Com pequenas variações nas palavras, notícias com a manchete "orgânicos não poderão mais ser vendidos sem supermercado" se tornaram "virais" em diversas redes sociais na última semana. As "reportagens" se referiam ao Projeto de Lei nº 4.576/2016, que, na verdade, tem como objetivo aumentar a rastreabilidade dos produtos orgânicos e impedir que produtos convencionais fossem vendidos como orgânicos.
Ou seja, a princípio, nada a ver com restrições à presença desse tipo de produto em supermercados.
A redação confusa e ambígua do projeto, no entanto, permite a interpretação de que, caso se transforme em lei, a comercialização de orgânicos só estaria permitida nas feiras livres ou em propriedades particulares --e pior, poderia acabar impedida, inclusive, a compra de alimentos orgânicos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Segundo o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), coordenador do Núcleo Agrário do partido na Câmara, o projeto proposto por Edinho Bez (MDB-SC) teria apenas a intenção de regular a relação entre produtor de orgânicos e o consumidor final, mas acabou muito mal redigido.
"Olhando o projeto, ele parte de uma necessidade de regular a comercialização de orgânicos para dar garantias do ponto de vista do consumidor. O projeto tem essa intenção, mas ele cria mecanismos que podem mesmo prejudicar os produtores de orgânicos", afirma.
Por conta da redação imprecisa, o PT protocolou, nesta quarta-feira (4), pedido para que o projeto seja debatido em mais comissões antes de sua versão final ir à votação.
"Nós estamos entrando hoje com pedido na mesa diretora da Casa para que esse projeto, antes de ser votado na Comissão de Justiça, que é a última antes de ir ao plenário, seja também analisado pela Comissão de Defesa do Consumidor", explica.
Pelo regulamentos da Câmara, a Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ) é a última a julgar os textos, mas não avalia o mérito político dos projetos. A comissão tem o objetivo único de avaliar se as propostas de lei estão de acordo com a Constituição Federal.
Preferência nacional
A pesquisa "O consumo dos orgânicos no Brasil", realizada no ano passado por uma parceria entre o Conselho Brasileiro de Produção Orgânica Sustentável e o Market Analysis, mostrou que, mesmo com preços mais elevados, o supermercado é ainda o principal local de compra de orgânicos.
De acordo o levantamento, 64% das pessoas compra alimentos orgânicos nas redes varejistas, enquanto 26% têm o hábito de comprar esses produtos nas feiras livres. A pesquisa foi realizada em quatro regiões e nove cidades brasileiras, e ouviu cerca de 900 pessoas.
O dado pode explicar o impacto que a notícia do projeto teve entre consumidores.
Francisco Dal Chiavon, o Chicão, dos setores de produção e coordenação nacional do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pontua que a polêmica ganhou força uma vez que o projeto dos orgânicos surge uma semana depois da aprovação do Projeto de Lei 6.299/02, conhecido como "Pacote do Veneno", que flexibiliza as regras para facilitar o uso de novos agrotóxicos no país.
"Mas essa fresta nos leva a crer que pode estar sendo armada uma normativa para ir restringindo a comercialização dos produtos orgânicos", pondera. O problema real, segundo o porta-voz do MST, é que, da forma como o projeto está escrito, haveria um excesso de regras recaindo sobre os orgânicos.
O MST apoiou a decisão do Núcleo Agrário do PT de incluir o projeto na pauta de outras comissões, afim de "sanar os pontos contraditórios" e fomentar o debate público sobre os alimentos orgânicos.
Edição: Diego Sartorato