O marco da crise financeira internacional deste século, a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, nos Estados Unidos, completa 10 anos neste sábado (15). Conhecida também como crise dos subprime, em referência aos créditos de alto risco vinculados a imóveis, que foram concedidos em larga escala e de forma irracional durante décadas, esse processo resultou na formação de uma bolha financeira que explodiu justamente na bancarrota do quarto maior banco de investimentos norte-americano, no auge dos seus 158 anos de fundação.
O colapso dos mercados mundiais naquele dia e pelas semanas seguintes foi tão grave que obrigou o Federal Reserve (FED), o Banco Central dos EUA, e o Banco Central Europeu (BCE) a injetarem centenas de bilhões de dólares em recursos públicos para garantia de liquidez e para financiar fusões entre instituições financeiras que aplacassem as perdas econômicas. A crise se alastrou mundo afora e causou impactos sem precedentes em países como Irlanda, Islândia, além de diversas nações europeias, como Alemanha, França, Espanha, Reno Unido e Portugal. Em todo o planeta, mais de 200 milhões de pessoas ficaram desempregadas em menos de três anos de crise, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi, de longe, a pior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial e só comparável à quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.
Desregulação do sistema
Na época, as agências de classificação de risco, como Satandard and Poor's e Moddy's, avaliaram grande parte dos títulos de contratos de hipoteca dos tomadores de subprime com a nota máxima, que sinalizava baixo risco, a partir de cálculos que não levavam em conta a critérios como renda e estabilidade empregatícia dos mutuários.
"Esses títulos 'podres' de subprime foram umas coisas inusitada em 200 anos de história do sistema econômico moderno. O problema é que a economia americana é o epicentro do sistema monetário e financeiro do planeta, por isso os impactos foram extremos", explica o economista Reinaldo Gonçalves, professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Uma lei aprovada em 2010, ainda durante o governo de Barack Obama, impôs uma série de obrigações às grandes instituições financeiras, mas o atual presidente, Donald Trump, tenta flexibilizar pontos da legislação sob o argumento de destravar o mercado de crédito no país, que ficou mais restrito desde então.
“O fato é que a crise, gerada no âmbito do processo de financeirização do capitalismo, não foi superada, e os bancos seguem tendo um poder enorme, inclusive, não apenas na economia, mas na própria orientação dos Estados nacionais, e essa realidade faz com que, especialmente no Ocidente, tenha havido um certo esvaziamento da estrutura produtiva”, afirma Marcio Pochmann, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo o economista, o sistema capitalista é um modelo de desenvolvimento em que a crise é parte da normalidade, e sempre ocorrerá, de forma cíclica. Nesse cenário, a saída de um processo como esse se dá na ampliação dos investimentos e a indução do Estado nessa questão é crucial.
Reação do Brasil
Para enfrentar a grave crise, o Brasil adotou um modelo de reação diferente do resto do mundo, na avaliação de especialistas em economia internacional. O economista Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que inicialmente o país não foi afetado diretamente pela crise porque não tinha feito a desregulamentação do mercado financeiro como os Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Sem maior controle do governo e com juros baixos nos Estados Unidos, bancos de investimentos tentaram aumentar o lucro com instrumentos de aplicação financeira, baseados em dívidas com risco alto.
“Naquela época, o Brasil não foi afetado à primeira vista porque tinha atrasado a mudança na regulação da legislação de aplicações econômicas e financeiras. Nos Estados Unidos ocorreu uma desregulação o mercado de capitais, bancário, de crédito”, disse Kasznar.
Entretanto, para tentar manter a economia aquecida em meio à crise que tomou proporções mundiais, o governo brasileiro, na época sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adotou uma série de medidas, como redução de impostos para estimular consumo, congelamento de preços do petróleo, cortes nas tarifas de energia elétrica e ampliou as desonerações. “Embora tenha havido uma política monetária austera e correta, a política fiscal é uma das piores heranças que temos hoje decorrente de uma forma equivocada de se interpretar a evolução cíclica da economia”, afirmou Kasznar.
Para Kasznar, enquanto outros países reduziram gastos, o Brasil insistiu em promover a renúncia fiscal. “Enquanto outros países buscaram austeridade firme, sem renúncias fiscais, fizemos exatamente o contrário”, enfatizou.
Em meio à crise internacional, o governo anunciou a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis, eletrodomésticos e materiais de construção. Diante da escassez de crédito, houve redução dos depósitos compulsórios (dinheiro que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central) e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), além de estímulo ao crédito por meio de bancos públicos.
Vulnerabilidades do Brasil
Além disso, um dos reflexos da crise de 2008 se deu sobre o fim do superciclo das commodities, que está na base da forte expansão econômica do Brasil entre 2007 e 2012. Com a queda do preço de produtos agrícolas e minerais no mercado internacional, o país ficou exposto ao que o economista Reinaldo Gonçalves chama de "vulnerabilidade estrutural". "Nos últimos 20 anos, o Brasil aprofundou o processo de reprimarização da sua economia, tornando-se um país ainda mais dependente", argumenta. Isso explica, segundo ele, a dificuldade de retomada do país, mesmo com a situação internacional bem mais favorável que alguns anos atrás.
"Nenhum grande grupo econômico brasileiro é referência em inovação e tecnologia. Aqui predomina a exploração de recursos naturais e a gestão de cartéis, isso vai dos bancos, passando pelos setores do agronegócio, mineração até o mercado imobiliário", critica. Para o professor titular de economia da UFRJ, não há solução de curto prazo para o país. Ele defende um projeto de longo prazo e afirma que se o país apostar numa tentativa de ajuste muito forte e rápida, com cortes de gastos públicos e privatizações de grandes estatais, o cenário econômico pode se agravar ainda mais em dois ou três anos.
"A pretexto de querer resolver uma série de problemas que demandam o longo prazo, como a questão fiscal da previdência, o teto de gasto, o que pode ocorrer é um efeito bumerangue, atingindo os segmentos sociais mais vulneráveis. Os ricos estão se protegendo mandando dinheiro para fora, mas vai atingir o pequeno empresário, o burocrata, o trabalhador, o desempregado, todos eles serão atingidos. Há um risco de aumentar muito mais a tensão social que já está elevada", observa.
* Com informações da Agência Brasil; Colaborou Júlia Dolce, repórter do Brasil de Fato.
Edição: Katarine Flor