A desmilitarização das polícias, a unificação das corporações e o combate ao extermínio da população negra e pobre do país são algumas das principais bandeiras de luta do Movimento de Policiais Antifascismo. Agora, os policiais antifascismo também estão se posicionando contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL).
O grupo reúne centenas de policiais civis e militares, bombeiros, agentes penitenciários e guardas municipais, entre outros trabalhadores da área de segurança pública.
Desde o ano passado, quando ocorreu o primeiro seminário nacional do movimento, o grupo atua para desconstruir o discurso de que há uma guerra contra o crime que faz necessária a adoção de políticas baseadas na repressão armada, como as propostas no programa de governo do candidato do PSL.
O programa de Bolsonaro se aproveita do populismo e do sensacionalismo para atrair a simpatia dos policiais. No capítulo "A Guerra no Brasil Será Vencida! Nossos Heróis Serão Lembrados!", que discorre sobre a questão da segurança pública, o programa de governo cita o número de policiais mortos, em 2016 e 2017, e diz que será criado um "Panteão da Pátria e Liberdade" para homenagear e lembrar os nomes dos policiais mortos. No entanto, não existe uma proposta fundamentada de melhoria nas condições de trabalho e progressão de carreira para a categoria.
De forma vaga, o programa fala de investimento em equipamentos e tecnologia; em liberar o porte de arma para que o cidadão tenha direito 'à legítima defesa' e que "no exercício de sua atividade profissional [o policial] será protegido por uma retaguarda jurídica".
Por outro lado o manifesto do policiais antifascistas, rebate com veemência a ideia no bojo do programa do Bolsonaro. "Não estamos em guerra! Qualquer tentativa midiático-policial de construir tal discurso como política pública tem por objetivo legitimar as políticas racistas de massacre promovidas pelo Estado contra a população negra, pobre e periférica de nosso país. Tal política belicista acaba também por vitimar policiais, que operam na base das corporações do sistema de segurança, recrutados nos mesmos estratos sociais daqueles que são construídos como os seus 'inimigos'", diz um trecho do documento.
Confira a entrevista exclusiva do Brasil de Fato com o delegado Orlando Zaccone, do grupo de policiais antifascismo.
Brasil de Fato -- Como surgiu o grupo de policiais antifascismo?
Orlando Zaccone -- Surgiu a partir de um convite que recebi de um grupo de policiais civis, militares e bombeiros, que estão organizados na Bahia, chamado coletivo Sankofa. Eles têm atuação política na Bahia buscando um modelo de Segurança Pública que contemple o policial como um trabalhador. E a aproximação deste policial trabalhador com a [luta] dos demais trabalhadores.
Como eles te encontraram?
Eles leram um artigo escrito por mim criticando a estrutura da Polícia Civil onde o delegado, um cargo de ingresso separado das demais carreiras, já chega mandando na instituição sem ter a vivência das práticas da polícia.
A alternativa seria então a carreira única. Como é essa proposta?
A carreira única significa que os policiais que ingressam na base da policia militar ou civil possam chegar no comando das corporações, coisa que hoje não acontece. Os agentes da polícia civil nunca chegarão a dirigir a instituição, porque quem comanda a instituição são os delegados, que têm um concurso separado. Na policia militar, o concurso dos oficiais é separado do concurso dos praças.
Como era formação política dos policiais que participavam do grupo Sankofa?
Haviam muito policiais ali comprometidos com a luta antifascismo, porque eram policiais do campo progressista, eram policiais que já tinham vivência em movimentos populares, movimento negro, movimento estudantil. Juntando alguns policiais de outros estados iniciamos o movimento pela rede social.
Como é o movimento de policiais antifascimo?
O movimento dos policiais antifascistas é um movimento de policiais que se identificam com os nossos princípios que estão publicados no nosso manifesto. Nosso movimento é suprapartidário. Temos policiais de muitos partidos, do PSOL, do PT , do PCB, do PCdoB, mas temos, principalmente, policiais que não estão filiados a nenhum partido, mas que entendem que a nossa causa é importante. É necessário que o policial se construa como trabalhador para que ele saia deste sistema onde ele é oprimido para cumprir funções que são decididas pelo poder político corrompido.
Os policiais, de modo geral, participam das decisões sobre política de segurança?
Os policiais da base não discutem a política de segurança. Ela é feita pelo poder político dialogando só com aquelas castas que estão no comando das policias, sejam delegados ou comandantes da Polícia Militar.
Quantos policias estão envolvidos com o grupo?
Temos de 500 a 1.000 policiais que estão seguindo o grupo e participando das atividades pelas redes sociais. Fizemos dois seminários. O primeiro na OAB-RJ [Ordem dos Advogados do brasil do Rio de Janeiro] no ano passado. No início de março, fizemos o segundo no Fórum Social Mundial em Salvador.
Vocês vão participar dos atos contra o Bolsonaro?
Queremos ser mais um grupo na luta contra a fascismo e contra o projeto que é representado pela família Bolsonaro, que é um projeto muito mais amplo. Ele estava sendo gestado por discursos de ódio no nosso país, muita das vezes reforçado por setores da mídia, pelo empresariado. E o ovo da serpente foi crescendo. O Bolsonaro e o seu clã nada mais é que a serpente que surge desta gestação.
Quais são os exemplos deste sistema fascista?
A luta antifascista hoje no Brasil e no mundo tem representado um campo de resistência muito grande a um projeto de intolerância, de extermínio de setores da nossa população para a garantia da saúde e prosperidade do restante. Seja no extermínio de refugiados na Europa, de extermínio de palestinos pobres na Faixa de Gaza. E no projeto que temos aqui no Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro, de extermínio de parte significativa da nossa população negra e pobre, favelada e periférica, que os números revelam.
O Bolsonaro personifica isso?
Esse projeto fascista não é algo que saiu da cabeça do Bolsonaro. O Bolsonaro vai personificar algo que já estava no ambiente social, mas agora com um perigo muito maior, que é o perigo de você legitimar, dar formatação legal, para todo este extermínio. Coisa que já está acontecendo com o arquivamento dos autos de resistência, porque o poder jurídico já vem participando deste extermínio há muito tempo.
E qual o risco para a população se o Bolsonaro for eleito?
É um candidato que literalmente coloca como seu plano e programa de governo o extermínio de parcela da população. Isso ele fala em vários momentos. Então, estamos na esperança de construir junto com outros setores da sociedade, principalmente as mulheres, que têm levado a linha de frente nesta resistência. Temos que enfrentar essa proposta.
Edição: Diego Sartorato