VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Suicídio de universitária aumenta revolta contra cultura do estupro na África do Sul

Jovem militante havia buscado ajuda da universidade; país tem um dos maiores índices de estupro do mundo

São Paulo |
Khensani Maseko estava no terceiro ano da faculdade de Direito
Khensani Maseko estava no terceiro ano da faculdade de Direito - Reprodução

No mesmo dia em que a África do Sul celebrou o Dia Nacional da Mulher, na terça-feira (9), o país viveu o luto do enterro da estudante de Direito Khensani Maseko, de 23 anos, que cometeu suicídio após ser estuprada no campus da Universidade de Rhodes. A morte da jovem aconteceu apenas alguns dias depois de uma mobilização nacional de mulheres contra violência de gênero, a #TotalShutdown, em um país onde o índice de feminicídio é cinco vezes maior que o índice global

De acordo com dados da polícia sul-africana, um total de 124.526 pessoas foram estupradas nos últimos três anos no país. Deste total, 41% eram crianças. Uma mulher é morta no país a cada quatro horas, muitas vezes por seus maridos ou namorados.

A Universidade de Rhodes tem um longo histórico de tratar com descaso e negligência estudantes que vencem o trauma e o tabu e chegam a denunciar casos de abuso sexual dentro do campus.

Em 2016, a campanha “Chapter 212” (“Capítulo 212”) divulgou uma série de cartazes pela universidade com frases ditas por funcionários da instituição a jovens que tentavam denunciar seus agressores. “Tem certeza que quer fazer isso? Você vai acabar com a reputação dele”, “as meninas não devem beber muito, senão serão estupradas” e “você é estrangeira e está destruindo a vida sul-africana” são alguns dos exemplos relatados na época.

Os protestos levaram a repressão policial e ao fechamento da universidade por uma semana, até que se instituiu uma equipe que investigaria o problema e trataria das demandas das estudantes. O grupo elaborou uma lista com cerca de 90 recomendações, mas até hoje as medidas não teriam sido completamente adotadas, segundo uma amiga de Khensani ouvida pela BBC.

O caso

Khensani – que apoiou a mobilização contra a cultura de estupro na universidade dois anos atrás – denunciou na segunda-feira passada (30) o estupro cometido pelo então namorado em maio. A família da jovem foi acionada e tomou a decisão de levá-la de volta para casa.

Na sexta-feira (3), ela publicou em sua página no Instagram uma imagem com sua data de nascimento e a data 3 de agosto de 2018, com a legenda “Ninguém merece ser estuprada”. Momentos depois, a estudante, atleta e militante do movimento estudantil tirou a própria vida.

A Universidade de Rhodes informou que suspendeu o estudante acusado de violar Khensani nesta segunda-feira (6). Ele não teve o nome divulgado. Em nota, a instituição afirmou também que está trabalhando com as autoridades sul-africanas para garantir que a morte da jovem seja investigada.

Revolta e justiça

Familiares, amigos e militantes expressaram revolta com o descaso da universidade e a cultura do estupro, que ainda permeia não só as instituições educacionais, como toda a sociedade sul-africana. Um ato pela memória de Khensani e exigindo justiça aconteceu na universidade, e o velório foi marcado por homenagens e denúncias contra a violência de gênero.

“Condenamos, nos termos mais fortes possíveis, qualquer forma de violência e abuso contra a mulher e, particularmente, o estupro contra a mulher. Exigimos que se faça cumprir a lei”, afirmou a família em comunicado.

“A União Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (NUMSA) não celebrará o Dia da Mulher”, afirmou em nota uma das maiores organizações trabalhistas do país. “Entendemos que Maseko não cometeu suicídio, mas foi assassinada por seu companheiro. As ações dele a levaram a esse último ato desesperado, quando ele a violou. Exigimos que a polícia priorize a investigação sobre a morte dela, e que o suposto criminoso seja preso e punido com rigor pelo crime que cometeu”.

Violência contra a mulher

A África do Sul tem alguns dos maiores índices de violência contra a mulher do mundo. No ano passado, o presidente Jacob Zuma chegou a declarar esse tipo de crime como uma prioridade para o governo, depois de uma série de assassinatos que chocou o país.

“Nossa economia e sociedade se baseia em um sistema capitalista violento e brutal que não valoriza as vidas da maioria negra e trabalhadora africana”, afirma a nota do NUMSA. “Assim, não surpreende que a mulher africana sofra mais que qualquer outro grupo, porque seu sexo, classe e gênero se interseccionam de formas que garantem que ela fique na base da hierarquia das vidas que importam dentro do sistema capitalista".

Dia da Mulher

O Dia Nacional da Mulher da África do Sul é celebrado no dia 9 de agosto, data que marca a realização de uma marcha com cerca de 20 mil mulheres em 1956 em Pretória para protestar contra uma legislação que exigiria que a população negra sul-africana portasse um passaporte interno para manter a segregação populacional.

O primeiro Dia Nacional da Mulher do país foi celebrado em 1994.

*Com informações da BBC, da CNN e da SABC Digital News

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira | Versão em português: Aline Scátola