O Haiti viveu, nos últimos dois dias, momentos de revolta desencadeados pelo anúncio do aumento do preço dos combustíveis, um aumento entre 38% e 51% no preço da gasolina, do diesel e da querosene. A medida foi anunciada às 16h da sexta-feira (6), em uma coletiva de imprensa organizada pelos ministérios da Economia e Finanças e do Comércio e Indústria. A reação social diante da medida impopular foi imediata, e logo em seguida começaram os protestos, que se tornaram massivos.
A mobilização teve início na capital do país, Porto Príncipe, e na zona metropolitana. Depois, eclodiu em diversos lugares do país, como nas cidades de Les Cayes, Cabo Haitiano, Jeremias e Grande Enseada. A capital do país chegou a ficar totalmente paralisada devido às centenas de barricadas e pneus queimados, enquanto aconteciam os enfrentamentos nas ruas entre os manifestantes e as forças de segurança. A Polícia Nacional do Haiti, devido à dimensão dos acontecimentos, chegou a aquartelar-se, cedendo o controle das ruas à multidão de manifestantes. Até agora, neste domingo (08), foram confirmadas três mortes e dezenas de feridos devido aos enfrentamentos.
A intensidade das manifestações está relacionada com o aumento geral nos custos do transporte e da alimentação que tal medida produziria. O querosene, por exemplo, é utilizado para iluminar as casas e para cozinhar, em um país onde o fornecimento de gás e energia é muito restrito.
O aumento dos preços se deve a um acordo assinado em fevereiro entre o governo do presidente do país, Jovenel Moïse, do Partido Haitiano Tèt Kale, de direita, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para reduzir os subsídios aos combustíveis. No mesmo acordo, estão outros pontos polêmicos, como a completa privatização da EDH, a estatal de energia do país. Em troca, o FMI se comprometeu a injetar dólares na abatida economia haitiana, dependente crônica da ajuda externa de organizações credoras e ONGs europeias e estadunidenses.
Alguns dias antes, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pressionou para que o governo anunciasse os aumentos, oferecendo como contrapartida uma “ajuda” de 40 milhões de dólares para outubro, quando começa o ano novo fiscal no país. Como aconteceu no começo do ano passado no México, durante os protestos contra o aumento no preço da gasolina, conhecido como gasolinazo, novamente o preço dos combustíveis passa a ser um assunto inegociável para a classe trabalhadora da América Latina e do Caribe.
As medidas que o FMI quer implantar agora no Haiti são as mesmas que esta organização financeira implantou na Jordânia, no Oriente Médio, no mês de maio, o que fez eclodir uma rebelião que só terminou com a demissão do Primeiro Ministro do país, Hani Al-Mulki.
Agora, no Haiti, a medida que tinha sido adiada pela oposição direta de organizações de transportadores, do setor público e por movimentos populares rurais e urbanos, foi executada aproveitando as atenções voltadas à Copa do Mundo, evento que desperta muitas paixões na nação caribenha.
No sábado (07), 24 horas depois do anúncio das novas tarifas, o governo haitiano anunciou a suspensão da medida, inicialmente através da conta no Twitter do Primeiro Ministro do país, Jack Guy Lafontant, e depois através do anúncio do presidente em rede nacional. No entanto, o conflito continua crescendo, com saques a lojas e supermercados, queima de hotéis, um incêndio provocado em uma emblemática fábrica transnacional de bebidas, novos enfrentamentos e repressões. Com o aumento das tarifas congelado, a demanda que começa a surgir nos protestos é o pedido de renúncia do presidente Jovenel Moïse.
Atualmente, em um clima de incerteza ainda vigente e com setores mobilizados nas ruas de todo o país, o comitê de coordenação das manifestações anunciou uma greve geral para os próximos dias, segunda e terça-feira (9 e 10). O comitê é formado pela Brigada Sindical Anticorrupção, pelo Movimento 22 de Janeiro, pelos partidos e organizações Rasin Kan Pèp La, KOEPA, SAJ/VEYE YO e Rozo.
Além da suspensão definitiva do aumento dos combustíveis, as organizações exigem, entre outros pontos, a reincorporação dos trabalhadores de diversas empresas estatais demitidos, o avanço no julgamento dos funcionários do Estado acusados de apropriação ilícita de fundos da Petrocaribe. É esperado que durante a greve geral aconteçam manifestações em frente ao palácio do Governo, no Parque Dessalines, localizado na capital do país, Porto Príncipe.
*Laurato Rivara é jornalista argentino e integrante da Brigada Internacional da Alba Movimentos no Haiti.
Edição: Vivian Fernandes | Versão em português: Luiza Mançano