência técnica à maioria dos assentamentos. Nos últimos dez anos, mais de R$ 98 milhões foram destinados à Ater no estado. Hoje, o investimento é zero.
Acúmulo interrompido
A Coptec atendia 5.939 famílias em 296 assentamentos em 34 municípios. A suspensão dos contratos gerou o desligamento de 73 técnicos, que faziam visitas às famílias ao menos duas vezes ao ano. “Disseram que não havia mais recursos para assistência técnica, nem previsão orçamentária”, recorda Álvaro Delatorre, presidente da cooperativa.
O Cetap deixou de atender 334 famílias de 12 assentamentos em 10 municípios. A equipe de cinco técnicos foi reduzida a três e atende hoje 10 famílias assentadas em Vacaria, na região Nordeste, via projeto Rural Sustentável. “Os técnicos registravam as atividades sociais, ambientais e produtivas, promoviam ações coletivas e sistematizavam experiências agroecológicas para melhorar a realidade dos assentamentos. Esse acúmulo foi interrompido por interesses políticos”, declara Mario Gusson, presidente do Centro.
Só demandas pontuais
A Emater atendida 4.957 famílias em 269 assentamentos em 42 municípios. Claudio Aguiar, coordenador do Programa de Reforma Agrária da entidade, lembra que a assistência técnica no RS já esteve entre as melhores no país. Hoje o cenário é outro. Os técnicos que trabalhavam em áreas da Reforma Agrária passaram a atender agricultores familiares. A Emater, em parceria com municípios, atende assentamentos somente sob demandas pontuais das famílias, do Incra e governo do estado.
O que dizem o Incra e o MST
O Incra Nacional informou ao Brasil de Fato que “reconhece a importância da assistência técnica para as famílias beneficiárias da Reforma Agrária e tem buscado junto aos órgãos do governo federal a ampliação de recursos no Orçamento da União para continuidade do suporte técnico aos agricultores assentados”.
Para agilizar uma solução, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou nos últimos anos inúmeras mobilizações, como ocupações de latifúndios, superintendências do Incra e ministérios de Temer. Diante da negativa do governo, as famílias resistem e algumas têm ajuda técnica de camponeses que se formaram em escolas do Movimento. “Em tempos de golpe não há conquistas imediatas, porém continuaremos produzindo, resistindo e cuidando dos nossos territórios”, afirma Silvia Marques, dirigente nacional do MST.
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 6) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.
Edição: Marcelo Ferreira