Embora representem 23,9% da população brasileira, conforme o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as 45 milhões de pessoas que vivem algum tipo de deficiência (visual, auditiva, motora, mental, física e múltipla) são pouco contempladas nas propostas dos candidatos e sequer são citadas nos debates eleitorais.
Dos 13 programas de candidatos à Presidência da República, cinco nem mencionam a questão: Jair Bolsonaro (PSL), Henrique Meirelles (MDB), João Amoedo (Novo), Álvaro Dias (Podemos) e Vera Lucia (PSTU).
Propostas
Outros apontam propostas genéricas. O presidenciável Cabo Daciolo (Patriotas) propõe tornar 100% das escolas acessíveis até 2022 e, através da gestão de pessoal, “assegurar condições mais favoráveis ao aprendizado”, aos estudantes com deficiência. Ciro Gomes (PDT) pontua que vai garantir a implementação da Lei Brasileira de Inclusão, promover ações intersetoriais e a eliminação de restrições à mobilidade. Eymael (DC) diz apenas que irá assegurar à pessoa com deficiência o pleno exercício de seus direitos de cidadão.
Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo, estado que tem de barreiras arquitetônicas a salas de aulas superlotadas, para ficar somente num pedaço da infraestrutura de educação, diz que irá "zelar pelo cumprimento dos dispositivos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e promover sua regulamentação”.
O programa do candidato João Goulart (PPL) fala genericamente em combate à discriminação contra as pessoas com deficiência, dentre outros grupos marginalizados e ponto. E Marina Silva (Rede) centra sua proposta na fiscalização da lei de cotas, ampliação de cursos profissionalizantes para pessoas com deficiência e o fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Os programas com propostas mais consistentes são encontradas das candidaturas de Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT). Boulos propõe a mudança da base do cálculo do Benefício de Prestação Continuada (BPC), devido a pessoas com deficiência e idosos da renda per capta de 1/4 do salário mínimo para 1/2 salário mínimo.
Também detalha as atribuições da Secretaria da Pessoa com Deficiência e defende uma pessoa com deficiência no comando da pasta. Entretanto, com o subfinanciamento em políticas sociais, agravados pelo congelamento dos investimentos por 20 anos da Emenda Constitucional 95 de Michel Temer, o programa deixa uma lacuna sobre a viabilidade.
Continuidade
O candidato petista, por sua vez, é taxativo sobre a imediata revogação da Emenda Constitucional (EC) 95. O presidenciável propõe para as pessoas com deficiência a retomada do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver Sem Limite, de 2011, que envolvia 15 ministérios e a participação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Também aponta a valorização do esporte paraolímpico e a inclusão das pessoas com deficiência no Programa Emergencial de Emprego.
Na avaliação da sanitarista e professora universitária no curso de Odontologia da USP, Ana Estela Haddad, que integrou por nove anos o governo Federal, nas pastas de Saúde e Educação, a revogação da EC 95 é central para viabilidade das políticas sociais.
"Uma questão importante para garantir que as propostas, que o plano de saúde da candidatura Haddad possa ser implementado, é a revogação do teto de gastos que foi imposto pela Emenda Constitucional 95. Isso colocou um limite para os gastos em saúde e educação, para os próximos 20 anos, e isso inviabiliza uma série de medidas importantes para garantir a continuidade, os avanços”.
Com relação aos compromissos com as pessoas com deficiência, Ana Estela lembra que foi no governo Lula a aprovação da Convenção pelos Direitos da Pessoa com Deficiência, e depois no governo da presidenta Dilma sua regulamentação. “Para que nós tivéssemos o Plano Nacional de inclusão da Pessoa com Deficiência, garantia dos direitos da pessoa com deficiência em todas as suas dimensões”.
Ela cita como exemplo a ampliação da inclusão no ensino, quando Haddad foi ministro da Educação: “a Lei de Libras, que garante nas escolas, nas universidades, a presença do intérprete de libras para os alunos, para os estudantes surdos”.
Ana também destaca a importância de integração dos sistemas, propiciado pelo Viver Sem Limite, para garantir a autonomia desta população.
“Além da inclusão educacional, integração dos sistemas de saúde, assistência social, a valorização do salário-mínimo, que impacta, porque a maioria das pessoas com deficiência recebe o BPC [Benefício de Prestação Continuada], então é importante que o salário-mínimo esteja atualizado, para ter uma garantia efetiva de sobrevivência. E também a valorização das cotas, para que seja no serviço público, seja nas empresas privadas, seja garantida a contratação das pessoas com deficiência”
Estela menciona outras iniciativas de fortalecimento da cidadania. “Acessibilidade, por exemplo, [através] do Minha Casa Minha Vida; dar continuidade a esse programa. Como também no transporte. Ampliar a inovação, a ciência e tecnologia, para a implementação e uso das tecnologias assistivas, que têm avançado e garantem muitos benefícios”.
A sanitarista afirma que atualmente o Brasil importa órteses e próteses, uma tecnologia que o País tem plena condição de desenvolvimento. “O uso das tecnologias de informação e comunicação, voltadas para a leitura, pela população cega, para os surdos".
Intersetorialidade
Na avaliação de Annibal Coelho de Amorim, doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública / Fiocruz, que é membro do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência, embora seja um segmento expressivo na população brasileira, há um erro histórico que não se restringe às instituições brasileiras, em invisibilizar estas pessoas.
“Desde o momento em que começa um processo de desinstitucionalização. As pessoas eram esquecidas em grandes instituições. Na medida em que isso começa a ser revertido, a sociedade começa a se dar conta de que esse segmento que durante muito tempo foi invisível, precisava ser abordado de maneira societária. O problema passou a ser foco de políticas intersetoriais".
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), as pessoas com deficiência representam 15% da população mundial, ou mais de 278 milhões de pessoas.
Apesar dos marcos legais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (2006), há uma secundarização do tema que afeta a qualidade de vida destas pessoas. “Muitas vezes as políticas de Estado demoram a ser implementadas, os Estados-parte da Convenção demoram a assegurar esse acesso a serviços de saúde, de reabilitação, especificidades de gênero”.
Para o ativista, os desafios de inclusão das pessoas com deficiência devem ser assumidos como uma agenda permanente. O que não se pode dizer do atual governo. Ele cita o decreto publicado em 9 de agosto pelo governo de Michel Temer, que facilita a suspensão do pagamento do Benefício de Prestação Continuada para idosos e pessoas com deficiência.
Após o golpe de 2016 alguns programas também foram congelados. ”Não sei dizer se o governo tem uma organização num conselho, se está atuante como em momentos anteriores. A própria lei que foi ainda no governo Dilma apontava para o Programa Viver Sem Limite, que de certa maneira garantia uma série de enfrentamentos dos principais desafios que conversamos”.
O pleito de outubro põe em questão a retomada dos esforços para garantir a inclusão, a autonomia e a cidadania das pessoas com deficiência ou o caminho da invisibilidade.
Edição: Diego Sartorato