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Pessoas com deficiência sofrem com a invisibilidade nas propostas dos presidenciáveis

Cinco programas não citam e outros propõem generalidades para 45 milhões de pessoas

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Criança com paralisia cerebral usa roupa biocinética em projeto de reabilitação desenvolvido em Belém do Pará, em 2015.
Criança com paralisia cerebral usa roupa biocinética em projeto de reabilitação desenvolvido em Belém do Pará, em 2015. - Foto: Rodolfo Oliveira/ Agência Pará

Embora representem 23,9% da população brasileira, conforme o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as 45 milhões de pessoas que vivem algum tipo de deficiência (visual, auditiva, motora, mental, física e múltipla) são pouco contempladas nas propostas dos candidatos e sequer são citadas nos debates eleitorais.

Dos 13 programas de candidatos à Presidência da República, cinco nem mencionam a questão: Jair Bolsonaro (PSL), Henrique Meirelles (MDB), João Amoedo (Novo), Álvaro Dias (Podemos) e Vera Lucia (PSTU).

Propostas

Outros apontam propostas genéricas. O presidenciável Cabo Daciolo (Patriotas) propõe tornar 100% das escolas acessíveis até 2022 e, através da gestão de pessoal, “assegurar condições mais favoráveis ao aprendizado”, aos estudantes com deficiência. Ciro Gomes (PDT) pontua que vai garantir a implementação da Lei Brasileira de Inclusão, promover ações intersetoriais e a eliminação de restrições à mobilidade. Eymael  (DC) diz apenas que irá assegurar à pessoa com deficiência o pleno exercício de seus direitos de cidadão.

Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo, estado que tem de barreiras arquitetônicas a salas de aulas superlotadas, para ficar somente num pedaço da infraestrutura de educação, diz que irá "zelar pelo cumprimento dos dispositivos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e promover sua regulamentação”.

O programa do candidato João Goulart (PPL) fala genericamente em combate à discriminação contra as pessoas com deficiência, dentre outros grupos marginalizados e ponto. E Marina Silva (Rede) centra sua proposta na fiscalização da lei de cotas, ampliação de cursos profissionalizantes para pessoas com deficiência e o fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

Os programas com propostas mais consistentes são encontradas das candidaturas de Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT). Boulos propõe a mudança da base do cálculo do Benefício de Prestação Continuada (BPC), devido a pessoas com deficiência e idosos da renda per capta de 1/4 do salário mínimo para 1/2 salário mínimo.

Também detalha as atribuições da Secretaria da Pessoa com Deficiência e defende uma pessoa com deficiência no comando da pasta. Entretanto, com o subfinanciamento em políticas sociais, agravados pelo congelamento dos investimentos por 20 anos da Emenda Constitucional 95 de Michel Temer, o programa deixa uma lacuna sobre a viabilidade.

Continuidade

O candidato petista, por sua vez, é taxativo sobre a imediata revogação da Emenda Constitucional (EC) 95. O presidenciável propõe para as pessoas com deficiência a retomada do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver Sem Limite, de 2011, que envolvia 15 ministérios e a participação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Também aponta a valorização do esporte paraolímpico e a inclusão das pessoas com deficiência no Programa Emergencial de Emprego.

Na avaliação da sanitarista e professora universitária no curso de Odontologia da USP, Ana Estela Haddad, que integrou por nove anos o governo Federal, nas pastas de Saúde e Educação, a revogação da EC 95 é central para viabilidade das políticas sociais.

"Uma questão importante para garantir que as propostas, que o plano de saúde da candidatura Haddad possa ser implementado, é a revogação do teto de gastos que foi imposto pela Emenda Constitucional 95. Isso colocou um limite para os gastos em saúde e educação, para os próximos 20 anos, e isso inviabiliza uma série de medidas importantes para garantir a continuidade, os avanços”.

Com relação aos compromissos com as pessoas com deficiência, Ana Estela lembra que foi no governo Lula a aprovação da Convenção pelos Direitos da Pessoa com Deficiência, e depois no governo da presidenta Dilma sua regulamentação. “Para que nós tivéssemos o Plano Nacional de inclusão da Pessoa com Deficiência, garantia dos direitos da pessoa com deficiência em todas as suas dimensões”.

Ela cita como exemplo a ampliação da inclusão no ensino, quando Haddad foi ministro da Educação: “a Lei de Libras, que garante nas escolas, nas universidades, a presença do intérprete de libras para os alunos, para os estudantes surdos”.

Ana também destaca a importância de integração dos sistemas, propiciado pelo Viver Sem Limite, para garantir a autonomia desta população.

“Além da inclusão educacional, integração dos sistemas de saúde, assistência social, a valorização do salário-mínimo, que impacta, porque a maioria das pessoas com deficiência recebe o BPC [Benefício de Prestação Continuada], então é importante que o salário-mínimo esteja atualizado, para ter uma garantia efetiva de sobrevivência. E também a valorização das cotas, para que seja no serviço público, seja nas empresas privadas, seja garantida a contratação das pessoas com deficiência”

Estela menciona outras iniciativas de fortalecimento da cidadania. “Acessibilidade, por exemplo, [através] do Minha Casa Minha Vida; dar continuidade a esse programa. Como também no transporte. Ampliar a inovação, a ciência e tecnologia, para a implementação e uso das tecnologias assistivas, que têm avançado e garantem muitos benefícios”.

A sanitarista afirma que atualmente o Brasil importa órteses e próteses, uma tecnologia que o País tem plena condição de desenvolvimento. “O uso das tecnologias de informação e comunicação, voltadas para a leitura, pela população cega, para os surdos".

Intersetorialidade

Na avaliação de Annibal Coelho de Amorim, doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública / Fiocruz, que é membro do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência, embora seja um segmento expressivo na população brasileira, há um erro histórico que não se restringe às instituições brasileiras, em invisibilizar estas pessoas.

“Desde o momento em que começa um processo de desinstitucionalização. As pessoas eram esquecidas em grandes instituições. Na medida em que isso começa a ser revertido, a sociedade começa a se dar conta de que esse segmento que durante muito tempo foi invisível, precisava ser abordado de maneira societária. O problema passou a ser foco de políticas intersetoriais".

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), as pessoas com deficiência representam 15% da população mundial, ou mais de 278 milhões de pessoas.

Apesar dos marcos legais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (2006), há uma secundarização do tema que afeta a qualidade de vida destas pessoas. “Muitas vezes as políticas de Estado demoram a ser implementadas, os Estados-parte da Convenção demoram a assegurar esse acesso a serviços de saúde, de reabilitação, especificidades de gênero”.

Para o ativista, os desafios de inclusão das pessoas com deficiência devem ser assumidos como uma agenda permanente. O que não se pode dizer do atual governo. Ele cita o decreto publicado em 9 de agosto pelo governo de Michel Temer, que facilita a suspensão do pagamento do Benefício de Prestação Continuada para idosos e pessoas com deficiência.

Após o golpe de 2016 alguns programas também foram congelados. ”Não sei dizer se o governo tem uma organização num conselho, se está atuante como em momentos anteriores. A própria lei que foi ainda no governo Dilma apontava para o Programa Viver Sem Limite, que de certa maneira garantia uma série de enfrentamentos dos principais desafios que conversamos”.

O pleito de outubro põe em questão a retomada dos esforços para garantir a inclusão, a autonomia e a cidadania das pessoas com deficiência ou o caminho da invisibilidade.

Edição: Diego Sartorato