Saúde pública

Pacientes enfrentam dificuldade para custear tratamentos fora dos estados

Medida aprovada pelo Senado propõe reajustes anuais de auxílio financeiro pago pelo governo federal; Câmara irá debater

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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A ajuda de custo para alimentação e pernoite do paciente em outra cidade  é de R$ 24,75
A ajuda de custo para alimentação e pernoite do paciente em outra cidade é de R$ 24,75 - Agência Brasil

O técnico em radiologia José Edmundo da Silva, de 52 anos, é um dos mais de 25 mil brasileiros que já fizeram transplante de fígado no Brasil. Morador de Macapá (AP), ele foi operado há cerca de três anos, mas o procedimento teve que ser realizado em Fortaleza (CE) porque seu estado de origem ainda não oferece esse tipo de cirurgia.

Desde então, Silva vai à capital cearense a cada quatro meses para fazer exames e receber medicamentos. Além da rotina cansativa do tratamento pós-operatório, ele convive com um outro problema: o alto custo das viagens, que inclui transporte, hospedagem e alimentação, além da ajuda de um acompanhante.  

Para cada nova ida, o técnico desembolsa em média R$ 1.500. Enquanto isso, recebe apenas R$ 396 de auxílio do governo federal para custear as despesas.

“Isso é uma esmola, um valor irrisório. Sou extremamente apaixonado pelo SUS, defendo ele em qualquer circunstância, mas a forma de fazer gestão precisa ser humanizada”, critica.

O auxílio dado pelo governo está previsto na Portaria nº 55/1990, que disciplina o chamado Tratamento Fora de Domicílio (TFD). O dispositivo prevê o custeio de despesas para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que precisem de atendimento fora da cidade onde moram.

O subsídio é concedido a pacientes atendidos pela rede pública ou por estabelecimentos conveniados com o SUS que necessitem de assistência ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidade.

Números

O uso do benefício é uma realidade em todo o país. Segundo dados oficiais levantados pelo Brasil de Fato junto ao Ministério da Saúde (MS), em 2017, foram registrados 28,9 milhões de procedimentos de deslocamento de paciente somente por via terrestre, com um custo total de R$ 345,7 milhões.

Mas, apesar de o montante parecer elevado, o pagamento feito a cada pessoa pelos custos com a viagem é, por exemplo, de R$ 181,50 para transporte aéreo, R$ 4,95 para terrestre e R$ 3,70 para deslocamentos por via fluvial.

Já a ajuda de custo diária para alimentação e pernoite do paciente no destino é de R$ 24,75, com mais R$ 24,75 em caso existência de acompanhante.

Dificuldade

Com valores considerados abaixo da necessidade e sem reajuste que acompanhe a inflação, as viagens acabam pesando no bolso da maioria dos pacientes. É o que afirma Amanda Basto, da direção da Associação Amapaense de Apoio a Pacientes em Tratamento Fora de Domicílio (AAPTFD).

Em todo o Amapá – estado que ainda não oferece transplantes nem radioterapia e enfrenta dificuldade para realizar algumas cirurgias oncológicas, cardíacas e atendimentos clínicos –, mais de 14 mil pessoas precisam atualmente se deslocar para realizar tratamentos de saúde em outras regiões do país.

Criada no ano passado, a AAPTFD reúne 8 mil desses pacientes, sendo 70% deles de baixa renda. Amanda Basto conta que os associados se queixam frequentemente da dificuldade de custear as despesas de viagem.

“Não é fácil você sair da sua casa, onde já tem todo um gasto na sua rotina, e, quando viajar, ter um gasto dobrado porque a despesa de casa permanece e você vai pra um outro estado onde vai pagar estadia, alimentação, transporte”, afirma.

Projeto  de Lei

Diante dessa realidade, os pacientes comemoraram, no último dia 5, a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 264/2017, que prevê reajustes anuais para os valores do TFD de acordo com a inflação.

Assim como está previsto na Portaria 55/1990, a medida inclui o pagamento de gastos com hospedagem, transporte (terrestre, fluvial e aéreo) e alimentação.

Além do aumento permanente, o PLS, que ainda será avaliado pela Câmara dos Deputados, poderá beneficiar o público-alvo pelo fato de amarrar a garantia do benefício em lei. É o que afirma o autor da proposta, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Isso porque, em geral, as portarias podem ser revogadas a qualquer momento pelos gestores do Poder Executivo. Por conta disso, ficam mais vulneráveis às mudanças de governo e também às políticas de austeridade, como o ajuste fiscal, que penaliza especialmente serviços destinados à população de baixa renda.

A conversão da medida em lei faria com que o auxílio só pudesse ser revogado por decisão do Congresso Nacional e faria com que ele deixasse de ser uma política de governo para se tornar política de Estado.

O senador explica que o fundamento do PLS está na garantia do direito universal à saúde, previsto na Constituição Federal.

“É para assegurar o cumprimento desse dispositivo constitucional, assegurar que o SUS funcione de fato como sistema, atendendo a todos e principalmente aqueles cidadãos de locais onde não tem estrutura necessária pra atendimento”, afirma.

O PLS 264/2017 deve chegar oficialmente à Câmara nas próximas semanas, onde precisará ser debatido e votado pelos parlamentares. Caso seja aprovado na íntegra, ele segue direto para sanção presidencial, mas, se houver alguma alteração no texto, a proposta precisará retornar ao Senado.  

Edição: Diego Sartorato