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Rentistas usam o dólar para chantagear a política no Brasil, afirma economista

Para o economista Paulo Kliass, alta do dólar é forma de pressão sobre candidatos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Kliass estudou a alta do dólar em momentos políticos decisivos na história do país
Kliass estudou a alta do dólar em momentos políticos decisivos na história do país - Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

As expectativas em relação às pesquisas de intenção de voto para presidente influenciam diretamente o mercado financeiro. Nesta terça-feira (18), por exemplo, com a publicação dos números da pesquisa Ibope, em uma semana que já incluiu levantamento Datafolha, o dólar fechou em alta, a R$ 4,17. 

O argumento utilizado pelos agentes do mercado é o de que a alta do dólar é resultado da instabilidade política e econômica do país, o que faz com que os investidores comprem mais a moeda estadunidense, considerada um investimento seguro. Quanto mais compradores de dólar, menor a oferta e, consequentemente, mais caro ele fica.

No entanto, segundo Paulo Kliass, doutor em Economia, especialista em políticas públicas e gestão governamental, o mercado financeiro tem, por meio da especulação do dólar, "chantageado" o país e os representantes políticos em momentos de conjuntura política tensa.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o acadêmico explica os fatores que sustentam sua argumentação, baseada em estudos que demonstram que o dólar se valoriza principalmente às vésperas de eleições. 

“As grandes empresas e conglomerados financeiros têm muitos interesses na política econômica, na definição da política econômica, porque eles ganham muito dinheiro. Fazem muitos negócios, que podem ser mais ou menos favoráveis a eles, dependendo da orientação do Ministério da Fazenda, do Banco Central e de um conjunto amplo de instrumentos de políticas econômicas”, explica o especialista.

“Não à toa, nesses momentos de definição, eles começam a atuar mais ativamente no sentido da especulação. E conseguem, exatamente, porque manipulam de maneira especulativa esse mercado, para influenciar de acordo com seus interesses”, afirma. 

Kliass é categórico ao afirmar que a única explicação para essa alta repentina do dólar é um processo especulativo. ”É só as pessoas dizerem que vai sair uma nova pesquisa que o dólar sobe. Quando falam sobre o desempenho do [Fernando] Haddad, do [Henrique] Meirelles ou do [Geraldo] Alckmin no debate, o dólar explode. Atentado contra o [Jair] Bolsonaro, o dólar sobe. Não tem nada ou muito pouco a ver com a economia real”. 

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato -- Que fatores o levaram a essa constatação de que o mercado atua de modo a influenciar a conjuntura política país, principalmente em momentos decisivos como às vésperas da eleição? Como as altas do dólar podem pressionar ou chantagear a sociedade nesse momento?

Paulo Kliass -- O que me levou a fazer esse estudo foi justamente uma espécie de recorrência de altas no mercado de câmbio, na cotação do dólar, em determinados períodos da história política brasileira. Em especial a cada quatro anos, no segundo semestre, dos anos em que temos eleições gerais, os mercados de câmbio ficam mais agitados.

Houve isso em 2002, quando, com a possibilidade concreta de que Lula ganhasse as eleições presidenciais, ocorreu uma explosão do dólar. Naquela época, [o dólar] superou uma cotação mítica que se dizia, da barreira dos R$ 4,00. Depois, houve a eleição do Lula e aquela catástrofe que era anunciada não se confirmou, o país não quebrou, as finanças públicas não se arrebentaram, muito pelo contrário. O sistema financeiro, as grandes empresas e o capital multinacional ganharam muito dinheiro ao longo desse período.

Em 2014, aconteceu algo semelhante. No momento em que a candidatura do Aécio Neves se fortalecia, os tucanos e as forças políticas conservadoras acharam que a eleição já estava ganha e o que aconteceu foi o contrário, a Dilma ganhou, e apesar de toda catástrofe que anunciavam, com o dólar estourando, nada disso aconteceu. O Brasil não quebrou.

No impeachment, a mesma coisa, uma espécie de pressão sobre o próprio Congresso Nacional, para que, apesar da inexistência de provas, a Dilma fosse afastada. E agora, mais uma vez, às vésperas da eleição, com o "risco", do ponto de vista do mercado financeiro, da volta de um governo que tenha alguma origem de natureza desenvolvimentista, que seria representado pela candidatura do Lula e do Haddad.

O único momento em que haveria condições objetivas que pudessem justificar uma escalada do dólar foi justamente na crise de 2008/2009, em que o Brasil também recebeu as consequências dessa crise econômica financeira internacional, que passou pelos Estados Unidos e pela Europa. Mas, nem de longe, a alta que se observou naquele momento foi tão estrondosa como as de 2002, 2014 e a que assistimos atualmente. 

Então, de fato, há uma chantagem? Como se dá esse processo de pressão do mercado financeiro?

As editorias de economia dos grandes meios de comunicação enchem a boca para dizer que "o mercado pensa", "o mercado reage", "o mercado considera", sendo que na verdade deveríamos desmistificar essa tentativa de personalizar uma instância que na verdade representa o interesse de grandes e muito poucos grupos de conglomerados financeiros.

As grandes empresas e conglomerados financeiros têm muitos interesses na política econômica, na definição da política econômica, porque eles ganham muito dinheiro. Fazem muitos negócios, que podem ser mais ou menos favoráveis a eles, dependendo da orientação do Ministério da Fazenda, do Banco Central e de um conjunto amplo de instrumentos de política econômica. Não à toa, eles começam a atuar mais ativamente no sentido da especulação, nesses momentos de definição de candidatura, de campanha, e conseguem, exatamente, porque manipulam de maneira especulativa esse mercado, para influenciar de acordo com seus interesses. 

Eles estão fazendo política por meio do processo de especulação com a moeda norte-americana. Haveria alguma justificativa do ponto de vista macroeconômico para essa especulação se o Brasil estivesse com problemas sérios no conjunto da política econômica voltada para o setor externo. No passado, quando se tinha dívida externa em dólar, realmente era um problema. É o que está acontecendo com a Argentina e com a Turquia, por exemplo. 

Só que no nosso caso não tem nada disso. O Brasil tem tranquilidade, porque a dívida externa é baixíssima, foi transformada em dívida interna, em reais. As nossas reservas internacionais são de 380 bilhões de dólares. Eles dão uma tranquilidade do ponto de vista do setor externo da nossa economia. A única explicação para essa alta repentina é um processo especulativo.

É só as pessoas dizerem que vai sair uma nova pesquisa, que o dólar sobe. Quando falam sobre o desempenho do Haddad, do Meirelles ou do Alckmin no debate, o dólar explode. Atentado contra o Bolsonaro, o dólar sobe. Não tem nada ou muito pouco a ver com a economia real. 

Estamos há 3 semanas da eleição, com Jair Bolsonaro em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, e em segundo, a candidatura petista de Fernando Haddad, oficializada recentemente, que conta com o apoio da candidatura de Lula. Nessa lógica do mercado, há um discurso antipetista, que tem como alvo o PT, ou é uma forma de pressionar todos os candidatos? 

Tem um pouco de cada coisa da sua pergunta. Se voltar para 2014, ali claramente era uma preocupação no caso da candidatura do PT, do Lula, depois da Dilma, também identificada como a candidata apoiada pelo Lula. Mas o problema não é simplesmente uma questão do candidato ou do partido. Tem muito mais a ver com uma campanha e uma preocupação que os interesses do financismo tem, com relação à mudança de instrumentos que eles consideram irrelevantes do ponto de vista da política econômica.

Nesse momento, óbvio que a subida do Haddad pode colocá-lo no centro da questão, mas até pouco tempo atrás, o foco era Ciro, quando estava bem posicionado, já que Ciro tem um discurso bastante acentuado assim como o Guilherme Boulos, de questionar os fundamentos da política que chamo de "austericídio", do governo Temer e do Meirelles. Os interesses do financismo vão nesse sentido, de que não se mude nada: 'é importante manter a política econômica tal como ela veio sendo desenvolvida, é importante manter as decisões em relação ao desmonte do Estado, as decisões e orientações de privatização'. [Que se mantenha] a orientação em relação à questão fiscal, que está consubstanciada na Emenda 95, a Emenda do Fim do Mundo, que congela os gastos públicos por 20 anos.

A ação especulativa que se reflete no mercado de câmbio, por meio dessa alta artificial da taxa de câmbio, tem mais a ver com esse tipo de receio por parte do sistema financeiro. Das declarações do Ciro, do Boulos e inclusive agora do Haddad, afirmando que revogará a Emenda dos gastos públicos, que irá mexer nas mudanças que foram feitas na legislação trabalhista, se posicionando contra a reforma da previdência, pelo menos da forma como o Temer e Meirelles encaminharam. Propondo a revisão das questões da Petrobras e do pré-sal. Tudo isso coloca um sinal vermelho do ponto de vista dos interesses do sistema financeiro.

É bom percebermos que os candidatos começam a questionar o que chamo de "dominância do financismo". A coisa de achar que é "natural", que a sociedade brasileira tenha esse comportamento de referendar uma elevadíssima taxa de rentabilidade financeira em relação aos demais ativos e atividades da economia. Em que se tenha um processo de transferência de recurso dos trabalhadores, dos aposentados, das empresas produtoras, do comércio, que estão em crise, mais de 13 milhões de desempregados, empresas em falência, enquanto as atividades financeiras e os bancos, em especial, exibem consequentes e rotineiros balanços com lucros bilionários; quer dizer, alguma coisa está errada. Alguma coisa coisa está doente em uma sociedade que aceita tranquilamente, e sem reclamar, esse tipo de herança maldita, vamos dizer assim.

Essa especulação também é uma forma de tentar influenciar a composição ministerial do governo que venha a ganhar as eleições?

Ah, com certeza. Não tenho a menor dúvida. Se eles não conseguem fazer com que um candidato mais fiel a eles seja eleito, eles continuarão fazendo todo o tipo de pressão. Irão atuar por meio de lobby e pressão implícita ou explícita para fazer com que a política econômica continue sendo fiel ao seus interesses.

O Haddad, se ele for eleito, terá que fazer opções. Não vai dar para continuar atendendo os interesses do sistema financeiro, porque isso significará continuar prejudicando os trabalhadores e a maioria da população, e, inclusive, os empresários da área da produção. Mas o sistema financeiro não tem medo, continua fazendo suas pressões e essa alta especulativa tem, não apenas a intenção de criar o temor da sociedade com a eventual volta de um projeto desenvolvimentista, de inclusão social, que eventualmente o Haddad possa representar, mas também já querer amarrar a política econômica do eventual governo Haddad.

Pelo lado do Bolsonaro, a coisa já fica mais evidente. Apesar de ter uma tradição, todo mundo sabe, de ter sido, independente de ser um cara de extrema direita, intolerante, beirando a xenofobia e o fascismo, fora o machismo e a homofobia, mas tinha uma posição de ser contra a privatização das empresas estatais, votou contra a reforma da previdência. Não era exatamente uma pessoa afável e confiável do ponto de vista do mercado financeiro. Quando começou a aparecer, há alguns meses, com mais intensidade nas questões eleitorais, o mercado financeiro percebeu que seria uma oportunidade. Conseguiram colocar um grande economista conservador, monetarista, ortodoxo, muito articulado com o sistema financeiro, que é o Paulo Guedes, para ser o guru dele em termos de economia. Isso faz com que se tenha facilitado o trânsito do Bolsonaro no mercado financeiro.

Eles são liberais e privatizantes. O Bolsonaro não fala mais sobre economia. Qualquer pergunta, ele responde: "pergunta para o Paulo Guedes que ele irá te responder". Foi uma ação concreta do mercado financeiro, no sentido de se apoderar também dessa outra candidatura. Eles tentaram fazer isso também com as outras candidaturas. A da Marina tem uma presença forte do Itaú, a do Meirelles, não precisa nem dizer, é financismo na veia. A candidatura do Alckmin tem todos os articulistas e agentes do mercado financeiro que sempre foram ligados aos tucanos, mas essas candidaturas não estão decolando. Tudo indica que vamos, realmente, para um segundo turno polarizado entre Haddad e Bolsonaro. E, do ponto de vista do Bolsonaro, o mercado financeiro está tranquilo com Paulo Guedes.

Edição: Diego Sartorato