A Amazônia concentra o maior número de conflitos e mortes de ativistas e defensores da terra e do meio ambiente no ano de 2017 e o Brasil lidera como o país mais letal do mundo para lideranças indígenas, camponeses e comunidades tradicionais. É o que denuncia a ONG britânica Global Witness em seu terceiro relatório anual, com levantamento de informações de 22 países.
O relatório, A Que Preço?, lançado na semana passada aponta o agronegócio como o setor mais perigoso para pessoas que defendem “suas florestas, rios e casas contra setores destrutivos”, chegando a ultrapassar pela primeira vez a mineração.
As Filipinas são o segundo país mais violento, com 48 assassinatos, seguido pela Colômbia, com 24 casos de homicídio. Danicley Aguiar, especialista em Amazônia do Greenpeace Brasil, fala que esses comparativos com outros países só reforçam que a disputa da terra é o pano de fundo em grande parte dos conflitos no Brasil e no mundo.
“Há uma disputa pela terra. Uma disputa assimétrica porque, infelizmente, o estado, seja no Brasil ou seja em outros países, acaba do lado das pessoas que tentam impor um projeto hegemônicos sobre os territórios”, argumenta.
De acordo com o documento, entre os 22 países analisados, em 2017, o Brasil foi o que mais registrou assassinatos, com um total de 57 pessoas mortas, dos quais 80% deles defendiam as riquezas naturais da Amazônia. As mortes, em grande parte, estão vinculadas à luta pela terra e recursos naturais “com governos e empresa de um lado e comunidades locais de outro”.
O agronegócio é o setor que tem avançado de forma significativa sobre a Amazônia, seja para o plantio da monocultura ou para a instalação de projetos de infraestrutura para amparo logístico do setor.
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Cultura da impunidade
A Global Witness apontou que a impunidade é um dos fatores que colaboram com o fortalecimento da violência e ameaças contra ativistas e defensores. Luta que Claudelice Santos, 36 anos, travou para que os assassinos do irmão, José Cláudio Ribeiro, e da cunhada, Maria do Espírito Santos, fossem julgados e condenados pela justiça. O caso ganhou repercussão nacional e internacional. Uma exceção à regra.
“O caso do José Cláudio e da Maria teve repercussão nacional e internacional, assim como o da irmã Dorothy e o do Chico Mendes. Por outro lado, outros ativistas são assassinados todos os dias por aí [sem repercussão]. São [crimes] ligados a conflito de terra ou a conflito por água, por floresta e não entram nessas estatísticas”.
O casal de ambientalistas foi assassinado em 2011, em Nova Ipixuna, sudeste do Pará. Desde então, até 2017, o quadro de violência só se agravou.
Ainda de acordo com o relatório, o governo do presidente Michel Temer vem colaborando com a escalda de violência ao enfraquecer leis e instituições destinadas a proteger essas pessoas, o que para o especialista em Amazônia do Greenpeace, se o Brasil continuar sócio do agronegócio a “tendência é a gente ver ainda mais lideranças sendo assassinadas”.
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Layza Queiroz, advogada popular da Terra de Direitos, cita diversas situações dramáticas ocorridas em 2017 como o despejo das famílias dos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Marabá; a chacina de Pau D’Arco, que vitimou dez agricultores durante ação de despejo em uma situação de conflito de terra; a contaminação de substância tóxicas em rios e igarapés causada pelo transbordamento de rejeitos químicos da empresa Hydro em Barcarena e casos de tortura causado por pistoleiros em agricultores e crianças.
Ponta do Iceberg
Segundo o relatório da Global Witness os números de mortes são subestimados, já que muitos não são registrados, principalmente em áreas rurais. Quando a reportagem do Brasil de Fato conversou com Claudelice Santos, ela estava na estrada indo para uma comunidade tradicional no Pará, o relato dela exemplifica essa realidade.
“Agora, por exemplo, eu estou indo para a comunidade Maribel, na beira do rio Iriri, próxima da Terra do Meio é longe pra caramba. E é uma estrada muito ruim. Ainda vou pegar um barco que vai pra Altamira depois; eu estou pensando: quantas violações não acontecem aqui nesse quinhão longe, escondido pra caramba? ”.
A Terra do Meio é uma região do centro sul do Pará, que abrange uma área localizada entre os municípios de Santarém e Altamira. Morada de diversas comunidades tradicionais e de intensa disputa por madeireiros.
Os números apresentados pela ONG são apenas a ponta do iceberg. Tanto Aguiar quanto Claudelice Santos relatam que os movimentos populares e os próprios ativistas sofrem um processo de criminalização e difamação com o intuito de desconstrução perante a sociedade. O caso mais recente é o que ocorreu com Padre Amaro e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), situação já deste ano.
Resistência
A ONG faz uma série de recomendações para os países. Ao Brasil ela sugeriu o enfrentamento dos problemas em sua causa estrutural, para isso recomenda o fortalecimento orçamentário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Também recomendou priorizar a implementação do Programa de Proteção ao Defensores dos Direitos Humanos e a “federalização de casos emblemáticos de assassinatos de defensores de direitos humanos, cujas investigações não estejam progredindo de forma adequada no âmbito local”.
Para além dessas recomendações, Aguiar avalia que o país também precisa repensar o papel da Amazônia na economia.
“É importante que o resto do país entenda que a Amazônia não vai ser um grande campo de soja, não há espaço para isso. As famílias que estão no campo da Amazônia, especialmente que estão lutando, vão lutar vão resistir, não tem espaço aqui para dá um passo atrás”, sustenta.
O outro lado
Em nota o Governo Federal afirmou que o relatório da Global Witness “apresenta dados equivocados, inflados, frágeis e metodologia duvidosa”. Sobre o agronegócio o governo defende que setor e “(...) eventuais crimes são localizados e não se pode generalizar acusações a todos agricultores brasileiros, sem fundamento”.
Quanto à segurança pública, ainda de acordo com a nota, o governo tem apoiado estados onde há crise neste setor e esse ano “o Programa Para Defensores de Direitos Humanos recebeu o maior orçamento desde sua criação, cerca de R$ 6,8 milhões.
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Edição: Juca Guimarães